Estive ontem a assistir às filmagens da longa metragem "O Julgamento", que o Leonel Vieira está a realizar a partir de um guião meu e do Vicente Alves do Ó, que por sua vez foi escrito a partir de uma ideia original do guionista brasileiro Izaías Almada. São as contingências próprias de uma forma de arte colaborativa como o cinema.
Leonel Vieira a caminho do décor.
Fiquei satisfeito com o que vi. Os actores estão excelentes e conseguiram imprimir uma grande densidade ao texto, criando o ambiente pesado e dramático que ele exige. A fotografia do José António Loureiro e o estilo de realização que o Leonel está a adoptar para este filme contribuem ainda mais para esse clima asfixiante.
Júlio César e Carlos Santos nas filmagens.
Júlio César é Jaime, um antigo preso político; Carlos Santos é Mendes Oliveira, um ex-pide, que em tempos o prendeu e torturou. Na cena que ontem à noite foi filmada os dois dão mais um passo na revelação do passado que os une. Transcrevo-a a seguir tal como está na última versão do guião, onde ocupa cerca de duas páginas.
- 85) INT. ESTÁBULO – NOITE
- Jaime está sentado atrás de Mendes Oliveira. Fala-lhe perto do ouvido. O homem tem um ar esgazeado, vagueando com o olhar pelas sombras ameaçadoras que os faróis do jeep projectam.
- P.O.V. de Mendes Oliveira – as sombras nas paredes parecem mexer-se, distorcendo-se e desfocando-se.
- MENDES OLIVEIRA
- Eu não quero morrer…
- JAIME
- Ninguém vai morrer.
- O pide cabeceia de sono e Jaime puxa-lhe o cabelo.
- JAIME
- Acorda!
- MENDES OLIVEIRA
- Eu quero dormir, por favor, deixe-me dormir, só um bocadinho.
- Jaime levanta-se de rompante. Contorna o homem e aproxima a cara dele.
- P.O.V. de Mendes Oliveira – a cara de Jaime dança à sua frente, distorcida e ameaçadora.
- JAIME
- Não! Vais fazer exactamente como eu mando. Quem sabe… se correr tudo bem, talvez te deixe dormir… uma hora… Sim? Uma hora? Já viste?
- MENDES OLIVEIRA
- Uma hora?
- JAIME
- Uma hora inteirinha. Só tens que dizer o teu nome completo.
- MENDES OLIVEIRA
- Francisco Ferraz.
- JAIME
- Não! O outro, o verdadeiro.
- MENDES OLIVEIRA
- Fran-
- Jaime dá-lhe uma bofetada.
- JAIME
- Assim não chegamos a lado nenhum e tu não dormes hora nenhuma.
- Mendes Oliveira olha para ele, com o olhar desfocado.
- MENDES OLIVEIRA
- Esse nome já não existe, faz parte do passado.
- Jaime endireita-se. Está a chegar a algum lado. Fala em voz baixa.
- JAIME
- Talvez esteja na hora de acordar o passado. Como é que te chamas?
- Mendes Oliveira muda de expressão, deixando transparecer raiva e maldade.
- MENDES OLIVEIRA
- Queres saber o meu nome, cabrão? Eu digo-te quando te apanhar lá fora!
- JAIME
- Como é que te chamas?
- MENDES OLIVEIRA
- E essa puta que trouxeste agora – vou matá-la também.
- Jaime descontrola-se e dá uma violenta estalada na cara do pide, rachando-lhe um lábio, que fica a sangrar.
- Mendes Oliveira chupa o lábio ferido. Percebemos que continua a ser um homem perigoso, apesar da situação em que está.
- Jaime esfrega a mão com que bateu no homem.
- JAIME
- Filho da puta…
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EMÕÇÕES e CONFLITOS.
Um excelente trabalho.
APLAUSOS!… MUITOSSSS :)
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Eu estou a fazer um trabalho sobre o filme “Julgamento”. Pois achei um filme interssante para ser trabalhado. Não dá para enviar algum material do livro, como por exemplo, o guião e algumas fotos.
Obrigada