A telenovela Meu Amor, escrita pelo argumentista António Barreira e pela sua equipa para a Plural Portugal, e exibida na TVI, ganhou o Emmy Internacional para Melhor Telenovela. O prémio, o mais importante já recebido pela ficção televisiva portuguesa, foi disputado com outras 120 obras de características semelhantes, provenientes de países de todo o mundo. A importância desta distinção é inegável, e todos os envolvidos na sua criação, produção e exibição devem estar orgulhosos. Parabéns para eles, e especialmente para o autor da novela, o argumentista António Barreira.
Mas que importância pode isto ter para a indústria audiovisual nacional, e mais concretamente para os argumentistas portugueses?
As pessoas que hoje criticam as telenovelas portuguesas são as mesmas que, há 20 ou 30 anos atrás, criticavam o facto de só serem exibidas séries americanas ou, mais recentemente, telenovelas brasileiras. Pouco a pouco a ficção televisiva nacional foi encontrando o seu rumo próprio, descobrindo os seus talentos, conquistando as suas audiências, até se ter instalado uma nova realidade: é hoje possível fazer uma carreira – ganhar a vida – escrevendo, interpretando ou produzindo ficção audiovisual em língua portuguesa.
Para o conseguir os argumentistas portugueses, tal como os actores, realizadores e outros técnicos, tiveram de se adaptar ao formato específico da telenovela. Fizeram-no ao longo de muitos anos, num percurso mais ou menos atribulado, desde as experiências pioneiras na RTP – como a Vila Faia – até à máquina de fazer sucessos que se instalou na TVI, de que Meu Amor é apenas um exemplo. Mas foi sempre um caminho de crescimento, aperfeiçoamento, profissionalização, pensado para o público, consciente das suas possibilidades e limitações.
2010 – My Love, Portugal, no site dos Emmys
A fórmula da telenovela não pode, e não deve, ser adaptada às outras formas de ficção televisiva, e muito menos ao cinema. Sobre isso penso não haver sequer discussão. Mesmo as pessoas que escrevem telenovelas – e conheço muitas delas – gostariam de poder sair mais vezes dos espartilhos rígidos que o formato impõe, tanto em termos de produção como de imaginário e formas narrativas.
Mas a restante ficção televisiva – e até o cinema, porque não – pode aprender muito com o rumo traçado pelas telenovelas.
Em primeiro lugar, que o sucesso das obras de ficção audiovisual depende essencialmente do trabalho dos argumentistas. Sem boas estórias, adequadas ao formato e ao público pretendido, e coerentes com as condições de produção, não se conseguem sucessos. Nomes como Manuel Arouca, Nicolau Breyner, Tozé Martinho, Maria João Mira, Rui Vilhena, Patrícia Müller ou o agora premiado António Barreira são casos de sucesso e já se tornaram conhecidos do grande público porque souberam escrever as estórias certas nos momentos certos. A coerência do seu trabalho funciona como garantia de um certo tipo de produto televisivo – uma "D.O.C. – Denominação de Origem Controlada -" audiovisual, por assim dizer.
Em segundo lugar, as telenovelas mostram-nos que compensa olhar para o mundo que nos cerca, para a realidade com que nos defrontamos todos os dias. As telenovelas fazem-no normalmente através de uma lente com características muito próprias – alguma distorção, pouca definição, muito simplismo – mas fazem-no. As outras formas de ficção audiovisual precisam de seguir o mesmo rumo, usando as suas próprias lentes: mais realistas, umas vezes, mais fantasiosas noutras; em macro, focando a nossa intimidade, ou em grande angular, mostrando o grande panorama do mundo; explorando os géneros, recorrendo à comédia, invocando o drama. Mas seja qual for a abordagem, a nossa realidade – o mundo em que vivemos – deverá ser a grande fonte de inspiração dos argumentistas portugueses.
Em terceiro lugar, as telenovelas provam-nos a importância de escrever para um determinado contexto de produção. Não adianta estar a pensar "em grande" se depois não arranjamos os meios para concretizar essas ambições. O que é preciso é compensar a modéstia dos meios com a força das estórias; contrapor às limitações dos orçamentos o poder da imaginação; levantar voo com o que temos em vez de nos arrastarmos presos ao que gostaríamos de ter. É evidente que se continuarão a fazer filmes de grande ambição – mas que sejam feitos pelos produtores que têm condições para os fazer. Na maior parte dos casos, contudo, serão os pequenos filmes com grandes estórias os que estarão em melhores condições de vingar.
Finalmente, as telenovelas ensinam-nos que não é vergonha querer atingir uma audiência mais alargada, conquistar um público, ser motivo de conversa de café, recomendação, elogio. Há, felizmente, muitas maneiras de o fazer, tantas quantas os diversos públicos e audiências. E não vale a pena argumentar que as melhores séries, ou filmes, são sempre feitos para certas elites (ou para os públicos do próximo século, como já ouvi um realizador português defender). Há muita gente culta, inteligente, interessada em produtos diferenciados, que vê filmes europeus, orientais, clássicos, que gosta das boas séries americanas e inglesas, mas simplesmente não está para levar com estopadas. Essas pessoas merecem séries televisivas e filmes portugueses que respeitem a sua inteligência, o seu gosto e a sua sensibilidade. Ou, simplesmente, a sua necessidade de evasão.
Felizmente, o panorama recente é razoavelmente animador. As séries portuguesas de ficção têm vindo a diversificar-se, adoptando formatos reconhecidos internacionalmente – o policial, a série de advogados, o drama familiar, a sitcom, entre outros. A qualidade da escrita também tem vindo a melhorar substancialmente em todos os géneros, desde a comédia ao drama. As mini-séries que a RTP exibiu nas comemorações do centenário da República, e alguns outros formatos televisivos que irão estrear em breve, mostram que é possível fazer bem melhor com os meios disponíveis no contexto atual.
Não estivesse Portugal a atravessar esta crise sem fim à vista e estou certo de que os próximos anos nos viriam trazer muitas e boas surpresas em língua portuguesa, quer nas salas de estar quer nas de cinema. Assim, resta-nos aprender a lição das telenovelas, e fazer o melhor possível com o pouco que vamos tendo.
Antes de tudo e porque a vida não é feita apenas de criticas, mas sim também de elogios, gostaria de dar os parabens à TVI, ao Antonio Barreira e equipa e a todos os argumentistas portugueses; porque afinal também acaba por ser uma vitória para todos nós ver uma produção nacional ser reconhecida internacionalmente.
Aproveitando o titulo deste artigo “o nosso primeiro emmy – e o que podemos aprender com ele”, acho que fica mais do que provado aquilo que defendo e acredito à bastante tempo, mas que muita gente recusa-se a reconhecer – O nosso enorme poder e capacidade profissional. Talvez possamos aprender com ele a reconhecer melhor os nossos profissionais e a aceitar que temos capacidade para mais e melhor. Que vale apena apostar em novos projectos e em formar novos profissionais. Que vale apostar em novos formatos e meios de desenvolvimento dos audiovisuais (neste caso refiro-me à necessidade de deixar o “formato industrial” tipico de fazer novelas da TVI) de modo a que possamos ter mais qualidade de trabalho e qualidade no projecto final.
Espero também que este emmy, nos abra as portas para o mercado externo e que desta vez, consigamos ter um pouco de capacidade para agarrar esta oportunidade em vez de deixar cair tudo por terra, como já tem acontecido tantas vezes.
Mais uma vez os parabens à TVI e principalmente a todos os profissionais portugueses que trabalham nos audiovisuais (com especial abraço para os argumentistas, claro) e que este emmy possa ser o primeiro de muitos.
O Debate no DN dedicado ao tema “Pós-Emmy” soube-me a pouco.
Se o prémio foi atribuído à novela “Meu amor”, o debate fica com o nome de “Mau Humor”. Tivesse o prémio sido atribuído a uma novela da Globo, e já estaríamos todos na rua aos pulos. Penso que primeiro temos que pensar naquilo que somos para depois pensarmos naquilo que queremos ser. Ainda assim, concordo com a primeira lenha que o Vírgilio Castelo amandou para a fogueira, a dos comptrollers.
O Vírgilio tem razão quanto aos comptrollers. O orçamento deve ter um valor determinado e aceite pelo produtor executivo. Mas deve ser a equipa de produção, a funcionar como equipa, que deve determinar o montante a gastar em cada cena. Sei que o processo de decidir onde gastar é lento, mas permite gastar bem no essencial. O comptroller por definição controla a contabilidade e evita derrapagens não previstas nos imprevistos do próprio orçamento. Parece-me que o comptroller passou a ser ou a fazer o trabalho de chefe de produção e de produtor executivo ao mesmo tempo. Isso, a ser verdade, é estar a passar um atestado de incompetência à equipa de produção e realização, o que é uma pena.
Há uma coisa que me faz imensa confusão:
a dita telenovela é sobre quê ??
Acho incrível uma novela ganhar 1prémio tão famoso e (mesmo depois disso) nao se ver nem ouvir ninguém a falar sobre a história da novela, certas cenas, etc..
So strange…
Pedro A.