Uma das perguntas que me fazem com mais frequência é qual o método certo para escrever. É uma pergunta que só pode ter uma resposta – há tantos métodos “certos” quantos autores diferentes.
Compreendo que não seja uma resposta muito útil. Quem está a iniciar-se na escrita procura amparo, orientação e conselhos que possa aplicar na prática – e esta resposta, mesmo que verdadeira, não se qualifica para esse efeito.
Vamos então tentar generalizar e simplificar um pouco, para conseguir chegar a algum lado. Nesse sentido podemos distinguir dois tipos de escritores, que eu chamo de paisagistas e jardineiros.
Os paisagistas gostam de planear tudo na perfeição, investindo muito tempo e atenção na fase prévia da escrita (sobre a qual escrevi recentemente).
Não lhes basta ter uma ideia; precisam de ter o caminho claramente traçado do início ao fim. Desenvolvem sinopses e escaletas, mergulham a fundo no carácter dos seus personagens, e só começam a escrever quando sabem com muito detalhe o que vai acontecer em cada etapa das suas estórias.
Para esse tipo de autores uma grande parte da actividade criativa acontece logo na primeira fase do processo; o jardim fica delineado e planeado antes da primeira semente ser lançada à terra.
Os jardineiros, pelo contrário, preferem começar logo a meter as mãos na terra. Gostam de ir plantando, explorando e vendo o que cresce, de uma forma muito orgânica e natural.
Quando começam as suas obras não sabem onde elas os vão levar, ou têm apenas uma muito vaga ideia do que pretendem alcançar. A descoberta e as surpresas do percurso fazem parte do interesse da viagem.
Entre estes dois extremos, naturalmente, há uma infinidade de opções. Estas podem até variar de projecto para projecto, ou evoluir naturalmente ao longo da vida de um escritor. Mas a verdade é que cada autor tende a aproximar-se mais de um destes pólos, adoptando os métodos mais adequados para o seu caso.
Eu, por exemplo, aproximo-me mais do campo dos paisagistas, embora goste de deixar uma grande margem de manobra para o momento da “jardinagem”. Gosto de ter um caminho bem delineado, mas não me coíbo de explorar alternativas ou fazer grandes mudanças no momento de passar à escrita.
Vantagens e desvantagens
Cada uma destas abordagens tem as suas mais-valias e defeitos, e os seus defensores e detractores.
Os paisagistas, por exemplo, garantem que todo o trabalho criativo e esforço despendido na preparação das estórias lhes dá um grande alívio e à-vontade no momento de passar à escrita. Escrever sem um fio condutor prévio é um sofrimento desnecessário e contra-produtivo, que normalmente leva a lugar nenhum.
Em contrapartida, a crítica que lhes é feita é de que correm o risco de perder o sentido do risco e da exploração, deixando passar ao lado maravilhosas oportunidades criativas.
Os jardineiros, por outro lado, asseveram que saber antecipadamente o caminho a seguir lhes tiraria todo o prazer da aventura da escrita. Ter um mapa e um trajecto pré-definidos seria o equivalente a entrar numa excursão planeada, matando à partida todo o gozo da viagem.
O problema desta abordagem, para os seus críticos, é que pode levar a desequilíbrios estruturais e becos sem saída de onde é muito mais difícil sair.
E os guionistas?
A escrita para audiovisual oferece desafios muito particulares. Um guião de cinema é normalmente escrito por encomenda de produtores, que gostam de saber com algum detalhe o que podem esperar da versão final.
Por outro lado, na televisão, em que muitas vezes se trabalha em equipa, é necessário acertar o trabalho e os esforços de vários autores.
Além disso, num meio ou no outro, há constrangimentos muito sérios de duração. Um filme tem entre 90 e 120 minutos, e os episódios de televisão têm durações exactas que é obrigatório respeitar.
Dessa forma, a escrita de tratamentos e escaletas antes de passar à escrita dos guiões é quase sempre inevitável. Os paisagistas têm, pois, uma ligeira vantagem de adaptação a este tipo de escrita.
Conclusão
Em resumo: os paisagistas trabalham mais no planeamento, o que normalmente lhes garante menos trabalho na escrita e reescrita, mas pode custar em liberdade e flexibilidade.
Os jardineiros apostam mais no improviso e na aventura, o que lhes garante mais liberdade e improviso na escrita, mas pode implicar rescritas mais complicadas e trabalhosas.
O melhor conselho que posso dar é que cada autor tente perceber em qual dos dois campos cai mais naturalmente para, dessa forma, poder adoptar os métodos mais adequados.
Ora bolas, quem diria… Eu ser, um dia, “jardineiro”! :) De facto, nunca consigo aguentar muito tempo na fase do planeamento, apesar de reconhecer ser essencial. Mas a verdadeira piada está em escrever páginas e mais páginas de guião e desfrutar do prazer da descoberta ou de ser surpreendido pelos próprios personagens ou situações.
Se é o que funciona para si, força nisso!
Achei engraçado o texto, nunca tinha pensado neste “problema” em termos florais :). E porque é problema? Porque eu gosto de planear, criar uma escaleta, trabalhar nela, mas parece que o meu cérebro se acalma mais escrevendo, ou seja, as melhores ideias surgem quando estou a escrever… não gosto, porque sei que isso não é muito profissional, na minha actividade se algum comercial chegasse ao pé de mim antes de uma qualquer reunião com um cliente e me dissesse, que entrava nessa reunião e depois logo se via… eu já não o deixava ir à reunião (aliás tentaria, porque o financeiro não manda assim tanto :))!!! Em termos de processo de escrita, adoptei um método simples, só escrevo quando tenho uma escaleta e um fio condutor ténue, mas com a ideia base bem definida, e depois a cada nova ideia olhar para o quadro final e adaptar, por vezes voltar tudo atrás e a primeira versão torna-se a ajuda para uma nova escaleta. E isto leva-me a fazer-lhe uma questão: para acalmar o cérebro (tenho consciência que é disso que se trata) e conseguir no tratamento ou escaleta, ter a mesma produtividade de ideias que na escrita, existe algum método?
Cpts.
Nem precisa de se preocupar com isso. Eu também altero muitas coisas quando estou a escrever o guião, afastando-me do que tinha planeado anteriormente. Isso por vezes implica recuar um passo e voltar a alterar a escaleta, mas compensa. Não podemos (nem devemos) esperar que todas as boas ideias surjam apenas na fase da pré-escrita.
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