O que eu percebo, é que muita gente confunde história com roteiro. Muita gente gosta da estória, fala que ela é muito boa e no final, dizem que isso é roteiro. Quero saber se analisar um roteiro de filme apenas assistindo o filme é algo bom, válido e em que se possa ter segurança? — Guilherme
Guilherme, como já expliquei muitas vezes, o roteiro (ou guião, como se diz em Portugal), é apenas uma peça na complicada engrenagem de um filme. Uma peça importantíssima, sem dúvida, mas não é uma obra final. É uma obra que se destina essencialmente a ser transformada em outra obra.
Como refere, o guião não é a estória. É uma forma particular de contar uma determinada estória. Essa mesma estória, no teatro, assumirá outras formas, numa banda desenha será percebida de outra maneira, numa canção ainda de outra.
Mesmo num filme a estória ganha dimensões diferentes das do guião que lhe deu origem. O que está escrito passa a ser visualizado, os diálogos ganham o sabor das interpretações dos actores, a música e a edição acrescentam ou alteram as emoções, etc.
A maior parte das pessoas não tem acesso ao guião de um filme, e mesmo que tivesse não teria interesse em lê-lo. É uma peça difícil de ler e de entender, muito técnica, escrita segundo umas convenções bastante estranhas. Só guionistas se interessam por ler guiões.
Mas veja o que o guionista americano John August, cujo site recomendo escreveu recentemente num artigo em que explicava como se procediam às nomeações para o Oscar de Melhor Argumento.
Confessava aí, com muita honestidade, que era impossível ler todos os guiões – mais de quarenta – que anualmente se apresentavam na corrida às nomeações. Conseguia apenas ler os que lhe despertavam mais curiosidade, avaliando os restantes a partir dos filmes.
Em tom de brincadeira, John August sugeria até que o prémio de guião da Academia devia passar a chamar-se ”Oscar do Melhor Filme que Provavelmente Tinha um Bom Guião”.
Concluindo, você tem razão quando pensa que é impossível analisar um guião, completa e correctamente, apenas pelo filme. O máximo que se pode dizer é que, se o filme é muito bom, é provável que o guião também o fosse. E se o filme é mau, normalmente parte dessa falta de qualidade já teve origem no guião.
Mas, mesmo tendo razão, não tenha medo de estar a cometer um pecado quando entrar nessas discussões sobre roteiro e estória. Se John August avalia os guiões nomeados para o prémio mais importante do cinema americano apenas vendo o filmes, é natural que os seus amigos não-roteiristas também sigam o mesmo critério.
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