Durante um certo período da minha adolescência costumava reunir-me com o meu grupo de amigos na cave de um deles, para ouvir música, jogar às cartas e beber cerveja. A cave servia também como depósito dos livros que não cabiam na biblioteca dos pais dele.
Entre esses livros havia um que fazia sempre sucesso: O Trópico de Câncer, de Henry Miller.
As suas descrições vívidas e realistas de sexo eram lidas em voz alta, comentadas e gozadas, com aquele despeito altaneiro de quem ri do que gostava de ter mas não tem. Com certeza inspiraram muitas fantasias noturnas, mas isso já não entrava nas conversas.
Não sei se era esse o resultado que Henry Miller tinha em mente quando escreveu os seus onze mandamentos de escrita, que transcrevo a seguir:
- Trabalha numa coisa de cada vez até terminares.
- Não comeces mais livros, não acrescentes mais material a Primavera Negra.
- Não te enerves. Trabalha com calma, com prazer, sem temor naquilo que tiveres em mão.
- Trabalha de acordo com o Programa, e não com a disposição. Para no horário definido!
- Quando não consegues criar podes trabalhar.
- Consolida um pouco em cada dia, em vez de acrescentar novos fertilizantes.
- Mantém-te humano! Vê pessoas, sai, bebe se te apetecer.
- Não sejas uma mula de carga! Trabalha apenas com prazer.
- Esquece o Programa quando te apetecer – mas regressa no dia seguinte. Concentra-te. Foca. Exclui.
- Esquece os livros que queres escrever. Pensa apenas no que estás a escrever.
- Escreve antes de tudo o mais. A pintura, a música, os amigos, o cinema, tudo isso vem depois.
Adoro estas listas de conselhos e "mandamentos" de escrita porque, mais do que qualquer outra coisa, provam que cada autor escreve de uma maneira diferente, de acordo com o seu temperamento, hábitos e circunstâncias.
Na realidade não há regras, apenas resultados.
O curioso é que nunca li nenhum livro de Henry Miller do início ao fim. Só aquelas cenas esparsas de um livro que, de tão manuseado, já abria diretamente nas nossas passagens favoritas.
“… de tão manuseado, já abria diretamente nas nossas passagens favoritas.”
:-)
Era o que também acontecia ao “Sexus” que estava em casa dos meus pais.
Também acho interessantes essas listas. Embora, como você disse, vale mais para saber como é que os outros escrevem.
Você também não teria seus “10 mandamentos”, João? Se tiver, estou curioso de saber quais são.
abs,
Maurício
https://joaonunes.com/2010/guionismo/dez-regras-para-escrever-ficcao/
Das suas regras, para mim, a sétima é a mais difícil de executar.
E a quarta, a que dá mais tentação de pular.
Mas no geral são regras ótimas! Fora que, como você deixou colocado no seu texto, “cada louco com suas manias”… ou melhor, “cada roteirista com suas regras de escrita”…
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