Há um truque extraordinariamente simples e eficiente que contribui para resolver inúmeros problemas de enredo e lógica de um guião. É um verdadeiro "ovo de Colombo", evidente para quem o conhece mas ignorado por muitos guionistas, para mal dos seus guiões.
Trata-se de fazer a si próprio uma pergunta muito simples antes de começar a escrever cada cena: "Onde é que estão os outros personagens neste momento?".
Garanto-lhe que se tiver essa preocupação vai perceber de imediato muitos problemas que, de outra forma, se poderiam introduzir na estória e só ser detectados mais tarde (ou, o que é pior, nunca serem detectados). E os problemas de lógica de um guião têm normalmente um efeito de cadeia que os torna muito complicados de resolver depois do guião escrito.
Por exemplo, você está a escrever uma cena entre o protagonista e o seu interesse amoroso. A cena é boa, bem construída, com princípio, meio e fim, emoções fortes, uma revelação fundamental, etc. Os diálogos estão a sair bem, a emoção é em crescendo e no final você fica com mais uma cena chave no seu guião.
Mas… e este "mas" é muito importante… se você tivesse perguntado antes onde estão os outros personagens da estória ter-se-ia lembrado que o antagonista vinha há algum tempo a seguir o seu protagonista. Para que a cena pudesse ser como você a escreveu, seria necessário que ele fizesse uma pausa, fosse tomar um cafezinho e só voltasse à perseguição uns minutos depois.
Este exemplo é muito básico e provavelmente seria fácil detectar o erro de lógica a tempo de corrigi-lo. Teria de rescrever a cena para a encurtar e, possivelmente, guardar a tal revelação dramática para outra ocasião. Ou então aproveitar a pressão da perseguição para dar ainda mais dramatismo à revelação. Em qualquer dos casos, teria perdido precioso tempo de escrita.
Mas também podia acontecer que a falha não fosse tão evidente e passasse despercebida até que alguém, ao ler o guião, fizesse o raciocínio: "Espera aí – o bandido não estava a persegui-los? Onde é que ele se meteu este tempo todo?".
Por isso, antes de escrever a sua próxima cena, não se esqueça: "Onde é que estão os seus personagens neste momento?"
Não imagina o quanto este post me ajudou, João.
Muito obrigada por mais uma dica preciosa!
Curiosamente, comigo passa-se quase sempre o contrário, quer no caso de guiões (ou tentativas), quer no caso de outros formatos de ficção: creio que faço essa pergunta demasiadas vezes.
O conto que estou a escrever neste momento é disso um bom exemplo: tinha pensado em escrever uma peça curta, até trinta páginas, mas já passei as setenta por ter incluído e complicado demais as narrativas secundárias. Provavelmente esqueci-me de um outro mandamento essencial para a escrita de ficção: de que forma o que estou a escrever faz a estória andar na direcção do final?
Pessoas diferentes, erros diferentes. Talvez o melhor seja conseguir fazer qualquer uma destas perguntas com moderação.
Não desprezando o ponderado conselho do João, claro.
Abraços
Quando eu digo que temos de saber onde estão os outros personagens, não significa que tenhamos de o mostrar. Temos é de ter consciência de que o tempo passa tanto para aqueles que estão em cena como para os que não estão. Ou seja, não podemos pôr os restantes personagens em pausa enquanto a acção decorre para aqueles que momentâneamente estamos a acompanhar. Se, como eu dizia no exemplo, o bandido estava a perseguir o herói antes da cena romântica começar, isso tem de ser considerado no enredo geral da história.