Quando vim para cá tive de enfrentar um dilema que, mais cedo ou mais tarde, atormenta todos os visitantes de Angola: dar ou não dar dinheiro às crianças de rua.
É difícil ver miúdos da idade dos meus filhos, de mão estendida, a pedir dinheiro para comer, às vezes à beira das lágrimas. E são muitos, por essa cidade fora; na baixa, à volta do Largo 1º de Maio, na rua por trás da minha casa, um pouco por todo o lado.
Grande parte deles, imagino, são filhos da guerra, órfãos de pais mortos ou desaparecidos; outros fugiram de lares miseráveis, pais violentos, famílias destroçadas; outros ainda, desconfio, procuram apenas a liberdade que a ausência de regras, obrigações e horários pode proporcionar.
Conheci um destes últimos – vivia na casa de uma senhora estrangeira, tinha quarto próprio, comida, educação, mas preferiu a vida de rua, sem ele mesmo saber explicar porquê. Já não o vejo há algum tempo, espero que tenha voltado para a senhora estrangeira e o lar que ela, melhor ou pior, lhe proporcionava.
Face ao dilema, optei pelo "não". Porque o dinheiro que lhes pudesse dar a maior parte das vezes não iria para comida, mas para álcool, drogas ou cola para cheirar; porque mesmo que fosse para comida, seria uma forma de os ajudar a continuar na rua, fugindo à ajuda dos centros de acolhimento e das obras sociais que os querem resgatar da miséria; e porque quero crer que o dinheiro pode ser melhor usado apoiando essas mesmas obras sociais.
Foi uma decisão difícil. Muitas vezes, quando tenho de dizer "não" a um menino de rua, são os meus olhos que se enchem de lágrimas.