Dia 3 de Junho estreia em 20 salas do País o filme "Um funeral à chuva", escrito por Luís Campos e realizado por Telmo Martins.
É um dos primeiros filmes a ser realizado em Portugal segundo um modelo independente, sem apoios do Estado, recorrendo apenas a apoios de empresas privadas e à boa vontade de todos os envolvidos, que aceirtaram trabalhar em função de dividendos futuros. Apesar disso conseguiou convencer os distribuidores e exibidores a estreá-lo em cerca de vinte salas em todo o país.
Aproveitei a oportunidade para fazer uma pequena entrevista com Luís Campos, o autor do guião.
O realizador Telmo Martins (esquerda) e o guionista Luís Campos, durante as filmagens
João Nunes
Fala-me um pouco do projecto. Como surgiu o “Um Funeral à chuva”?
Luís Campos
A Lobby Productions foi fundada há 3 anos, na Covilhã. Os 4 membros fundadores foram ex-colegas universitários: Telmo Martins, Orlandina Veiros, João Feitor e Luis Dias. Todos já tinham trabalhado enquanto equipa em diversos projectos de curta-metragem, algumas premiadas em festivais. Antes de fundarem a Lobby haviam, juntos, produzido curtas como "Rupofobia", "Utensílios do Amor", "Crosswalk". Nessas curtas anexaram-se alunos do curso de cinema da Universidade da Beira Interior, entre eles, eu, e fomos formando uma espécie de equipa de trabalho.
João Nunes
E o Funeral, como surgiu?
Luís Campos
Há cerca de 3 anos atrás, quando estávamos a rodar o "Utensílios" o Telmo e o Luis começaram a esboçar um argumento que abordava o reencontro de ex-colegas universitários na ocasião da graduação de um deles. De certa forma, estavam a transcrever para papel algumas das memórias deles enquanto estudantes. Foi no Utensílios, que teve um guião do Jorge Vaz Nande, e esse novo projecto foi passado ao Jorge. O Jorge começou a escrever o guião de um filme que era intitulado "Tempo Presente – Memórias de Um Estudante". Entretanto fundou-se a Lobby, fizemos mais umas coisas juntos, eu terminei o Mestrado em 2008 e o projecto da longa foi-se cimentando. No início de 2009 entrei num estágio pelo Inov-Art em Barcelona a fazer representação da Lobby entre diversas tarefas relacionadas com consulta de mercado, elaboração de estratégias de desenvolvimento internacional, etc. Entretanto o guião do Jorge havia sido submetido ao ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual), sem sucesso. Durante o meu estágio foram-se conseguindo definir importantes parcerias na Beira Interior que facilitariam uma possível rodagem do filme. Por volta de Junho de 2009 concorreram com o guião ao FICA(Fundo de Investimento do Cinema e Audiovisual) e o projecto foi aprovado mas o guião necessitaria de melhorias.
João Nunes
Como é que entraste no projecto?
Luís Campos
Como eu estava em Barcelona, na altura e tinha escrito recentemente alguns projectos para a Lobby, de séries televisivas e curtas-metragens, abordaram-me no sentido de "melhorar" o guião do Jorge. Achei que tal não fazia sentido uma vez que eu até não era entusiasta pela estrutura e desenvolvimento do guião existente. Propus ao Telmo rescrever algo do zero baseado na mesma premissa de reencontro de ex-colegas, mas com estrutura, personagens e plots completamente diferentes. Aí cheguei à ideia do funeral, adicionei personagens e escrevi um guião de raiz. A ideia foi rejeitada a priori mas, após 3 dias e um primeiro esboço, lá os consegui convencer.
João Nunes
Um primeiro esboço de quê? Do novo guião? Ou uma sinopse?
Luís Campos
Sim. O guião. A 1ª versão foi feita em 3 dias!!
João Nunes
P***! Não posso pôr isso no site!
Luís Campos
?(risos)
Eu sei! Mas é a verdade. Isto foi em Junho.
João Nunes
Continua…
Luís Campos
Depois limaram-se uns pormenores, consultaram-se umas opiniões e acrescentámos/corrigimos algumas cenas. Gostaram tanto que decidiram submeter esse novo guião ao FICA. No final de Junho recebemos a notícia do FICA de que não tinha sido aprovado. Tal notícia foi o "leit-motif" da iniciativa de produzir independentemente. A Lobby, cansada de procurar apoios, como tinha essa base de empresas que ajudaria a possibilitar a produção do filme em termos de empréstimos de material, alojamentos, refeições, etc., decidiu organizar as coisas e preparou-se para rodar o já "Um Funeral à Chuva" em Setembro na Covilhã. Contactaram-se actores tendo em vista a participação pro bono à base de royalties futuros, dependentes das receitas, juntou-se parte da equipa que já havia trabalhado em anteriores projectos, anexaram-se mais alguns alunos do curso de cinema da UBI e, em Setembro, estávamos nós a rodar.
João Nunes
Que versão do guião rodaram? Quantas depois da primeira?
Luís Campos
Acho que a 5ª versão, mas se hoje consultares a 1ª não é monstruosamente diferente da 5ª. Tem diferenças estruturais, obviamente, a 1ª versão era mais "claustrofóbica", centrava-se muito mais no jantar do reencontro, que, no filme como está, ainda ocupa grande parte do filme. Seria, talvez, menos comercial. Eu tinha visto um filme recentemente que me influenciou muito para a escrita dessa sequência, "O Segredo de Um Cuscuz", todo o realismo dos personagens, era um pouco isso que procurava. Idealizei algo mais "indie", nessa 1ª versão, mas depois foi mais adaptado a uma estrutura mais classicista, mais ao agrado do público, que compreendo e aceito e apoio. Apesar de não existir filme mais indie que este, tal conceito não se reflecte muito na linguagem cinematográfica do filme, ao contrário do que idealizei inicialmente.
João Nunes
Agrada-me essa ideia. Indie na forma de produção, mas preocupado em encontrar uma audiência.
Luís Campos
Continuando – na rodagem fui 1º assistente de realização e se há conselho que posso dar é: nunca sejam 1º assistente de realização de um filme com guião vosso.
(risos)
Porque há muitos pontos de discórdia e terão de motivar uma equipa durante 1 semana ou 1 mês para aspectos do filme que até podem não concordar. Ou seja, se há cargo que pode não ter corrido muito bem na rodagem do filme foi o de 1º assistente de realização.
João Nunes
Houve muitas alterações ao guião durante a rodagem? Cenas novas, alterações de diálogos, improvisações?
Luís Campos
Houve algumas. Uma das personagens teve de ser re-criada em termos de diálogos e o clima/ambiente do filme intimista forçou a que em algumas cenas se desse azo à liberdade improvisacional dos actores. Alguns comentários/falas no filme conseguem ser hiper-realistas porque saíram no momento. Há uma sequência do filme perto do final, na capela em que cada um dos personagens vai "privar" com o morto e alguns dos textos dos personagens foram corrigidos em função do que havia sido gravado até então. Outro há que deveria ter sido e não o foi e isso reflecte-se no filme mas não é grave. Foi uma personagem que foi escrita em função de outro tipo de personalidade e, ao longo da rodagem, foi sendo alterado.
João Nunes
Deve ser complicado estar nessa dupla função de 1º assistente e guionista.
Luís Campos
Muito mesmo, não volto a fazê-lo, porque apesar de eu e o Telmo termos tido muita coisa em acordo há sempre algumas discórdias e, enquanto 1º assistente, tens de saber levar a opinião dele avante e motivares uma equipa em função disso.
João Nunes
Mesmo que não acredites a 100%.
Luís Campos
Yep. Tens que saber fazer os outros acreditar e acredita que não é fácil.
João Nunes
Acredito, sim.
Luís Campos
Muito menos quando as pessoas estão de borla e alguns sacrifícios estão constantemente a ser postos em causa.
João Nunes
Falando nisso: como foi o teu acordo para este filme? Não em termos de valores mas de modelo de remuneração.
Luís Campos
Foi à base de royalties também; há uma percentagem envolvida. Havia um acordo em que caso se ganhasse o FICA o meu honorário seria pago a priori. Mas como não foi esse o caso estou, como todos os outros, dependentes das receitas.
Luís Campos
Continuando nos improvisos…
João Nunes
Sim…
Luís Campos
…antes da rodagem houve obviamente todo um trabalho de planificação/decoupage elaborado pelo Telmo, em função do qual eu organizei e estruturei a rodagem. Mas quando não tens meios e tens uma cena pensada para 40 planos acabas sempre por te render ao tempo que tens e improvisar diariamente para que consigas ter a cena. Deixa de haver espaço para caprichos criativos, o importante é garantires a cena, perderes o mínimo possível do que imaginaste. Neste filme acabou por não se perder muito do que se idealizou. Houve uma parte dessa cena da capela que se perdeu, a transição para o funeral, e na sequência final, do funeral, também houve algo que se perdeu mas, em função disso, acabou por se ganhar algo mágico. A sequência do final envolve muitas coreografias, figurantes, jogo de actores, efeitos especiais – chuva, vento, fumo, etc. – e um plano de grua. A cena estava pensada para cerca de 20 planos acabou por se fazer quase toda em 1 plano-sequência. Tivemos 2 dias para filmar o funeral, enquanto houvesse luz do sol, e no 1º dia acabámos por não filmar quase nada e o pouco que filmámos nem se aproveitou. O 2º dia foi de esgotamentos, como é óbvio, e decidimos partir para o plano decisivo em 1 take perto do final do dia. É um plano sequência de cerca de 7 minutos em que ou corria bem ou não havia filme.
João Nunes
O tudo ou nada.
Luís Campos
Felizmente, conseguiu-se coordenar tudo bem, seguir a intuição em alguns pormenores e resultou muito muito bem, era impossível correr melhor. Eram as roupas dos actores que se molhavam e não havia roupas suplentes, era a câmara que bastava ter um pingo de água na lente e anulava o plano, era o movimento de grua que tinha um ligeiro choque e perdia-se tudo, etc. Foram 7 minutos de tensão, de grande coordenação e, acima de tudo, de superior profissionalismo de todos os envolvidos. Foi qualquer coisa de mágico e acaba por tornar o final do filme igualmente mágico, é o último plano do filme.
João Nunes
Um bom plano sequência é sempre um tour de force.
Luís Campos
Outras coisas houve. Por exemplo, no início do filme há 2 personagens, gays, que trabalham num clube de vídeo. Inicialmente eram para trabalhar na secção de cd's de um armazém, e o diálogo continha uma crítica social à pirataria e ao "desuso" dos cd's. Na véspera o estabelecimento comercial onde iríamos filmar e tivemos de imporvisar de imediato. Felizmente rodámos na Covilhã, cidade que todos conhecíamos por viver lá alguns anos, e acabas por te movimentar melhor num meio que conheces. Conseguimos abordar o dono de um clube de vídeo – que à maior parte de nós muito ajudou a contribuir para o aumento da cultura cinematográfica) – e convencê-lo a filmar lá. Foi estranho, nostálgico, filmarmos uma cena do nosso filme numa sala onde tantas vezes nos confrontámos com aquela magia de escolher um filme. Todo esse texto teve de ser alterado, em função de um imprevisto da rodagem.
João Nunes
Tiveste isso em atenção na escrita? Pensar em sítios que conhecias e sabias poder vir a utilizar?
Luís Campos
Alguns, sim: a sequência toda no jardim, "vivi-a" muito. Vivi muito da minha experiência universitária nesse jardim. Uma sequência num jantar que aparece num flashback, aquilo aconteceu-me mesmo. O pormenor da unha do empregado, eu "vivi" aquilo. Conhecer alguns dos espaços, inevitavelmente esse conhecimento "físico" influencia-te o modo como escreves.
João Nunes
Como é que descreverias este filme? O género, o tom?
Luís Campos
Comédia dramática.
João Nunes
A famosa dramedy…
Luís Campos
Sim, muito por aí.
João Nunes
É um território difícil. Assustou-te?
Luís Campos
Nem por isso, porque quando escreves num território que admiras há sempre uma motivação extra. Eu sou muito movido pela crença. Foi o que senti no guião do Jorge, não mexia comigo, não consegui acreditar nele, enquanto espectador e, obviamente, enquanto gosto pessoal. Por isso decidi criar algo de raiz, em que eu acreditasse, e algo que mexesse comigo, enquanto espectador. Estou satisfeito, porque nesse registo de dramedy acho que consegui atingir a profundeza que o registo exige. Em determinados aspectos, o drama dos personagens está lá, seja numa frase como "afinal, sou só mais uma", "sabes lá o que é responsabilidade", etc., que, ao espectador, pode soar banal, muito por culpa de ser em português mas, se analisarmos com atenção, tendo em vista o campo em que o filme opera, são frases profundas, transmissoras de dor, de angústia, de incapacidade. E uma vez que se abordam personagens de 30 anos, que há 10 anos sonhavam ser o centro do universo e viviam de uma forma livre, descomprometida, e hoje, 10 anos depois, são um reflexo da sociedade e dos costumes a que a sociedade obriga. Mas não quero entrar muito em descrições "filosóficas" – isso deixo para o espectador.
João Nunes
E o lado comédia, funciona? Tem de haver equilíbrio.
Luís Campos
Eu sinto que sim e na ante-estreia do São Jorge tive o prazer indescritível de confirmar que sim: ter 800 e tal pessoas a aplaudir e rir à gargalhada em inúmeras partes do filme é algo mais valioso do que ler qualquer crítica positiva ou negativa sobre o filme. Senti ali, in loco, a magia do cinema que ajudei a criar e isso é único. Foi muito bom, no São Jorge, vai ficar na memória de todos nós.
João Nunes
Por falar em ante-estreia, como surgiu a ideia de fazer uma para a selecção?
Luís Campos
Uma das empresas que apoiou o filme é a IMB hotéis que apoiou com a cedência de quartos para os actores, na altura da rodagem e do espaço para filmar no hotel em Unhais da Serra – o H2otel – onde filmámos grande parte do filme. Como a selecção acabou por ir fazer o estágio à Covilhã e usufruir desses espaços foi fácil arranjar um acordo entre a Lobby, IMB e Federação.
João Nunes
Acho isso fantástico.
Luís Campos
Possibilitaram isso e, de certa forma, apoiaram a divulgação. Há um certo carinho em torno do filme por ter sido feito como foi; é o melhor marketing que podemos ter, este pontapé na crise que "uns putos do interior" decidiram dar. Há uns meses atrás ninguém imaginaria ser possível fazer um filme chegar às salas de cinemas sem meios num país como é Portugal e onde a tradição de produção cinematográfica tem os problemas que todos conhecemos
João Nunes
Eu costumo dizer que estamos todos à procura da 3ª via, entre o cinema de autor e o "americano". Achas que pode ser esta?
Luís Campos
Sem dúvida que acredito que será esta. Eu apelido-o de cinema de meio termo, é o que o cinema português precisa. É o que tínhamos nos anos 50/60 e que se perdeu com a mudança de regime, infelizmente. A liberdade criativa tornou-se algo egocêntrica, do ponto de vista artístico. O cinema português é pretensioso, quer mérito, reconhecimento ou notas. Infelizmente, não se procuram sorrisos, lágrimas e todo o tipo de sensações que o cinema tão singularmente tem o poder de transmitir.Eu costumo dizer que sou fã do "Pathos", gosto que os filmes mexam comigo e não me imagino a criar algo que não mexa com o espectador. Claro que é muito complexo, do ponto de vista criativo, e o risco que referes no dramedy passa muito por aí. Cada um interpreta como interpreta. Eu fiz uma curta-metragem anterior ao "Um Funeral à Chuva", intitulada "Azeitona". O filme inseria-se na homenagem ao Manoel de Oliveira, ao centenário do Manoel de Oliveira, e nós decidimos fazer um filme influenciado por títulos recentes como "Juno", "Little Miss Sunshine", entre outros.
João Nunes
Boas referências.
Luís Campos
Mas na avaliação académica, uma vez que era inserido no projecto final de Mestrado, houve opiniões distintas, no painel avaliativo. Houve comparações a Floribella e eu fiz questão, na defesa do projecto, de ilustrar as operações semióticas que tivemos, enquanto criativos e autores do filme. Os defensores do termo "floribella" acabaram por ter que concordar porque essa profundidade está lá se o espectador quiser ir mais além. O Kubrick tem o mérito reconhecido porque quem o analisa sabe ir mais além, perceber as conotações, explorar essa profundeza imagética, textual, ou estética. Obviamente que não me estou a comparar ao Kubrick mas sim a tentar enaltecer a riqueza do cinema, da ambiguidade cinematográfica e, ao mesmo tempo, reconhecer a complexidade "interpretativa" do cinema que é diferente aos olhos de cada um. Eu lembro-me, por exemplo, do caso "The Big Lebowski"; há poucos filmes na história que me saibam fazer rir tanto mas conheço muita gente que não consegue sequer esboçar simpatia pelo filme. O humor é dos territórios mais complexos no cinema.
João Nunes
Mais uma pergunta: já há planos para "Um casamento à chuva" ?
Luís Campos
(risos)
Sequela não existirá.
João Nunes
E outros projectos?
Luís Campos
Há muita vontade em continuar a fazer coisas, é o nosso objectivo comum. Eu tenho 3 projectos em desenvolvimento, no momento. Existe um que acredito ser o caminho a seguir pela Lobby em busca da "consolidação" desse meio-termo no cinema nacional. É uma aventura familiar fantástica que opera num episódio específico da história portuguesa. Mais não posso adiantar, para já. Apenas posso dizer que está na linha da frente para um possível avanço. Isto, claro, caso consigamos reunir os meios para o fazer. Esse filme seria impossível de conseguir fazer com os meios de "Um Funeral à Chuva". A única coisa que desejo é que este filme chegue ao máximo de pessoas possível, uma vez que o seu objectivo principal é comunicar com as pessoas, passar a mensagem pretendida. Com o sucesso dele, espero que comecemos a ter crédito junto de quem tem o poder decisório no financiamento do cinema nacional. Conseguimos o feito de fazer chegar um filme a 20 salas, sem dinheiro. Creio termos demonstrado que merecemos uma oportunidade de fazer algo com mais e melhores meios.
João Nunes
Queres dizer mais alguma coisa?
Luís Campos
Este projecto foi possível porque um grupo de jovens "operários" do cinema o conseguiram tornar possível, desde o surreal esforço da equipa de produção, encabeçada por Orlandina Veiros, João Feitor, Ana Almeida e Lília Varejão, ao brilhantismo da equipa de fotografia/imagem, que contou com 2 espanhóis – Iago e Lucía – profissionais vindo pro bono, de propósito para o filme, aos electricistas, que praticamente sem dormir durante 1 mês tiveram um esforço heróico a carregar/ montar/ desmontar/ transportar projectores. A coisa foi possível porque um grupo de heróis acreditou no projecto, fizeram dele uma realidade – no primeiro dia de rodagem estivemos a filmar 26 horas ininterruptas. Acima de tudo, o filme passa a mensagem implícita de que perante o esforço, dedicação e devoção do ser humano não há crise que prevaleça.
João Nunes
Boa mensagem para terminar. O País agradece e eu agradeço.
"Um funeral à chuva" pode ser visto nestes cinemas a partir de 3 de Junho:
- Alvaláxia
- Amoreiras
- Colombo
- Vasco Da Gama
- Dolce Vita Miraflores
- Almada Forum
- Oeiras Parque
- Dolce Vita Porto
- MarShopping
- NorteShopping
- Parque Nascente
- Dolce Vita Douro
- Aveiro Forum
- Dolce Vita Coimbra
- Viseu Forum
- Braga Parque
- Guarda Vivacine
- Covilhã SerraShopping
- Espaço Guimarães
- Maia Vivacine
Aqui fica também um pequeno vídeo comprovativo do apoio da Selecção Nacional. Esperemos que daqui a pouco, depois do jogo com os Camarões, este apoio ainda seja uma mais valia ;)
Atualização: o meu colega e amigo Jorge Vaz Nande, que a certa altura é mencionado nesta entrevista, publicou um pequeno artigo no seu blogue, esclarecendo a sua participação no projeto. Recomendo a leitura.
Muito, mas mesmo muito interessante… Nesta altura, não poderia ter pedido uma entrevista melhor.
E há uma referência que não é mencionada, mas que tem muito que ver com este filme: “os amigos de alex” (“the big chill”), de lawrence kasdan.
Também este filme poderia ter sido filmado quase sem dinheiro. O que importa mesmo são aquelas coisinhas de que se vai falando neste blogue: personagens, estória, capacidade de enriquecer o mundo com um ponto de vista, tensão dramática, originalidade, etc., etc., etc. O resto é vontade e “não há crise que prevaleça”.
Assim que vi li sobre o filme, já há muitas semanas, prometi que o iria ver. Não faltarei.
Excelente entrevista. Um obrigado pelo trabalho da equipa; quem sabe esta seja uma nova etapa para o cinema português (não podia estar mais de acordo quanto ao meio termo).
Obrigado por esta entrevista (devias fazer mais, especialmente sobre o processo de escrita).
Já tinha ouvido falar deste filme e ouvir um pouco de quem escreveu e esteve envolvido é sempre interessante. Identifico-me muito com o que ele diz sobre o ‘pathos’ (quando é bem estruturado, é poderoso) e o meio-termo no cinema português. Não tenham medo de fazer mais filmes assim. Histórias com grupinhos de pessoas que se juntam para fazer algo (tipo “Little Miss Sunshine”) são sempre intrigantes por causa de como as personagens vão interagir umas com as outras. Se as personagens me parecerem diferentes o suficiente umas das outras, mas não forem estereótipos, e tiverem atributos com que me identifico, então isso levanta-me as orelhas logo. Este filme deu-me essa impressão.
É uma lufada de ar fresco ver criar intriga e interesse nas pessoas sem mulheres nuas no trailer. Intrigar com a história e as personagens, é esse o caminho para este novo ramo no cinema português, na minha opinião.
Devido à história e às condições em que o filme foi feito deu-me logo vontade de ir ao cinema ver o filme para lhes dar um tipo de suporte indirecto (espero que não seja o único a pensar isto).
Espero que o filme seja bom o suficiente para depois a palavra se espalhar. Se for mau, continuo a aplaudir o esforço. De qualquer maneira espero pelos próximos filmes deste tipo (género de filme, não estou a chamar o rapaz de “tipo” :P ).
Para responder a possíveis mal-entendidos:
http://jvnande.com/sobre-a-minha-participacao-como-guionista-no-filme-um-funeral-a-chuva/
É bom ter o testemunho de alguém que conseguiu passar do papel para a tela o seu guião.
Acho extremamente criativa a forma que arranjaram para financiar, e para promover, o filme. Aqui está um bom exemplo de como se podem arranjar alternativas aos subsídios.
A dada altura o Luís Campos diz: “muito por culpa de ser em português”, este tipo de expressões demonstra que nem quem escreve em português gosta da língua. Fico triste. Por que raio tem o português de ser inferior a outra lingua qualquer?
Sem ver o filme, e apenas vendo o trailer e lendo a entrevista, parece-me que o argumento está muito, mas mesmo muito, parecido ao Amigos de Alex. Espero conseguir ver o filme para ver se se confirma esta ideia com que fiquei.
Obrigado pela entrevista.
Obrigado a todos pelas palavras de apoio!
JPCaetano – Qualquer pronunciação e manifestação de interesse em torno do filme é, para nós, uma enorme demonstração de apoio. Espero que gostes do filme, quando o vires. Mesmo que não gostes, não é por isso que deixaste de contribuir com o teu apoio ao filme. E, aos meus olhos, de uma forma directa – ao contrário do que dizes.
Berni e Fernando – “The Big Chill” (Os Amigos de Alex), de Lawrence Kasdan, é, sem dúvida, uma referência incontornável para este filme. As semelhanças na premissa e, talvez, algum tipo de tom envolto ao filme a isso, inevitavelmente, obrigam. É, para mim que adoro o filme, uma influência óbvia em tudo aquilo que eu escrever. Partimos do princípio que, ao escrevermos, iremos em busca de ambientes, situações, emoções e sensações que nos agradem, enquanto espectador. É-o como são centenas de outros filmes. Com os quais vibrei, sorri, chorei (em poucos, mas é verdade), admirei. Relativamente à comparação entre “The Big Chill” e “Um Funeral À Chuva”, creio que esse termo comparativo dissimular-se-á na visualização. Ambos têm uma premissa semelhante. Mas ambos são filmes completamente distintos, com personagens distintas, plots distintos e desenvolvimento distinto. Creio que irão concordar comigo, após a visualização, apesar da legitimidade óbvia de os associar pela premissa. Creio também que efectuar tal comparação é tão legítimo como compararmos qualquer filme que parta de um assalto a um banco, a um comboio, ou de uma comédia romântica. Como dizia o outro – nada é inventado, tudo transformado.
Fernando – Quando eu digo “Muito por culpa de ser português”, eu não estou a desvalorizar a nossa língua. Quem me conhece sabe o quanto defendo a língua portuguesa, a admiro e enalteço. Sou, até, demasiado “nacionalista” para ser sensato, em algumas situações…. Eu digo isso é no sentido em que por, na tela, serem empregues em língua portuguesa, o espectador português, por norma, não explorará a profundidade de determinado termo. É banal, aos seus ouvidos. E, por vezes, por isso, comparável ao mesmo tipo de texto encontrado no formato novelístico. A problemática de ser em português, perante o espectador português, é essa. Estamos algo “formatados” para – se for em inglês é cool, em português não é real, credível. O mesmo se passa com o caso dos “palavrões”. Um filme do Tarantino é brutal e dizem-se centenas de vezes “Motherfucker”. Um trailer português diz “Fodido” e vem logo ao de cima o populismo que nem sei se ao considerar “conservador” não será um elogio…
Obrigado a todos pelo apoio!
Espero que o filme vos “belisque” (usando uma expressão do Telmo Martins). E que aqui deixem os comentários acerca do mesmo!;)
discordo bastante com a análise que é feita sobre o cinema em geral neste artigo. a língua portuguesa funciona tão bem como qualquer outra e prova disso são os grandes filmes que existem e a trabalham. só que é preciso trabalhá-la bem e isso já pode ser mais complicado.
acho importante que quem tem ideias e projectos os leve a bom porto, só tenho pena de terem optado por fazerem um filme para o público (e são vocês que o afirmam) e esse é o grande mal da arte actual, algo que a mim não me interessa e por isso não verei o filme.
admiro a estética cinematográfica, não a publicitária tipo Amélie.
o cinema português passa por um mau estado mas não é este tipo de filmes que o fará estar melhor.
para terminar duas coisas: primeiro, quando dizes que queres recuperar essa idade de ouro do cinema português (que situas nas décadas 50/60) falas da pior, mais fraca e onde o espectador foi mais tido por parvo. a época mais alta do cinema português começa justamente no final da ditadura. segundo, um apontamento em relação a tarantino, um cineasta (custa-me chamá-lo assim) que nada acrescentou ao cinema, um medíocre a fazer monte, que copia (mal) bons cineastas.
espero não ter sido muito cáustico, só sincero.
Caro Lucio Amaral, tem todo o direito ater a sua opinião sincera, e até a ser cáustico, desde que se mantenha dentro dos limites do respeito pelos outros- o que você faz. Este blogue também serve para que haja debate sobre este tipo de temas e ideias e portanto a sua contribuição será sempre bem vinda.
É óbvio que não concordo com grande parte das suas opiniões. Por exemplo, não sei o que é uma “estética cinematográfica“. Só para falar em quatro grandes filmes recentes – espero que concorde comigo na selecção – Um Profeta, Greenberg, Shutter Island e Líbano, que “estética cinematográfica” têm eles em comum?
Em segundo lugar, embora também não entre em entusiasmos excessivos sobre a “época de ouro” do cinema português – acho que se resumiu a três ou quatro filmes, O Páteo das Cantigas, O Pai Tirano, A Canção de Lisboa e pouco mais – discordo profundamente que a época mais alta do da nossa cinematografia tenha começado depois do fim da ditadura. Os filmes dessa época são os únicos responsáveis para que cinema nacional tenha uma audiência média anual de 3%, comparada com os 15, 20 ou mesmo 30% da maioria dos países europeus. É manifestamente pouco, e sinal de que alguma coisa está horrivelmente mal no nosso cinema. E é a melhor maneira de garantir que, a longo prazo, seremos colonizados cinematograficamente por Hollywood.
Finalmente, acho que dizer que Tarantino é medíocre, que nem cineasta é e se limita a copiar mal, borda o sacrilégio. Tarantino é um magnífico argumentista, um dos poucos que consegue fazer cinema popular quebrando ao mesmo tempo quase todas as regras que regem esse tipo de cinema. E é um grande esteta cinematográfico, sem nunca cair na tentação da estética publicitária que o Lucio critica. Sinceramente, tenho dificuldade em perceber alguém que gosta de cinema e não reconhece valor em Tarantino. Para mim, é o mesmo que afirmar gostar de cinema e não apreciar Scorcese.
Caro lucio, ao ler o seu comentário, e comentários desse género que leio noutros sítios, desperta-me sempre uma curiosidade sincera pelo pensamento que está por detrás.
Não se preocupe que isto não é perseguição nenhuma, é somente um pedido honesto de expansão sobre o que disse.
O senhor disse:
“só tenho pena de terem optado por fazerem um filme para o público (…) e esse é o grande mal da arte actual”.
Porque é que é “o grande mal da arte actual”? Pensa ser uma distração, isto de estar a olhar para o feedback do público?
Suponho que tenha em mente filmes como o “Second Life” e “O Crime do Padre Amaro” e “Corrupção”, no diz respeito ao cinema nacional, mas… vê isso neste filme? Se sim, onde? Eu gostava que o senhor literalmente apontasse, para me dar uma ideia.
Diz também que o cinema português passa por um mau bocado. Acho que muita gente concorda. Eu quase que vejo este periodo como um periodo de “trial and error”, de “soul-searching” no que toca ao nosso cinema.
Mas de quaquer modo, com que género de filmes é que acha que o nosso cinema poderia sair do nevoeiro, por assim dizer?… porque o senhor não especifica.
Que características numa obra cinematográfica é que aprecia e tem a convicção que se se manifestasse noutros filmes, seria melhor?
Vou assumir que o senhor irá sugerir um ou dois filmes (ou características) que têm fama (quer se goste ou não disto, é um facto) de alienar a grande maioria das pessoas.
Porque é que acha que aliena as pessoas?
Como é que um cinema brilha sem público? Como é que cresce sem público?
Não tenho dúvida que percebe esta estratégia de querer chegar ao público, não tenho dúvida de que percebe o raciocíno. Então que direcção se não esta que é apelidada de “meio-termo” na entrevista?
E pergunto-lhe por que é que vejo já algumas pessoas (jovens) a nurtirem um carinho por este filme, uma conexão sincera com o que viram no ecrã, que está a ir para além da ligação que eu costumo ver na minha geração com cinema nacional.
Que estratégia, usando o tipo de filmes que aprecia, seria eficaz em fazer crescer o público do cinema português, especialmente para a minha geração (do 20)?
Pergunto-lhe isto porque “Um Funeral à Chuva” parece-me estar a mostrar um caminho que claramente consegue funcionar com as pessoas.
Caro Lúcio Amaral,
Embora não seja da minha competência moderar o painel de comentários, concordo (primeiro enquanto cidadão livre e segundo enquanto “protagonista” deste artigo) completamente com o seu direito à opinião pessoal e à causticidade. Fico, aliás, bastante feliz por expressá-la de forma tão sincera. Só lamento que, por se ter afirmado que o filme pretende comunicar, transmitir a informação pretendida com um público que se quer numeroso, o tenha demovido a priori de ter interesse em assistir o filme. Lanço-lhe o desafio de ir ver o filme e, após o fazer, vir aqui deixar a sua opinião. Cáustica, sincera e, obviamente (assim o espero), devidamente respeitadora e respeitável. Na minha maneira de ver as coisas é errado dizer ‘não gosto’ antes de se conhecer algo. Obviamente que é de seu direito dizer ‘não quero’. E, por isso, lhe lanço o desafio. Estou preparado e interessado em qualquer crítica, excepto naquela que é feita sem conhecimento de causa.
99% do cinema que é feito há mais de 100 anos é feito em função de um público. Seja ele qual for. Mas a comunicação pretende sempre ter um receptor. Descartar o valor intrínseco do cinema porque tal aconteça é, na minha maneira de ver as coisas, redutor.
Não pretendo, de todo, entrar em discussões de gostos e opiniões pessoais. Felizmente que todos somos diferentes e existem coisas para todos os gostos. Que piada teria a vida se tal não acontecesse? Que piada teria o cinema se assim não fosse?
Pretendo, contudo, deixar aqui a descrição de um episódio que pode ajudar a caracterizar e justificar a minha ambição de criação artística de ‘apetência popular’:
Certo dia, estando eu a ver um jogo de futebol num café – repleto de espectadores com gostos, ambições, faixas etárias, culturas, conhecimentos e orientações completamente distintas – observei algo que me incutiu (se é que o posso dizer desta forma) uma espécie de ‘missão’ enquanto pretenso cineasta e autor. A determinada altura, deu-se o intervalo do jogo e o dono do café, como bom anfitrião, decidiu pegar no telecomando e fazer um zapping generalista. Parou na RTP Memória, nas imagens da célebre e épica sequência da festa ‘popular’, do filme “Aldeia da Roupa Branca”, realizado por Chianca de Garcia em 1938. E tal não foi o meu espanto (e conforto, ao mesmo tempo, porque embora eu fosse estudante de cinema, demais presentes não o eram, nem particularmente entusiastas por cinema em geral), ao observar que, de forma automática, todos reagiram às imagens que observavam. Ouviu-se um: “Ponha lá mais alto nisso”. E levantou-se o volume. A música, o caos na sequência de imagens, o nosso Portugal de antigamente ali, imortalizado, foram suficientemente ricos para colocar toda aquela insuspeita e caricata plateia em euforia. Eram sorrisos, gargalhadas. Era atenção e interesse. Tais que todos esquecemos que o intervalo do jogo durava 10 minutos. E, quando finalmente voltámos ao jogo, já haviam decorrido uns 15 minutos da segunda parte. Sentiu-se, ali, a magia do cinema. O seu poder de comunicação. O seu charme. A sua capacidade de sedução. O orgulho de uma época desaparecida. De um tipo de cinema ‘nostálgico’.
Todos sabemos que a palavra “saudade” só existe no dicionário português e que a mesma não tem tradução literal nas outras línguas. Todos sabemos a quantidade de vezes que essa definição de um estado de espírito específico tem sido recuperada e ilustrada ao longo da nossa cultura. Seja enquanto temática cinematográfica, musical, literária, na pintura e/ou escultura. É talvez aquilo que se possa definir como a maior característica do povo e da cultura portuguesa, pela sua singularidade.
E é triste, na minha óptica, que esse saudosismo enquanto apelo popular, e no que à história do cinema português diz respeito, só se observe (a um nível popular, numeroso) quando em confronto com essas imortais obras da “época de ouro” da comédia portuguesa.
Se ter/atingir esse apelo é tomar o espectador português por parvo, pois então que o sejamos todos. Que, de uma forma estupidamente parva, sorríamos com o nosso cinema. Nos emocionemos com as nossas histórias. Que sintamos os nossos filmes. E, acima de tudo, que nos revejamos no grande ecrã.
Porque, nessa minha óptica, ‘tomar o espectador por parvo’ observa-se quando se o confronta com algum produto ou canal de comunicação previamente pensado para não obter qualquer tipo de recepção. Desprezando-o em função de um possível egoísmo criativo e colocando-o, dessa forma, num patamar distinto de um suposto intelecto superior. E não sei até que ponto esse tipo de menosprezo não ‘toma o espectador por parvo’, pela sua suposta inferioridade ou incapacidade intelectual.
Uma coisa lhe garanto, caro Lúcio Amaral, enquanto pretenso cineasta e autor: Eu nunca tomarei qualquer tipo de espectador por parvo. Posso ser eu o parvo, por ambicionar/perseguir um tipo de cinema de apelo popular. E posso não ter eu um intelecto superiormente desenvolvido que me permita trabalhar/operar o cinema com o recurso a todas as suas potencialidades artísticas. Mas, com o imenso respeito e carinho que todo o público me merece, hei-de sempre dar o meu melhor contributo para que as minhas possíveis obras obtenham esse tipo de saudosismo, conforto, orgulho popular e que, acima de tudo, consigam obter todo e qualquer tipo de sensações/emoções (nem que seja por alguns minutos) durante o intervalo de um possível futuro jogo de futebol qualquer.
Fico à espera do seu comentário ao filme, caso aceite o meu desafio.;)
Ainda que não o faça, agradeço-lhe desde já pela participação e incitação à discussão em torno do panorama actual do cinema português. Tenho pena que a iniciativa que envolve a produção e exibição de “Um Funeral à Chuva” não se transporte aos sistemas de informação tradicionais em Portugal, em abono dessa discussão. A promoção a larga escala de uma análise, reflexão e debate acerca do estado actual do cinema português (e do que poderá significar a estreia de um filme completamente independente nas salas nacionais) certamente só beneficiaria o desenvolvimento do mesmo. E, como disse, tenho pena que tal não se observe nesses sistemas de informação tradicional ditos de serviço público.
Uma pequena adenda, com um episódio que ilustra o reverso desta história que o Luis Campos conta.
Há uns anos atrás fui a uma sala de um shopping ver um filme do Manoel de Oliveira. Quando pedi os bilhetes a menina do guichet perguntou-me, com ar muito solícito, “sabe que o filme é português, não sabe? É só para avisar“.
Confesso que senti vergonha e foi nessa altura que percebi claramente que a situação do cinema português não pode continuar inalterada. É impossível manter eternamente uma cinematografia que assume com orgulho a clivagem com o público.
É claro que depois vi o filme – Um Filme Falado, de 2003 – e entendi perfeitamente a razão do aviso da menina da bilheteira. É que não lhe devem ter faltado as reclamações.
Não consigo resistir a deixar aqui uma nota (só uma, porque não tenho tempo para mais):
Para compreender e criticar Tarantino, ainda que se tenham visto os seus filmes, há que ler a biografia dele, perceber o contexto dele e (eu pelo menos acho indispensável) ler sobre o que é que e quem foi influência para ele.
Ora, uma das suas grandes influências foi o grande Howard Hawks. Sendo eu uma fã de Hawks e de Tarantino, não posso deixar de notar semelhanças entre as críticas que eram feitas ao Hawks no seu tempo e aquelas que leio hoje em dia relativamente ao Tarantino. Afinal, a História é mesmo cíclica!
Hawks fazia o que pode ser chamado de “entretenimento popular” e conseguia (se quiserem, “apesar disso”) ter como público as “elites intelectuais” com os seus filmes. Para mim, era indubitavelmente um génio, e não me surpreendeu descobrir, quando me comecei a interessar por Tarantino, que Hawks era um dos “heróis” dele.
Que o Tarantino assuma que usa cenas, por exemplo, do Godard para se inspirar parece-me ser a mais bonita forma de homenagem cinematográfica que ele lhe podia fazer.
… …e fica tanto por dizer!
Luís, como já te disse antes, falarei d’Um Funeral à Chuva depois de o ver. E gostei desta pequena entrevista.
My best regards,
JN
Devido à recepção que o meu comentário teve senti que devia continuar esta discussão e tentar responder aos vários intervenientes.
Caro João Nunes, em primeiro lugar quero dar-lhe uma palavra de apreço por fomentar a discussão em torno do cinema que tanta falta faz.
Quando falei em estética cinematográfica foi com o intuito de distinguir aqueles filmes em que tudo o que está neles é pensado e dirigido, por oposição a outros em que o que vemos foi posto por que fica bem, daí ter também falado em estética publicitária. Nada melhor do que as palavras de Godard para ilustrar esse problema, terá ele dito que as boas imagens devem dar lugar às imagens justas.
E o que quer isto dizer? Basta pensar no que tantas vezes se ouve dizer de um filme quando não há muito a dizer sobre ele:”tinha boa fotografia”. Pois isso não basta para ser um bom filme, por tal dei o exemplo de Amélie, um filme sobre o qual ouvi imensa gente dizer essa frase sem nunca se terem dado ao trabalho de tentar perceber para que serve, por exemplo, a cor nesse filme. É que se fizermos uma análise somente a esse elemento facilmente verificamos que não existe correlação nenhuma entre planos, a cor está só e apenas para ambientar e cativar o olhar de um modo fácil, em suma utiliza o mesmo método que qualquer agência publicitária. Um exemplo para contrapor, que de certeza gosta, é o Goodfellas, onde a cor e o seu uso é pensado de modo a garantir unidade expressiva e dramática, por exemplo o vermelho.
Quanto aos filmes que refere apenas vi Um Profeta. Poderia dizer-me o que têm esses filmes que ainda não tivesse sido feito anteriormente? E porque os refere como grandes filmes, mas não me diga que é pelo argumento, porque o argumento é apenas um elemento como qualquer outro num filme. Dou-lhe um exemplo, Hitchcock terá bons argumentos mas formalmente os seus filmes são tão bons ou melhores que os próprios argumentos.
Em relação ao ponto mais alto do cinema português reafirmo a minha opinião, é na fase final da ditadura e daí por diante que encontramos os filme mais originais portugueses, a princípio influenciados pela Nouvelle Vague, mas que deram origem a um verdadeiro novo cinema português. Surgiram desde então cineastas com filmes ou mesmo obras completas excelentes como Paulo Rocha, Fernando Lopes, Oliveira, César Monteiro, Teresa Vilaverde, Edgar Pêra ou Pedro Costa.
É verdade que pouca gente vai ao cinema ver os filmes destes autores mas quanta gente leu Fernando Pessoa enquanto estava vivo?
O Pedro Costa é visto pelo mundo inteiro, do Japão aos Estados Unidos, existem mais espectadores a vê-lo do que a verem qualquer produção nacional que atinja cá dentro cem mil ou duzentos mil espectadores.
Quando fala da possibilidade de sermos colonizados por Hollywood na verdade já fomos, porque segundo o paradigma actual, introduzido por sucessivos governos e agora materializado no FICA, eles já nem precisam de exportar filmes para cá pois a nossa produção assemelha-se à criação desse tipo de filmes; como está tão bem descrito na Comédia de Deus: “Até que os americanos, com os seus sorvetes à base de nata (…) inventaram o ice cream, actualmente popularizado por toda a parte. É imenso o império do ice cream. Os americanos abriram fábricas um pouco por toda a parte.”
Caro JPCaetano, o pensamento que está por detrás do comentário é simples, é o meu. Pergunta porque digo que olhar o público é mau, pois bem é que se fizessem filmes olhando apenas o público ainda estaríamos a filmar operários a sair da fábrica dos Lumière já que esse filme teve bastante aceitação na altura.
Penso que não são apenas certos filmes que alienam as pessoas mas muitas vezes são as próprias pessoas que por se habituarem sempre às mesmas coisas acabam por afastar tudo o que é diferente. Não partilho a ideia de que alguém vai ao cinema para se distrair, isso é o mesmo que dizer que se lê para passar o tempo, é uma ofensa não só para o autor mas para todos os intervenientes na criação do filme.
Quando fala de “meio-termo” para chegar a algum lado faz-me lembrar a terceira via do Tony Blair. Ora eu não acredito que se tenha de medir a aceitação do público, primeiro faz-se o filme e logo este irá ter com quem se predispõe a recebê-lo. Correndo o risco de me tornar repetitivo cito novamente Godard:”Os meus filmes são vistos por doze pessoas por cidade, são doze pessoas com quem posso falar, os filmes do Spielberg são vistos por doze milhões por cidade, só um ditador consegue falar com tanta gente.”
Acho mais interessante vermos filmes diferentes e com isso criarmos discussões, do que fazerem-se filmes para todos, o que aliás penso ser impossível.
Caro Luis Campos, penso que o meu comentário não foi bem entendido e lamento por isso, contudo acertou quando disse que foi a propaganda que me demoveu a ver o filme, mas o que ressalvo do que eu disse em relação ao seu filme é que não compreendo porque sendo vocês jovens estão tão preocupados com a recepção que o filme terá e porque é que isso influenciou o processo criativo do filme, acho que se deve arriscar principalmente nessa idade.
Não concordo que o cinema tenha sido feito sempre em função do público, assim como não concordo que cinema seja comunicação, para mim é, como qualquer outra forma artística, expressão; e uma pessoa expressa-se só com quem quer, não se vê obrigada a comunicar com pessoas que não lhe dizem nada.
Estou plenamente de acordo consigo quando diz que devem existir diferentes tipos de cinema para diferentes pessoas, é isso que faz com que possamos descobrir sempre novos caminhos e novas experiências, não sou de maneira nenhuma por um só tipo de cinema.
Gostei bastante da sua descrição do episódio no café e claro que reconheço que existe esse sentimento nostálgico por um passado fixado nesse fantasma da memória que é o filme, mas Luís o cinema novo português está cheio de raízes populares. Mas diga-me, já que é estudante de cinema, que originalidade têm esses filmes da época de ouro quando comparados com as cinematografias que foram feitas até à altura?
O meu problema não é a emoção, o cinema trabalha a emoção. Quando disse que muitas vezes se toma o espectador por parvo (e não me referia ao seu filme já que não o vi) queria dizer isso de filmes que olham o espectador como um entretém, como no caso que referi de Amélie, em que se põe cor e mais cor e vai-se a ver e não existe relação nem sentido por detrás dessas escolhas. É adornar o filme, enchê-lo de luz e ofuscar o espectador e o seu cérebro.
Espero ter esclarecido, senão todas, a maior parte das dúvidas que acabei por levantar com o comentário que fiz anteriormente.
Desejo uma continuação de um bom trabalho a todos.
Há uma razão simples para isso: é que, produzindo sem os subsídios do Estado, se o filme não tiver recepção os produtores, autores, cineastas, técnicos e atores não pagam as renda de casa e as contas do talho. Parece-me uma motivação compreensível.
Já deixei aqui e noutros sítios diversas vezes a minha opinião de fã incondicional de cinema como espectadora e como aspirante a autora em relação ao panorama do cinema nacional. Eu considero que a bipolaridade do cinema de autor e cinema para o público não é saudável para ninguém. Haver uma grande panóplia entre as duas visões extremas é aquilo que acontece em todo o lado, em todos os países e culturas: há o cinema puramente de autor, há o cinema puramente comercial e depois existe uma quantidade imensa de filmes (eu diria que a maior parte do que assistimos hoje) que está algures nesse espectro. E é aqui que eu sinto que estamos a falhar redondamente. Esta partição de visões opostas não é sequer natural na arte. A arte tem influências, tem certamente contextos e tem correntes. Mas tenta sempre estabelecer uma ponte entre o autor e alguém mais no mundo. Obras viradas para o autor exclusivamente ou em que o autor se silencia para dar só aquilo que o público quer são unidireccionais. Em minha humile opinião, não cuprem o verdadeiro objectivo da arte: conectar pessoas. Conectar o autor e o espectador, conectar espectadores entre si que discutem a obra, fazer evolui o autor e mesmo todo o movimento e toda a corrente, enfim, aproximar através da emoção um grupo de pessoas tão distantes, em tempo e em espaço.
Creio que em Portugal se cometem com frequência muitos excessos para ambos os lados e muito raramente se tenta fazer do cinema uma ponte de emoções, uma partilha de uma história que deixe uma marca em quem a vê, que passe a fazer parte da vida das pessoas, sempre com a assinatura inequívoca dos seus autores (autores, plural, nesta que é uma arte colaborativa). Acho que é este espectro imenso de meios termos que está a faltar e espero que este filme (que tenciono ver esta semana) dê mais um passo para preencher esta lacuna.
Caro Lúcio Amaral,
Relativamente à problemática do risco que aponta, tendo em conta a nossa juventude, não existe melhor resposta (ainda que não a principal – porque é que estar preocupado em atingir um público numeroso obriga a que o filme perca as suas virtudes criativas??) que a dada pelo João Nunes. Nesta produção não tivemos qualquer tipo de apoios financeiros, houve um pequeno investimento da produtora em causa e, obviamente, a mesma tem a preocupação de recuperar esse investimento – logo, interessa-lhe que tenha público também numa pequena óptica financeira (ainda que não seja essa a sua principal ambição). Qual a problemática que existe em torno da tentativa de criar uma obra que consiga comunicar e trabalhar as emoções de um número relativamente amplo de espectadores? É que não consigo entender o ‘banalismo’ implícito à mesma… Critico a produção que é feita só em perspectiva de um retorno financeiro. Critico o “product placement” (quase de índole publicitária, como aponta) para atrair espectadores, independentemente do seu conteúdo na narrativa/emoção/ideia/mensagem que se pretende transmitir. Mas, sinceramente, não compreendo o porquê de, ao querer criar algo para um público que se quer vasto, ter que estar directamente associado ao ‘banalismo’ e ao vazio criativo.
Percebo (ou tento contextualizar) a virtude que aponta nesse “arrojo” criativo. Mas, de certa forma, condeno o seu extremismo implícito quando o associamos ao financiamento estatal para a produção cinematográfica nacional. Condenação essa que me remete directamente para outra observação que faz: “Não concordo que o cinema tenha sido feito sempre em função do público, assim como não concordo que cinema seja comunicação, para mim é, como qualquer outra forma artística, expressão; e uma pessoa expressa-se só com quem quer, não se vê obrigada a comunicar com pessoas que não lhe dizem nada.”. A problemática que aponto em classificar a arte cinematográfica numa forma redutora como é a da expressão e, acima de tudo, o acto de se expressar só com quem quer (esta afirmação tem o seu quê de semelhanças com a famosa “job for the boys”) é algo que condeno na produção cinematográfica portuguesa recente. Por se sustentar esse tipo de conceito artístico é que o público português (de uma forma numerosa, sustentável) está de costas voltadas para o seu cinema. Por se financiar maioritariamente este tipo de cinema é que o público português assume o preconceito envolto ao seu cinema. Será que a maioria do público português não se revê enquanto receptor dessa expressão? Parece-me unânime que não, a maioria do público português não se enquadra nesse protótipo de receptor.
Não quero com isto condenar a produção cinematográfica enquanto expressão direccionada (o autor deve sempre fazê-lo em função de um seu público, seja ele constituído por quem for), mas relativizar a sua preponderância. O cinema é mais do que a ‘nouvelle vague’. O cinema é mais do que o film d’auteur. Negá-lo é, para mim, uma forma triste de menosprezar o cinema (e as suas potencialidades).
Concordo consigo quando diz que o cinema novo português está cheio de apelos e questões populares. Mas quanta da nossa população é que fica nostálgica/saudosista perante um filme dessa época? Quantos conhecem (numa relação proporcional à população portuguesa), sequer, 5 títulos de obras produzidas então? Os clássicos da época de ouro não inovaram nada? Mas, mesmo que não tenham dado nada de novo à linguagem ou estética cinematográfica, só por isso perdem valor? Só o que inova é que é bom e tem valor? Entristece-me esse radicalismo, em nome do cinema. Não desprezo, contudo (como é óbvio), o valor da originalidade. Mas, para se ser original, têm que se quebrar todas as convenções e clichés do género??
O panorama actual do cinema português necessita mesmo de análise/reflexão/discussão. Volto a afirmá-lo, é com muita pena que não a vejo sustentada/promovida nos sistemas de informação tradicionais..
Obrigado uma vez mais, João Nunes, pela pertinência. Pelo sustento de um equilíbrio racional que permita desenvolver a produção cinematográfica portuguesa.
Só mais uma observação: não obstante o preconceito que assistiu perante “Um Filme Falado”, de Manoel de Oliveira, nesse episódio que descreveu, o filme foi considerado pela New York Times (creio) como um dos melhores filmes da década. Independentemente do seu valor, que o tem, porque é que não se consegue expressar com o público português (em geral)? Porque é que, em oposto, tudo o que pretenda chegar a um público mais vasto, menos homogéneo, tem de ser condenado à partida? E porque é que, perante esse radicalismo pró-auteur, tudo o que pretenda insurgir-se em abono de um público numeroso tem de morrer pela raiz?? Porque é que o populismo, enquanto forma de expressão artística, não tem direito a ombrear com outras intenções artísticas de características mais específicas?
Antes de mais, sou um jovem militante do cinema português, e, sempre que posso, “arrasto” os meus amigos até às salas de cinema para verem o que se faz por cá, ou então organizo umas sessões caseiras com os vários DVD’s que vou comprando. Na maior parte das vezes consigo demove-los da ideia de que tudo o que é filme português não presta (também não estou a dizer com isto que tudo o que se faz no cinema nacional é duma qualidade admirável). O meu próximo alvo será “Um funeral à chuva”, que espero que continue em cartaz porque até agora foi-me completamente impossível deslocar-me ao cinema mais próximo. Faço isto com os meus amigos porque é impossível criticar sem conhecimento. Quer dizer, até possível criticar, mas depois faz-se figura de urso. A mesma figura de urso fazem aqueles que acham e defendem em voz alta, na televisão (nos programas da especialidade), nos jornais e revistas de que tudo o que é feito em Portugal de “cinema de autor” é obrigatoriamente bom e tudo o que se faz de “cinema comercial” é obrigatoriamente mau, ou vice versa. Sou da mesma opinião que o APV (António Pedro Vasconcelos). Nos EUA, no teatro de Nova Iorque temos a Broadway, a off-Broadway e a off-off-Broadway. Só existe a off-off-Broadway porque existe a off-Broadway, que por sua vez só existe porque existe a Broadway. Daqui podemos traçar um paralelismo com o cinema Português. Há, e mais do que isso, deve haver espaço para todos. Os grandes “Barões” do cinema nacional e seus defensoresmilitantes e toda essa gente que defende o cinema de nicho, feito para o próprio umbigo , que assume claramente o papel de querer, cada vez mais, o afastamento do público, ainda não compreenderam que para haver espaço para o cinema de autor e mais experimentalista também tem de haver espaço para o cinema mais comercial, que leve público às salas. Não podemos é continuar com a atitude do género “teve muita audiência, é mau” ou “está a piscar o olho para o público ir ver, é mau”. O cinema é uma arte demasiado cara para ser feita para meia dúzia de pessoas, portanto não o podemos comparar com outras artes que, não sendo menores, são menos dispendiosas,e, por consequências, não têm que ter as mesmas preocupações em chegar ao público.
Por fim…
Caro Lúcio Amaral,
Fica sempre bonito dizer “respeito a sua opinião” mas, com todo o respeito, eu não a respeito e discordo profundamente. Se disse:”só tenho pena de terem optado por fazerem um filme para o público e esse é o grande mal da arte actual” então diga-me, por favor, se um filme não é feito para o público será feito para quem ou o quê? Acredito que as mosquinhas que vagueiam pelas mais variadas salas de cinema, em que se exibem filmes portugueses, queiram por companhia algumas pessoas que elas possam chatear como é costume desse tipo de bicharada, até porque as moscas não pagam bilhete mas nós sim, e isso é que dá força para que, no futuro, se façam mais e melhores filmes que o público queira ver. Para acabar, faça-me o favor de não comparar Paulo Rocha, Fernando Lopes, Oliveira, César Monteiro, Teresa Vilaverde, Edgar Pêra ou Pedro Costa com Fernando Pessoa. Sabe o que é o Rossio? E a Rua da Betesga, também sabe? Pois bem, não são exactamente a mesma coisa.
Como eu já referi, o cinema é uma arte muito dispendiosa para estarmos cá com esse tipo de pretensões. Como o Luís Campo disse, e bem, “O cinema português é pretensioso, quer mérito, reconhecimento ou notas. Infelizmente, não se procuram sorrisos, lágrimas e todo o tipo de sensações que o cinema tão singularmente tem o poder de transmitir”. Subscrevo na totalidade esta frase. Querem fazer filmes lá para fora, para correrem os festivais estrangeiros, levarem os louvores e depois andarem por cá de papo inchado porque foram lá fora e ganharam uma menção honrosa no festival não sei das quantas, mas não querem saber do Zé Povinho que paga os impostos que são convertidos nos subsídios que eles depois usam indevidamente.
Isto tem que levar um grande volta.
P.S. Desejo todo o sucesso para o filme UM FUNERAL À CHUVA, mais que não seja pela audácia, o trabalho, a dedicação e, acima de tudo, a paixão de todos os envolvidos neste projecto. E venham mais! Abraços!
Escrevo isto já alguns dias depois de ter visto o filme portanto não me posso lembrar de todo o detalhe. Mas o que se segue menciona cenas específicas, portanto, se lerem, não me culpem.
Foi a primeira vez que fui ver um filme português ao cinema, acredite-se ou não.
Achei que o filme estava bom para o tipo de história que é. É relaxado e não tenta ser mais do que é.
Tem os seus momentos que funcionam (principalmente os silêncios), outros que menos, outros que eu não usaria no filme, ou mudaria.
Achei que alguns momentos funcionaram bem, como quando os namorados vão à casa de banho (soa porco mas para quem viu sabe do que estou a falar), ou quando a personagem de Pedro Górgia mente sobre onde trabalha e vê-se a reação do namorado personagem do Pedro Diogo. Gostei como isso está estruturado. O público percebe que ele está a mentir, não necessariamente pela reação do namorado, mas porque já os viu a trabalhar no clube de vídeo. Gosto quando uma história é capaz de fazer isto, de fazer os espectadores perceber coisas quase sem ter que explicar. Eu gosto quando as personagens brilham assim.
Outro exemplo é quando a personagem da Sandra Santos começa a chorar quando percebe ao que a carreira dela chegou. São exemplos em que as personagens choram mas não tem que ser obrigatoriamente assim, tal como é mostrado no exemplo da mentira.
Uma coisa que me estava sempre a passar pela cabeça era maneiras de explorar mais cada personagem, queria ter estado com cada personagem mais tempo antes de irem todos para o funeral, por exemplo, dar-lhes um momento para brilhar num espaço que não o do funeral.
Quereria mostrar ao público a personalidade e dinâmica de cada personagem antes, para que o público ficasse com curiosidade de ver-los interagir num funeral. As cenas mostradas, para mim foram o mínimo, mínimo suficiente. Mas acho que não o necessário para as fazer sair e se mostrarem como são.
Duas coisas que eu não poria no filme são: o ranho no nariz da (eu penso que é ) a Sílvia Almeida . ó pobre rapariga! Acho que uma reacção assim só funciona quando se está ou com uma dose estupificante de sedativos ou quando se está visivelmente enraivecido e todo a tremer e gritar com alguém. Acho que não se justificava. Parecia estar um bocado fora de sítio, apesar de se poder racionalizar aquilo sem problemas. Mas isto sou eu.
Esta outra coisa é que me ficou atravessada. Foram uns planos que eu achei perversos da Sandra Santos. Não quero saber se ela sabia e consentiu, ou não sabia (que seria ainda pior). Acho que foram os planos de menos gosto no filme todo. Eu não poria aquilo no filme. Ter um plano das cuecas da rapariga quando estão sentados a fumar e a falar fora do restaurante é completamente desnecessário e para mim só tem motivos pouco humildes em vista.
Se querem ser diferentes duns filmes portugueses recentes e se querem dizer que o vosso filme não tem disto ou daquilo….então que não tenham realmente. Nem sequer se cheguem perto. Podiam ter posto umas calças na rapariga, que até faria sentido com a personagem, e a ocasião. Se não se muda o guarda roupa, então que se mudasse a perspectiva do plano.
Enfim…pergunto a quem faz filmes…é possível ser-se português e fazer-se filmes sem estas coisas assim?
O filme gira muito em torno de conversas, que quanto a mim não é mal nenhum, mas quis-me sentir mais no meio das conversas, queria estar sentado à mesa com eles, e não consegui que fosse uma sensação mais permanente devido principalmente à lentidão de alguns momentos de conversa. As transições entre personagens, por exemplo quando se riam à mesa, podiam ser feitas mais depressa, mostrando as melhores reações numa sequência mais fluida. Parceu-me que umas não conseguiram chegar onde criam chegar. Eu não gosto de dizer estas coisas porque depois penso que provavelmente não tiveram tempo nenhum para gravar as cenas como deve de ser (mesmo assim o trabalho na sua totalidade não está mal de todo, meus amigos). Acho que uma maneira de capturar momentos de riso verdadeiros, é contar piadas e pegar só nas reações, depois da montagem e uns truquezinho com o som, ninguém nota. Mas o que é dito no filme tem que justificar este ou aquele tipo de riso. Acho que a reação ao “Como é que soubeste que eras gay?” foi um pouco demais. Tinha a impressão que as personagens que se riam eram mais maduras do que mostraram nesse momento.
Uma ideia: podia ter gerado uma reação entre os dois irmãos (mais do que só um olhar e uma conversa depois), talvez uma estalada no ombro ou ela mandar um bocado de pão ou dar-lhe um xuto por debaixo da mesa e ele não mostrar muita reação. Ou tudo junto.
Acho que teria sido melhor ter os dois gays a responder sem medo e perguntarem porque é que se riam. Realmente a puxar pelas personagens, para que elas se explicassem logo ali à mesa. Podiam acabar por falar em homosexualidade e um plano do Zé sem perceber como é que isto acontece num funeral.
Chego ao fim destes filmes e quero sempre saber mais sobre as personagens. Quero lembrar mais do que só as aventuras sexuais das personagens.
Então o morto…nem se sabe do que morreu ou que tipo de pessoa era além de “caladinho”. Acho que mostrá-lo a ser uma boa pessoa, por exemplo, podia funcionar com as emoções do público, para sentirem que uma boa pessoa tinha morrido e terem pena quando o vêm deitado no fim do filme. É pena, porque eu também sou assim e queria ver se eu tinha algo mais em comum com a personagem do que ser só uma pessoa que não fala muito. Fica para a próxima.
O ritmo do filme também podia ser um bocadinho mais acelarado. Nesse particular tem um bocadinho ainda daquela velocidade que eu associo aos filmes portugueses. A conversa no comboio pareceu-me um pouco mecânica em termos de transição entre as duas personagens. Porque não sentá-los lado a lado e interromper de vez em quando com imagens de outros passageiros a fazerem coisas estranhas que já vimos passageiros a fazer nas nossas próprias viagens? Não creio que a representação do Alexandre Silva e da Sandra Santos foi o que tornasse a cena menos dinâmica. Na verdade quase que não tenho críticas a dar à representções.
Por exemplo, as personagens falam e recordam momentos que os fazem rir, à mesa e fora do restaurante. Senti que a maneira como mostravam as pessoas a reagir era um bocado demorosa. Nota-se na montagem, “agora vamos mostrar ele, agora ela, agora mostra isto, agora ele/ela ri-se”. Em alguns momentos um plano geral das personagens à mesa seria suficiente.
Fiquei também a pensar se não seria interessante vê-los a interagir com comida na mesa, ou com grãos de açucar ou com os pacotes de açúcar ou a limpar um dedo sujo de molho ou café à toalha da mesa. Senti uma falta dessas coisinhas pequeninas que podem fazer a diferença. São coisinhas assim que fazem o espectador pensar “Eu também sou assim”.
Outra coisa. A personagem do Pedro Diogo, diz no princípio que apesar de irem num carro vermelho todo maluco as pessoas vão achar piada. Gostava de ter visto uma reação à volta do carro vermelho. Talvez eles a chegar, passarem por tudo no filme e no fim ninguém dizer nada, que a personagem do Pedro Diogo poderia comentar no fim, todo desapontado.
Ou então reagirem, sim, mas de diferentes maneiras, uns acharem de mau gosto, como o Zé e talvez a personagem da Sílvia (espero não estar a enganar-me nos nomes e nas personagens), outros a sorrirem.
O filme tinha uma peculiaridade por todo o filme, as cabeças, muitas vezes, ficavam cortadas em cima. Não sei se foi descuido, de quem filmou ou do projeccionista, ou se foi intencional. De qualquer maneira foi estranho.
O som, no Oeiras PArque, quando eu fui ver, estava um pouco alto demais, mas isso quase que não é para aqui chamado.
Mas apesar destas coisas menos boas que o filme tem, ganha quando percebes que o filme foi feito de forma independente do método tradicional em Portugal. Foi feito num mês. Não se pode falar deste filme sem mencionar este facto.
Quase que fui ver o filme só para os que fizeram receberem uma mensagem de que há pessoas interessadas no tipo de cinema que tentaram fazer e que os esforços deles merecem sempre apoio, especialmente se as ideias e histórias são originais e inventivas. Têm uma página no Facebook e os probres coitados esforçam-se tanto para que se passe a palavra. Sem dúvida nenhuma os que fizeram têm empreendorismo, vontade e paixão. Faz-me pensar o que fariam com tempo suficiente e mais dinheiro e com uma história mais abrangente (parece que a maioria dos que já vi comentar o filme, são pessoas da Covilhã). Comparado com muito filme português que tenho visto, é estimulante ver que pessoas com esta determinação existem por aqui. Que se juntem mais.
Que venha o próximo, se possível. Não me importava de ver estas personagens outra vez. O morto já está morto, e agora?
Quem sabe, se feito de maneira original, podiam-se fazer uma série de filmes sobre esta geração, e a mais nova.
Para mencionar a música e a fotografia. Estão ambas acima da média portuguesa, especialmente na perspectiva das gerações mais novas. A fotografia como a deste filme é algo que gostava de ver em mais filmes portugueses. Muda logo de atmosfera e torna a coisa mais cinemática.
Quanto à música, vou sempre associar as duas músicas do grupo “Fanfarlo” (“Luna” e “Comet”) no trailer a este filme.
Ainda estou à espera de um filme português assim, para o público, que terá uma banda sonora orquestrada como deve de ser. Espero que esteja num futuro próximo.
Um abraço a todos que participaram, desde dos actores aos que seguraram o microfones. Não desistam de tentar coisas novas no nosso cinema.
Se nunca tiverem dinheiro para fazer filmes, arrangem voluntários. Quem sabe, agora com a internet…
Infelizmente não vi sequer a publicidade de que iria estrear no cinema um filme sobre o que eu também vivi na Covilhã.
Gostaria por isso saber onde e quando posso comprar esse abençoado filme para poder reviver alguns dos momentos que por lá passei.