Eu gosto sobretudo de escrever diálogos. Estando contextualizado com o guião, é possivel um autor escrever apenas diálogos, seja para novela, série, posteriormente inseridos na(s) cena(s). Mas isto não se faz, pois não? Ou far-se-á mas só a nível da chamada "escrita a quatro mãos", as parcerias de escrita que se vão criando com os anos e laços de amizade? Um resumo da minha questão poderia ser: pode-se ser apenas um co-guionista, ou um sub-guionista?
João
Olá João,
É evidentemente possível ser "co-guionista", se encontrar a pessoa certa para estabelecer essa parceria. Pelo que consigo perceber, no seu caso teria de ser uma pessoa com uma boa noção de estrutura e de funcionamento dos mecanismos dramáticos da ficção. Num "casamento" assim essa pessoa conceberia a arquitectura geral da história, o seu enredo e estrutura, e você trabalharia as cenas individuais. Antigamente esta situação era mais frequente, e nos genéricos até se distinguia por vezes o "argumento" dos "diálogos".
Já escrever apenas os diálogos, separadamente do resto das cenas, parece-me difícil. É pensar que uma cena de ficção audiovisual é apenas, como eu ouvi uma vez um guionista de novela português dizer, "duas pessoas numa sala a falar". Mas não é, ou não deve ser.
Cada cena de um filme, ou novela, ou do que for, é uma unidade dramática em que alguma coisa acontece, alguma coisa se transforma ou é revelada, algum evento positivo ou negativo afecta a vida e o percurso dos protagonistas, obrigando-os a tomar decisões e dar novos passos. Os diálogos são apenas uma das formas como esses acontecimentos se podem manifestar, influenciar ou ser resolvidos. Saber escrevê-los bem, com arte, naturalidade e elegância, é evidentemente uma grande vantagem, mas não chega. Pode ser mais fácil numa novela fraquita, em que quase tudo se resolve à conversa, mas não é suficiente.
Há guionistas famosos que são por vezes contratados para dar apenas uma rescrita nos diálogos de um guião já acabado, em que todas as questões estruturais e dramáticas estão resolvidas. O trabalho deles, nesse caso, é dar um "polish" – um polimento – ao guião, ou seja, limar as arestas dos diálogos e criar uma meia dúzia de frases fortes para os actores principais. Esses guionistas chegam a receber fortunas para isso, mesmo que o seu nome nem apareça no genérico. Mas são sempre autores estabelecidos, com experiência e mérito reconhecido.
Por isso o meu conselho é que não crie auto-limitações artificiais ao seu trabalho e desenvolvimento enquanto artista. Se os diálogos são fáceis para si, então saia da sua "zona de conforto" e escreva uma curta metragem sem um único diálogo. Pense uma história curta, com uma ideia interessante, e tente contá-la de uma forma totalmente visual. Desenvolva sinopses curtas, de uma ou duas páginas, de histórias variadas, pensando as suas estruturas, os seus "princípio, meio e fim". Vai ver que evolui muito mais rapidamente do que imagina, e do que evoluirá se continuar apenas a fazer aquilo que, alegadamente, já sabe fazer.
Boas escritas,
João Nunes
João, aqui no Brasil há uma escritora/ roteirista que é especializada em diálogos chamada Adriana Falcão. Ela é responsável pelas falas dos personagens da série ” A Grande Família”, que é um grande sucesso está a 10 anos no ar. O programa dispõe de um corpo de roteiristas responsáveis pela narrativa e ela entra apenas no final do processo criando os diálogos. Recentemente ela ministrou em São Paulo uma oficina intitulada ” A voz do personagem”, onde pode passar um pouco do seu conhecimento e experiência. Muito interessante, por sinal.
Abraço,
Peterson.