Ontem à noite assisti à cerimónia da abertura do 8º Amazonas Film Festival, que decorreu no Teatro Amazonas, no centro histórico de Manaus.
Fiquei na plateia, sentado a três cadeiras de Fernando Meirelles, o conceituado diretor de Cidade de Deus e Blindness, que foi o homenageado da noite e é o presidente de honra do júri deste ano.
Depois dos discursos e homenagens da praxe assistimos à estreia mundial do novo filme do diretor Cao Hamburguer, Xingu. Apesar de ser um belo filme não atingiu o patamar do seu trabalho anterior, O ano em que meus pais saíram de férias.
O problema é, essencialmente, do guião.
Do ponto de vista técnico e artístico Xingu é muito bom; os atores são irrepreensíveis; as paisagens, obviamente, são de cortar a respiração; e até funciona muito bem como narrativa histórica, quase documental, da criação do Parque Nacional do Xingu.
Infelizmente, a nível emocional, revela-se um pouco frio e distante. Contido demais. É um filme que dificulta o envolvimento e a identificação do espectador, com grandes cenas, mas sem nenhuma verdadeiramente emocionante.
É uma constatação estranha, pois o tema promete muito: a luta dos três irmãos Villas-Boas, no terreno e nas instâncias políticas, para criar a maior reserva indígena do mundo.
O filme é uma saga de três jovens da cidade, de boas famílias, que trocam tudo, e tudo sacrificam, por uma causa que, à partida, nem é sua – a proteção dos direitos e do estilo de vida dos índios amazonenses.
O que aconteceu, na minha modesta opinião, foi que os roteiristas (vários) tiveram de encaixar três protagonistas, muitos fatos históricos, imensa informação de contexto, e um rol de eventos que se desenrolam ao longo de duas décadas – tudo na duração normal de uma longa metragem comercial. Não medi o tempo exato, mas penso que o filme não terá mais de duas horas.
Ora se há uma regra de guionismo que normalmente bate certo é que a profundidade da análise dos personagens varia no sentido inverso do número de ações do enredo. Quanto mais enredo, menos personagem; quanto mais personagem, menos enredo.
A prova é que as cenas mais tocantes são as que exploram as relações entre os três irmãos, ou a relação de um deles, Cláudio, com um filho não assumido. Mas estas cenas mais humanas são imediatamente abafadas pelo tropel dos acontecimentos, e perdem-se na memória.
Qual seria a solução? É muita presunção minha querer encontrá-la aqui, mas acho que o filme teria ganho em se focar mais na perspetiva de um dos irmãos – possivelmente o já referido Cláudio.
O guião dá alguns passos nesse sentido, mas demasiado tímidos. Talvez a preocupação com a verdade histórica, e com as sensibilidades de herdeiros e familiares tenha tolhido um pouco as mãos dos autores. É o que dá escrever sobre eventos reais – é mais fácil escrever o Avatar quando os protagonitas são azuis e vivem noutro planeta.
De qualquer forma Xingu é um bom filme, que não vai decepcionar os espectadores e que poderá fazer uma carreia simpática em alguns festivais. Mas não é ainda o filme que vai projetar Cao Hamburger para o patamar de, por exemplo, Fernando Meirelles.
A propósito do Fernando Meirelles: depois do filme ouve uns petiscos e eu aproveitei para me apresentar a ele.
É claro que o senhor – que, diga-se desde já, foi muito simpático e cordial – nunca se vai lembrar do meu nome, nem em que circunstâncias nos cruzámos.
Mas pode ser que da próxima vez que nos encontremos ele me ache familiar, e isso possa ajudar de alguma forma. Não me importava nada de escrever um guião para ele. Sonhar não custa.