Quando um produtor português olha para um guião não se vai limitar a apreciar o seu valor artístico e criativo, a sua qualidade intrínseca. Vai também – provavelmente até em primeiro lugar – avaliar a viabilidade da sua produção.
Todos os filmes portugueses são, sem excepção, filmes de baixo orçamento. Mesmo os filmes nacionais mais caros são, pelos padrões da maior parte dos outros países (começando aqui ao lado por Espanha), relativamente baratos.
Um guionista pode aumentar consideravelmente as probabilidades do seu guião ser produzido se tiver isso em atenção e evitar uma série de elementos que contribuem para encarecer a produção de um filme.
Não quer dizer que a ausência destes elementos vai tornar só por si apetecível um mau guião.
Mas é garantido que a presença de muitas destas coisas no guião vai obrigar o produtor a fazer muitas contas antes de se lançar na aventura de o produzir.
- Guião grande demais
Quanto maior for o guião, mais tempo demora a rodar. Mais tempo representa mais dinheiro investido em salários, equipamentos, transportes, etc. O melhor é mantermos os nossos guiões entre as 90 e as 110 páginas (de preferência mais perto das 90). - Demasiados papéis
Mais papéis implicam mais actores, mais salários, mais complicações no planeamento do mapa de rodagem, mais custos de deslocações, hotéis, etc. Devemos avaliar bem as necessidades da estória e usar apenas os personagens estritamente necessários. - Castings muito específicos
Um papel com características demasiado específicas, ou complicadas de encontrar, pode causar problemas desnecessários de casting e assustar os produtores. Temos de pesar bem as suas vantagens e desvantagens. - Animais
A presença ou dependência de animais implica tratadores, veículos especiais, e tempos de rodagem mais lentos. Tudo isso significa custos adicionais. Como é evidente, um cavalo é mais complicado que um periquito. - Crianças
As crianças são protegidas por legislação especial que limita os tempos de filmagem, etc. Além disso são mais difíceis de dirigir, o que implica também tempos de rodagem mais demorados. Crianças com animais são particularmente de evitar. - Demasiados décores
Um filme com muitos décores implica ou muita construção de décores em estúdio ou muitas deslocações da equipa de uns locais exteriores para outros. Ambas as situações pesam no orçamento, por isso temos de encontrar o equilíbrio certo – poucos décores e o filme parece “pequeno” e limitado, demasiados e fica insuportavelmente caro. - Exteriores em locais públicos
Locais públicos e movimentados, como ruas agitadas, estações de comboios ou aeroportos, implicam licenças difíceis de obter, muitos figurantes, mais meios de produção, mais despesas. Se for possível encontrar décores alternativos e interessantes é melhor sermos nós a fazê-lo antes que o produtor o faça por nós – se calhar com opções bem menos criativas. - Exteriores nocturnos
As cenas nocturnas em exterior implicam uma série de complicações logísticas nas filmagens, dão dores de cabeça aos assistentes de realização, dificultam o planeamento dos mapas de rodagem e cansam muito as equipas. Se a sua estória não for um filme de vampiros passado no Alasca, modere o número de cenas nocturnas.
- Cenas de multidão
Os grandes épicos dependem muitas vezes de cenas com multidões em movimento. Alguém se lembra de um épico assim no cinema português? - Muita dependência de efeitos especiais
Mesmo nos tempos actuais, em que a tecnologia está cada vez mais acessível, os efeitos especiais ainda implicam custos adicionais para um filme, que por vezes são consideráveis. Os únicos efeitos especiais que os produtores gostam de usar são os que lhes poupam dinheiro; não os que implicam mais custos. - Acções espectaculares
As cenas com perseguições automóveis, quedas espectaculares ou grandes tiroteios são sempre mais complicadas e caras de realizar. Quer acreditem ou não, cada tiro dado é contabilizado. E os produtores começam a fazer as contas logo na leitura do guião. - Efeitos climáticos
Tempestades, nevões, até uma simples chuvada – todos estes efeitos de clima têm de ser criados especialmente para filmar. Será que aquela cena secundária do seu guião tem mesmo de ser numa pista de aterragem do aeroporto de Lisboa debaixo de uma intensa queda de granizo? - Cenas de época
Cenas no passado, como prólogos ou flashbacks, implicam preocupações especiais de produção: guarda-roupa, adereços, décores, veículos, etc. Tudo isto inflacciona um orçamento e tem sempre de ser bem ponderado. Os filmes de época, evidentemente, são ainda mais complicados, mas aí a opção foi feita logo à partida pelo produtor. - Veículos em movimento
Cenas passadas em veículos em movimento, quer sejam carros, comboios ou helicópteros, são de produção mais complicada e morosa. E, como penso já ter deixado bem claro por esta altura, em produção tempo é dinheiro e o dinheiro é sempre escasso. - Cenas aquáticas
Idem idem aspas aspas. - Maquilhagens muito complexas
Trabalhos de maquilhagem muito complicados ocupam muito tempo às equipas e roubam muito tempo aos actores. Se isso se repetir todos os dias pode ter um efeito significativo na produção. E não é necessário ser um filme de zombies – por vezes basta ter de envelhecer credivelmente um personagem durante parte significativa da estória.
Com esta lista não estou a querer limitar criativamente os guionistas, mas sim dar-lhes parâmetros realistas para aplicarem a sua criatividade.
Provavelmente será impossível ( e até mesmo indesejável) evitar todos estes elementos num mesmo guião.
Mas incluir uma quantidade excessiva é seguramente a melhor maneira de afastar os produtores portugueses do seu guião.
Um post muito útil. Por mais básicos que possam parecer, acho que já cometi a maior parte destes erros. Desnecessariamente.
Cumprimentos
Bom Post… Os meus guiões são destinados a curtas académicas e pouco mais, visto ainda estar a começar, porém este post ajuda sempre a ter uma dimensão mais global do que é um bom guião com viabilidade comercial. Talvez ter lido este post tão prematuramente me vá evitar de futuro alguns problemas.
Cumprimentos,
Salvador Palma
post bastante util.
aliás, varios dos posts que encontrei por aqui sao de grande utilidade, pois escrever para cinema/televisão é o meu grande objectivo na vida.
muito obrigado pelas muitas dicas que por aqui encontrei.
boa tarde, este blog é bastante útil, continue a dar-nos estes textos que valem a pena, obrigada.
já agora queria perguntar uma coisa, onde é que eu poderia encontrar as regras que têm que se ter com as crinaças nas rodagens, tempos que podem filmar, etc.
obrigada, joana