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Gasosa

    Há um tema recorrente em Angola que nunca abordei aqui: a corrupíão.
    Não estou a falar dos esquemas dos ricos e famosos, dos poderosos, dos governantes e deputados, de que tanto se ouve falar, nos jornais e nas conversas de café. Não os testemunhei (não jogo nesse campeonato) e acho que seria abusivo pôr-me a falar do que não conheío. Noto apenas que as notí­cias e reportagens que saem nos semanários, com acusaíões por vezes graví­ssimas, dariam para encher um departamento inteiro da Procuradoria Geral, com processos contra os acusados… ou contra os jornais.
    Refiro-me antes ao pequeno suborno, í  notazinha que se passa para apressar um processo, ao favor comprado. Enfim, í  “gasosa”.
    Imagino que a designaíão de “gasosa” tenha nascido num perí­odo da história recente angolana em que os pagamentos com bens de consumo – escassos e distribuí­dos de forma desigual – eram correntes. O C. diz-me que os pais costumavam alugar umas casitas na praia para passar os fins-de-semana e pagavam, precisamente, com caixas de gasosas e outras bebidas. Mas isto é apenas uma teoria, pois ninguém me conseguiu ainda dar uma explicaíão de facto.
    Na vida quotidiana somos confrontados frequentemente com pedidos de “gasosa”. De alguns polí­cias de trânsito; de certos funcionários públicos, especialmente nos locais de atendimento; dos carregadores de bagagens ainda dentro do aeroporto; e até de alguns particulares, quando por alguma razão o nosso bem estar possa estar dependente de uma acíão deles.
    O processo não é normalmente descarado – embora isso também aconteía. Passa geralmente por algumas insinuaíões, referências a dificuldades financeiras, olhares e gestos esclarecedores.
    Pode também assumir outras formas: um pedido de “boas-festas”, por exemplo, na época do Natal (que nesse aspecto se prolonga até Marío…), ou um pedido directo de um bem qualquer: “Não tem aí­ um desses para mim?”
    Cabe-nos a nós decidir o caminho a seguir: embarcar no jogo, e dar a “gasosa”; ou fazer-mo-nos de burros e fingir que não estamos a perceber. O curioso é que, quando se opta por esta segunda via, não há normalmente consequências de maior. O que pode significar que a instituiíão da “gasosa” está a perder foría. Seria muito bom para Angola se isso fosse verdade.

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