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Morreu Manoel de Oliveira

    A notícia da morte de Manoel de Oliveira está a ocupar todos os espaços noticiosos da televisão portuguesa. É, sem dúvida nenhuma, uma perda irreparável para a cultura nacional, que merece toda a atenção, testemunhos (sinceros ou de ocasião) e homenagens que começam a ser alinhadas aqui e ali.

    Nunca me identifiquei com o seu cinema, e não deixei de fazer as minhas piadas fáceis com os clichês que popularmente o definiam: a lentidão da narrativa, os planos longos e fixos, a teatralidade das interpretações, até a ingenuidade das suas narrativas. Dos filmes que lhe vi (e ainda foram bastantes) gostei realmente de Aniki Bobó e do menos referido Os Canibais. Dos restantes apreciei apenas momentos, infelizmente poucos.

    Mas o facto de, de forma geral, não gostar dos filmes de Manoel de Oliveira, não me impede de reconhecer o seu valor e singularidade como cineasta, figura da cultura mundial, e português.

    Manoel de Oliveira tinha uma ideia muito particular do cinema, desde a escrita até à direção, da imagem à relação com os atores, a que sempre se manteve fiel ao longo dos anos. Muitas pessoas, em Portugal e pelo mundo fora, gostavam e respeitavam essa ideia de cinema. Mérito seu. Eu respeito essencialmente o seu amor pelo cinema, a sua honestidade, integridade e saudável teimosia na defesa da visão que tinha desse mesmo cinema, e acima de tudo o seu otimismo, energia e capacidade de trabalho.

    Termino com uma pequena anedota, que espero que não seja apócrifa, pois é bem engraçada. Foi-me contada por um realizador meu conhecido, que assistiu ao episódio na primeira pessoa. Esse realizador participou numa primeira reunião de realizadores portugueses depois da revolução do 25 de Abril de 1974. Em assembleia geral os cineastas decidiram homenagear Manoel de Oliveira, que estava há muitos anos sem dirigir, impedido pelo regime do Estado Novo. Votaram pois o financiamento imediato de um filme seu, temendo até que fosse o último dada a idade avançada do autor. “Ninguém imaginava que íamos soltar uma fera”, comentou o meu conhecido com humor.

    A fera deixou hoje de rugir. Descanse em paz.

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