Os dois telefilmes "Conexão", que eu escrevi para a Stopline Filmes a partir de uma estória do Jorge Almeida, foram selecionados para competição no FIPA (Festival Internacional de Programas Audiovisuais). É uma boa notícia, que espero que contribua para a sua estreia rápida na RTP.
Entretanto, duas das curtas metragens que escrevi para "O Dez" – "Gnosis", com guião meu e de Leandro Ferrão, e "Anestesia", com guião meu a partir de uma ideia de Pedro Varela – foram também escolhidas para a secção competitiva do Fantasporto. É outro projeto por cuja estreia anseio. Tanto quanto sei, está para breve.
Como aperitivo, deixo aqui uma cena de "Anestesia".
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INT. ARMAZÉM – ESPAÇO DE DORMIR – DIA
Uma meia de rede, negra, é desenrolada lentamente ao longo da perna branquíssima de uma PROSTITUTA.
A mulher já está despida, à excepção das cuecas fio dental, meias de ligas e sapatos de salto alto. Sentada no sofá decrépito, olha com desconfiança para o espaço em redor, especialmente para o colchão pousado no chão.
PROSTITUTA
É ali que a gente vai…?
(pausa)
Não tens uma caminha mais arranjadinha?
Tira o sapato para acabar de retirar a meia, e volta a calçá-lo. Começa a desenrolar a outra.
PROSTITUTA
Sabes, amore, não adianta estares tão preocupado com a minha saúde se não cuidares também da tua. E esta tua casinha estava a precisar de uma limpeza… Ai estava, estava.
Termina de desenrolar a segunda meia e volta a calçar o sapato. Põe-se de pé.
PROSTITUTA
Estás adonde, amore?
Olha para o painel, onde o mapa do corpo humano cravejado de alfinetes se destaca. Aproxima-se, com uma expressão mista de curiosidade e repugnância. Com o dedo estendido toca num alfinete que está na região genital.
PROSTITUTA
O que é isto, amore? Tu fazes aquela coisa dos chineses, das agulhas? É q’eu–
Timóteo surge inesperada e silenciosamente por trás dela, passando-lhe um braço à volta do pescoço e cobrindo-lhe a boca e nariz com um pano dobrado.
TIMOTEO
Falas demais… amore.
INT. ARMAZÉM – SALA OPERAÇÕES – DIA
O motor de tracção trabalha com o SOM que já conhecemos. Timóteo, já de luvas médicas calçadas, desliga-o e o silêncio que fica é apenas interrompido por GEMIDOS ABAFADOS. A mulher está pendurada pela corrente, amarrada e amordaçada. Uma corda prende-lhe os pés a uma argola no chão, mantendo-a esticada. Agita-se e geme, sem efeito, e os seus olhos reviram-se de medo.
Timóteo aproxima-se com uma seringa cheia de um líquido transparente.
TIMOTEO
Desculpa não te ter avisado, mas não tenho outra alternativa.
Crava-lhe a seringa na perna e injecta-lhe o líquido lentamente.
TIMOTEO
Isto é uma anestesia, por isso não vais sentir quase nada. Mas vou ter de te deixar acordada para ver as tuas reacções, está bem?
Retira a seringa.
TIMOTEO
Se doer muito piscas os olhos?
Pousa a seringa na bancada e agarra directamente no bisturi. Fecha o grande livro médico e…
INT. ARMAZÉM – OUTRO ESPAçO – NOITE
…a tampa de uma grande arca frigorífica bate com estrondo ao fechar-se. Timóteo começa a descalçar as suas luvas de cirurgia, que agora estão completamente ensanguentadas. Na sua expressão sombria não há um pingo de satisfação. Poderíamos até pensar que é uma expressão de tristeza.
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Parabéns! Espero que para o ano sejam Palmas de Ouro e Oscares! Bem que estamos a precisar de talentos reconhecidos internacionalmente :)
Caso para dizer que o “amore” não durou para sempre…!
O Timóteo fez-me lembrar o médico assassino do livro “O Salão Dourado” do Irving Wallace (a propósito, há uns tempos, quando coloquei a questão sobre dicas para adaptações literárias, era com este livro em mente).
Continuação de bom trabalho!