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Entrevista a Fernando Fragata

    "Para bem da nação, resolvi mudar o dia de lançamento do DVD do Contraluz. Passou de dia 5 para dia 15 de Junho por receio de que a maior parte dos portugueses fossem fazer fila à porta da FNAC em vez de fazê-la à porta da assembleia de voto. Depois não digam que não sou patriota. — Fernando Fragata"

    Foi desta forma descontraída que foi anunciado o lançamento do DVD de Contraluz, o filme português que mais audiência atraíu no ano passado.

    Inteiramente rodado nos Estados Unidos da América, Contraluz segue a vida de várias personagens que se encontram em situações de extremo desespero e que, ainda assim, conseguem ajudar outros, acabando, no processo, por descobrir um novo rumo para as suas próprias vidas.

    Para saber mais sobre a escrita e a produção deste belíssimo filme, fomos falar com o argumentista, o realizador, o produtor e o director de fotografia. Fernando Fragata respondeu por todos eles…

    BD – autoria Fernando Fragata

    Nélia Matos: De que mais se orgulha no Contraluz?

    Fernando Fragata: O facto de o ter escrito, produzido, realizado, montado, dirigido a fotografia, de o ter distribuído nas salas de cinema e ter tido mais de 80.000 espectadores em Portugal. Isto não é um milagre, são vários ao mesmo tempo.

    Como surgiu a ideia do Contraluz?

    Gosto de viajar de carro pelos Estados Unidos com uma câmara de video e documentar tudo o que vejo. Sou um autentico paparazzo mas em vez de perseguir personalidades, persigo ideias. Acho que já atravessei quase todas as cidades, desertos, lagos e montanhas. Cada vez que atravesso o continente norte americano é sempre uma experiência totalmente diferente. O país é tão gigantesco que há sempre algo novo para explorar. Paro para dormir nos locais mais desérticos e insólitos. O contraste com o mundo urbano é abismal. É nessas viagens que encontro inspiração e imagino sempre várias histórias conforme os locais por onde passo e as pessoas que encontro. No final da viagem gosto de me sentar em casa frente ao plasma e comer 1Kg de chocolate a rever as imagens que gravei. Descubro sempre novas sensações que na altura me passaram despercebidas. É natural usar alguns desses locais/emoções/ideias quando escrevo qualquer guião e o Contraluz não foi excepção.

    Além das paisagens deslumbrantes, o percurso emocional das personagens é um dos grandes pontos fortes do filme, revelado pelo talento dos actores, como Joaquim de Almeida. Escreveu alguma personagem já com a ideia do actor que gostava que o desempenhasse?

    Não, isso nunca faço porque apesar de gostar de trabalhar com actores e louvar bastante o seu trabalho, não são os actores que me inspiram durante o processo de escrita. O "desconhecido" é quem me inspira, quero dizer, prefiro imaginar alguém que não conheço, deste modo, o personagem pode ser e fazer o que eu quiser. Além disso, não vale a pena estar a escrever um guião com um actor especifico em mente, pois a maior parte das vezes torna-se impossível ou impraticável contratar esse actor, e isso é uma desilusão da qual eu não sofro, uma vez que não estou fixado em ninguém especifico.

    Houve muitas alterações ao guião durante a rodagem? Cenas novas, alterações de diálogos, improvisações…

    Há sempre alterações a fazer por varias razões. Principalmente quando se está a fazer um filme com um orçamento muito baixo. É habitual ter que se alterar cenas porque não temos orçamento para conseguir fazer quilo que está na página. Contudo, também existem ocasiões em que conseguimos enriquecer aquilo que está noutras páginas. É uma luta constante tentar encaixar a historia que temos para contar dentro do orçamento que temos para filmar sem que esta saia danificada ou demasiado distorcida em relação ao guião original.

    Pode falar-nos um pouco sobre a abordagem às reescritas?

    Quando eu escrevo para mim, para eu produzir e realizar, nunca reescrevo nada até chegar ao dia em que haja financiamento para o filme. Nessa altura tenho que reescrever o guião para se adaptar ao orçamento que tenho disponível para o transformar em filme. Infelizmente tenho sempre a mania de escrever algo mais ambicioso do que o orçamento permite.  Quando escrevo para outros produtores, as alterações que faço dependem do gosto do "freguês". Pois se me estão a pagar para escrever, é minha obrigação dar prioridade ao gosto do cliente e escrevo aquilo que ele/ela desejar. As alterações são menores quanto mais eu acertar naquilo que ele/ela quer. A questão torna-se mais complicada quando estes não sabem bem o que querem e todos os dias mudam de opinião. Nessas ocasiões eu invejo quem é pago à hora.

    Como foi trabalhar nos Estados Unidos versus trabalhar em Portugal?

    Correndo o risco de soar desagradável mas sincero: Quando se trabalha com orçamentos miseráveis, seja lá onde for, apenas as moscas mudam.

    Preocupa-o encontrar o seu público?

    Eu preocupo-me é que o público encontre o meu filme. No meio de tantos filmes com trailers espectaculares, com estrelas internacionais e campanhas de promoção de dezenas de milhões, como descobrir o meu filme lá perdido no meio desses gigantes é que me preocupa. Pois de nada vale fazer um filme se ninguém o vê.

    Quanto tempo demora a escrever um guião?

    Tento demorar o menos possível. É a excitação de contar uma nova história que me leva a escrevê-lo. Se demorar muito tempo a escreve-lo deixa de ser novidade e perco a motivação. Para mim 20 dias é o limite máximo para escrever um guião. São mais ou menos cinco páginas por dia. É tempo mais que suficiente. É claro que só escrevo depois de imaginar o filme todo. Nunca começo a escrever algo sem saber exactamente o principio, meio e fim. Evito perder tempo com tratamentos e bios dos personagens. Esses apontamentos faço-os de memória sem gastar papel nem tinta. Gosto de ficar a remoer nos detalhes da história durante alguns dias na minha cabeça. Apenas eu, as minhas ideias e várias barras de chocolate.

    O que é que nos pode dizer sobre o seu próximo filme?

    Não posso dizer muito porque nem eu sei.  Tenho vários guiões que gostava de fazer, mas nunca consigo arranjar financiamento para aqueles que mais gosto, portanto, veremos o que o futuro reserva.

    Obrigado, Fernando! Esperamos pelo próximo trabalho!

    3 comentários em “Entrevista a Fernando Fragata”

    1. Nélia, onde posso eu tirar o curso de escrita para cinema? Resido no Porto e neste campo, até os workshops são escassos.

      É importante para mim desenvolver os skills de escrita.

    2. O lançamento do DVD do Contraluz foi adiado para dia 5 de Julho. Assim têm mais tempo para ler a entrevista ;)

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