Encontrei na internet diversas referências a um estudo académico publicado no “Journal of Forensic Sciences” sobre a representação da psicopatia no cinema, através da análise dos psicopatas mais famosos da 7ª Arte.
Segundo a Wikipedia, “Psicopata é a designação atribuída a um indivíduo com um padrão comportamental e/ou traço de personalidade, caracterizada em parte por um comportamento antissocial, diminuição da capacidade de empatia/remorso e baixo controle comportamental ou, por outro, pela presença de uma atitude de dominância desmedida.”
Liderado pelo professor de psiquiatria belga Dr. Samuel Leistedt, o estudo “Psychopathy and the Cinema: Fact or Fiction?” analisou 400 filmes exibidos entre 1915 e 2010 para escolher 126 psicopatas ficcionais.
Apesar da psicopatia ser um conceito controverso, com interpretações divergentes em diversas correntes de psiquiatria, o autor quis descobrir se o retrato dos psicopatas no cinema estava conforme aos critérios de psicopatia mais aceites pela comunidade médica.
Os 126 psicopatas cinematográficos selecionados foram analisados por um grupo de psiquiatras forenses e críticos de cinema, que chegaram a algumas conclusões interessantes.
Os psicopatas dos filmes não são muito realistas
Alguns dos meus psicopatas favoritos, como o Dr. Hannibal Lecter, Michael Myers, o Joker, John Doe ou Norman Bates não são realmente psicopatas segundo as definições dos manuais de psiquiatria.
De acordo com os autores, “os personagens psicopáticos são geralmente irrealistas, acumulando muitos traços e características, tais como o sadismo, inteligência e a capacidade de prever os planos que as suas futuras vítimas irão usar para tentar escapar. Hoje em dia, estes retratos são mais representações populares icónicas do mal do que psicopatas interessantes”.
Há tão poucas psicopatas femininas nos filmes como na vida
Dos 126 psicopatas escolhidos para o estudo apenas 21 eram do sexo feminino. Isso bate certo com a realidade, em que há bastante menos psicopatas mulheres do que homens. Tirem daí as conclusões que quiserem.
Das psicopatas retratadas no cinema, a maior parte recorre à manipulação, sedução e atração sexual como armas para alcançar os seus objetivos. O exemplo mais conhecido é, provavelmente, a personagem interpretada por Sharon Stone em Basic Instinct, a Dra. Catherine Tramell.
Note-se que a minha psicopata favorita de todos os tempos, Annie Wilkes, magistralmente interpretada por Kathy Bates em Misery, não entra na categoria das psicopatas femininas que usam a sedução para pôr as vítimas aos seus pés, mas sim na das que usam martelos para esmagar os pés das vítimas.
O psicopata mais realista é Anton Chigurh
O assassino interpretado por Javier Bardem em Este país não é para velhos foi escolhido como a melhor representação de um psicopata clássico num filme.
Segundo o autor do estudo, Anton Chigurh parece ser efetivamente imune e resistente a qualquer forma de emoção e humanidade. É discutível se ele é efectivamente o melhor psicopata de sempre, mas sei que me assustou muito quando vi o filme.
Outros dois psicopatas menos conhecidos ocupam os lugares seguintes do pódio: Hans Beckert, o assassino de crianças interpretado por Peter Lorre em M, o filme de Fritz Lang de 1931; e o perturbante Henri, retratado por Michael Rooker no filme de 1986 Henry: Portrait of a Serial Killer, de John McNaughton.
Não vi primeiro desses filmes, mas o segundo deixou-me marcas quando o assisti numa sala escura, se não me engano no Quarteto.
O que podemos aprender com isto?
O estudo é apenas uma curiosidade porque, como todos sabemos, o cinema não pretende ser uma representação fiel da vida, mas uma sua distilação para efeitos artísticos, sociológicos ou de entretenimento.
No entanto, eu tiraria algumas conclusões aplicáveis ao nosso trabalho como guionistas:
- Nem todos os antagonistas precisam ser psicopatas. Explorar o lado humano, empático, emocional de um vilão pode ajudar a criar personagens mais ricos e interessantes do que um psicopata monolítico.
Se está a pensar escrever um filme em que um psicopata tenha um papel importante, é útil familiarizar-se com alguns dos seus retratos no cinema. Não queremos ver mais uma enésima repetição do psicopata elegante e genial, mas sangrento e sem escrúpulos, popularizado pelo Dr. Lecter.
Podemos, com igual mérito, optar pela abordagem realista ou pela abordagem arquetípica. Mas parece-me sensato não as misturar. Se quisermos criar um psicopata nascido no mundo real, deveremos fazer alguma pesquisa e fugir ao sensacionalismo; se, pelo contrário, quisermos criar um papão, o melhor será fugir à tentação de aproximá-lo da realidade, e explorar ao máximo o seu potencial alegórico.
Faça pesquisa sobre este tema por sua conta e risco. Ao investigar os crimes e comportamentos dos psicopatas reais é muito fácil encontrar descrições e imagens que se colam à nossa memória e nos marcam de forma duradoura, se não permanente. Só vá por aí se estiver disponível a viver com isso o resto da sua vida.
Veja este vídeo com uma compilação dos melhores psicopatas de sempre nos filmes:
E termine com este, para desanuviar:
Boas escritas.