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Estreia do filme “Assalto ao Santa Maria”

    Vai finalmente estrear o filme que escrevi há dois anos e meio para a produtora Take 2000, do José Mazeda, com realização do Francisco Manso – Assalto ao Santa Maria.

    É uma versão ficcionada de um dos mais famosos episódios da luta contra a ditadura de Salazar, a ocupação do paquete português Santa Maria, da Companhia Colonial de Navegação, por um grupo de portugueses e galegos liderados pelo capitão Henrique Galvão.

    Assalto ao Santa Maria não pretende ser um documentário nem uma lição de história e, por razões dramáticas, alterámos bastante alguns aspectos dos eventos que o inspiraram.

    Foram criados personagens fictícios, outros tiveram destinos, comportamentos e acções distintos do que terá acontecido na realidade. Mas qual foi a realidade, realmente? Livros diferentes sobre o mesmo tema, alguns até assinados pelos seus protagonistas, dão também versões diferentes dos mesmos episódios.

    A ficção tem uma lógica própria e espero que os espectadores entendam as opções que tomámos, pois foi a pensar neles que o fizemos. De qualquer forma, penso que conseguimos respeitar e transmitir o espírito que motivou a operação, e o ambiente em que se enquadrou.

    Atualização: José António Barreiros, o tradutor do livro Eu roubei o Santa Maria, de Jorge Soutomaior (um dos galegos envolvidos no assalto real) diz em entrevista ao Público de 18 de Setembro de 2010 as seguintes palavras, que espelham bem o que referi nos dois parágrafos anteriores: “A tese de Galvão é a de que do assalto resultou uma vitória. Para Soutomaior, no entanto, foi um fracasso. Para o capitão, foi um acto de heroicidade lusitana, para o comandante, um esforço frustrado de um colectivo galaico-português“.

    A aventura que o filme descreve teve um baptismo premonitório: “Operação Dulcineia“, em homenagem a D. Quixote, figura que tanto deve ter inspirado Henrique Galvão. O assalto ao Santa Maria (a operação real) foi, com efeito, um episódio quixotesco de luta desproporcionada entre um grupo de homens idealistas e uma ditadura que então já se prolongava há mais de 30 anos. “Operação David e Golias” também teria sido um nome adequado.

    Curiosamente, a produção do Assalto ao Santa Maria (o filme) também teve algo de quixotesco, no que representa de luta entre um grupo de outros homens, com um objectivo comum – a criação de um filme vivo, emocionante, popular – em luta contra os problemas que afligem, de forma geral, o cinema português: orçamentos baixos de mais para a ambição, pouco tempo para trabalhar, condições aquém do desejável.

    O resultado vai estar à vista em algumas salas a partir de dia 23 de Setembro. Levanta desde logo uma velha questão: O que é melhor? Não fazer um filme porque não se têm as condições ideais? Ou fazer o melhor filme possível com as condições que se têm?

    O produtor e realizador optaram pela segunda resposta, e acho que fizeram muito bem. Assalto ao Santa Maria poderia ter sido um filme melhor, se tivesse mais meios? Ninguém duvida que sim. Mas também estou convicto de que quem o for ver agora às salas vai sair satisfeito com a experiência.

    Pelo meu lado, enquanto autor, estou satisfeito com o guião que escrevi. De forma geral, foi quase integralmente respeitado na produção, o que nem sempre acontece.1 Isto quer dizer que, se não gostarem da estória ou dos diálogos, a responsabilidade é apenas minha. Mas se gostarem do filme, por favor dêem os parabéns ao Francisco Manso, ao José Mazeda, aos atores e a toda a equipa técnica, que fizeram um pequeno milagre com tão baixo orçamento.

    Uma frase que escrevi para o personagem Henrique Galvão  resume um pouco o que penso sobre o filme Assalto ao Santa Maria: “Vamos ganhar?Vamos perder? O que é que isso interessa, rapaz? Estamos vivos. Estamos vivos“.

    Podem ouvir essa frase, magnificamente interpretada pelo ator Carlos Paulo, no trailer que deixo a seguir, junto com duas reportagens para a RTP e TV galega.

    Como brinde deixo no final (para quem teve a paciência de ler até aqui) a versão final do guião.

    Baixe o guião aqui:
    Actualização 2:  as opiniões dos críticos de cinema que já tive oportunidade de ler são de forma geral negativas ou pouco entusiásticas. Isso não me surpreende, dado que até hoje recebi poucas críticas realmente positivas aos filmes que escrevi. A aversão da crítica não é uma coisa que eu procure ativamente, mas já me habituei a conviver com ela; quer apenas dizer que os filmes que eu gosto de escrever não são os filmes que os críticos gostam de ver.

    Notas de Rodapé

    1. Não gosto apenas de uma voz off que foi acrescentada no início, que acho desnecessária, mas fora isso o filme segue o guião com muita fidelidade.

    26 comentários em “Estreia do filme “Assalto ao Santa Maria””

    1. Aguardo com bastante curiosidade a estreia deste filme. Desde que ouvi falar nele que ando sempre a ver quando é que é a estreia. Este é um dos períodos da História de Portugal pelo qual tenho maior interesse.
      Foi uma agradável surpresa quando me dei conta que o João tinha trabalhado neste filme, Isto de uma pessoa seguir um blogue tão de perto faz com criemos uma certa proximidade com o autor.
      Espero conseguir ver o filme, e que seja visto por muitas pessoas. Isto é um passo de cada vez, mas todos os que forem dados não hã-de terem sido dados um vão.
      Saudações

    2. Gostaria muito de saber qual foi o orçamento para este filme, quando recebeu o guionista pelo guião, já agora, o realizador também.
      Gostei muito da ideia, e parece um filme bastante bem feito.

      1. Caro anónimo, o valor que tem sido referido na imprensa para a produção do filme é de 1 milhão de euros. Para um filme de época, passado num paquete, com bastantes efeitos especiais, é uma ninharia, como qualquer pessoa do meio lhe poderá confirmar.
        Quanto aos restantes valores, são para manter… “anónimos”.

    3. Sr João Nunes,
      Aqui no Brasil, estamos muito anciosos pela estreia do Filme, e saber a repercução que este fato histórico irá despertar na sociedade Iberica, uma vez que, um assunto de tamanha importância, tenha sido tratado sempre de forma muito superficial. Pelo que já li no guião, e trailer do filme, vejo que seu grande trabalho, poderia ou poderá posteriormente contar em detalhes em historia verdadeiras que antecederam as vidas dos Grande Personagens deste momento. Sou Filho do Verdadeiro ” Zé Ramos”. Sucesso!

      1. Caro André, obrigado pelos seus cumprimentos e votos de sucesso. Espero que tenha a oportunidade de ver em breve o filme, e que este lhe agrade. Sempre tendo em conta que é uma obra de ficção inspirada nos eventos originais, o que acarreta necessariamente divergências em relação a estes. Como refiro no artigo, não quisemos fazer um documentário. Essa responsabilidade, a ser para alguém, fica na mão dos historiadores e especialistas nessa área. Nós quisemos fazer uma obra de entretenimento, obviamente sem esquecer a responsabilidade face à importância do momento histórico.
        Muitas dessas diferenças referem-se precisamente ao personagem do seu pai, o Zé Ramos, nomeadamente no papel central que tem no filme e no seu destino. Mas tenho a certeza de que apreciará e, possivelmente, até achará graça a essas liberdades criativas.

    4. Venho por este meio dar os parabens pelo filme. Apesar de ainda não o ter visto, já se encontra na minha lista de estreias lado a lado com o Wall Street: Money never sleeps. Nunca perco a Janela Indiscreta com Mário Augusto e gostei imenso do que vi, nota-se que foi um filme bem trabalhado e feito com alma e coração. Tenho apenas que mencionar que mais uma vez lamento ter visto entrevistas com o Realizador e com os Actores, mas nada com o Argumentista, o pilar de qualquer projecto audiovisual.
      Mais uma vez, os meus parabens e enorme sucesso.
      P.S: Um dos lugares para o filme já é meu.

      1. Obrigado, Rubem, pelas palavras simpáticas. Só é pena que o filme estreie em tão poucas salas, o que lhe irá dificultar encontrar esse tal lugar.
        Também concordo consigo quanto à invisibilidade dos argumentistas, sabendo embora que não é um exclusivo português; a queixa é comum aos guionistas de todos os outros países, inclusive dos Estados Unidos. Pessoalmente não é coisa de que sinta muita falta (não gosto de câmaras apontadas para mim) mas reconheço que seria justo dar mais atenção aos autores dos guiões, sem os quais, para começar, nem financiamentos os produtores conseguiriam obter.

    5. Uma das minhas maiores gargalhadas no filme Shakespeare in Love é a parte em que estreia a peça Romeu e Julieta e os panfletos anunciam tudo, mas mesmo tudo!!, acerca da peça, os actores, a companhia de teatro, os produtores, os encenadores… menos o autor… Suponho que é uma bofetada de luva branca nessa milenar arte de ignorar os autores.

    6. Acabei agora de ir ver o filme (finalmente e já estava só em duas salas!). Vinha aqui pedir precisamente se seria possível ler o guião e fiquei muito contente por ter disponibilizado aqui. Vou lê-lo com muita atenção. Em relação aos críticos, acho que o problema é não se aperceberem do que é efectivamente possível fazer-se com um orçamento destes e dentro das possibilidades, concordo com o João: se houvesse mais dinheiro conseguia-se muito mais, com o que havia conseguiu-se bastante. Só mais um comentário: ri-me agora quando li no post “Não gosto ape­nas de uma voz off que foi acres­cen­tada no iní­cio, que acho des­ne­ces­sá­ria, mas fora isso o filme segue o guião com muita fidelidade” porque quando vi no filme pensei precisamente o mesmo e vinha já aqui dizer-lhe, de guionista para guionista, que não foi isto que me ensinaram ;)

    7. Parabens pelo filme joao. Já tive a oportunidade de o ver e está bastante bom. E nunca é mais dizer que se o cinema português fosse mais apoiado poderiamos mostrar todo o potencial dos nossos grandes artistas.
      Já agora se conheceres algum site ou blog sobre realização e animação digital( de preferência em português lol) agradecia que me pudesses dizer.
      Obrigado e Parabéns. Continua com o muito bom trabalho.

      1. Obrigado, Micael. Quanto à questão que me coloca, conheço vários sites sobre cinema em português, mas nenhum especificamente sobre realização e animação. Talvez algum leitor conheça e possa deixar aqui sugestões.

    8. João, ainda não vi o filme mas fiquei curioso ao ver o trailer e saber que foi o joão que o escreveu, pena estar em apenas 2 salas e já agora essa situação deve-se a quê?? poderia me explicar? porque existe filmes portugueses em muitas salas e outros em apenas uma?.
      Quanto ao sucesso do filme, penso que depende sempre de todos e muito do argumento, do realizador e dos actores, e não pense nas criticas, realmente nós portugueses só sabemos é falar mal de tudo, já enoja a nossa mentalidade pequena.

      1. Infelizmente não tenho uma resposta para si; também não percebo exactamente quais são os critérios dos exibidores e distribuidores.
        Imagino que tenha a ver com a avaliação que fazem do potencial comercial de cada filme: Harry Potter, sucesso garantido = 100 salas X pequeno filme sobre um episódio obscuro da história política portuguesa, sucesso incerto = 6 salas.
        É claro que com isto também se cria uma pescadinha de rabo na boca. O “pequeno filme sobre um episódio obscuro da história política portuguesa” só é de sucesso incerto porque não há hábito de ver filmes portugueses; mas enquanto esses filmes não forem mais divulgados e apoiados esse hábito não se forma.
        Como sair deste círculo vicioso? Aos poucos, e com perseverança.
        Sobretudo, tentando escrever, produzir e realizar filmes que tenham como objectivo ser vistos, e não ficar guardados numa prateleira. É o maior desafio do cinema português, na minha modesta opinião. Mas havemos de chegar lá.

    9. Pingback: Filmes portugueses em cartaz | argumentistas.org

    10. Neste filme que se diz histórico o comandante do navio aparece fardado de imediato, o oficial radiotécnico fardado de cabo da marinha de guerra e os outros oficiais a mesma miséria… As falas da tripulação erem desadequadas ao tempo e à tecnologia do navio. Este navio foi escolhido por HG por ser o navio almirante da frota mercante nacional. É pena que não se tivesse investido um pouco mais em investigação para evitar os erros flagrantes que foram apresentados, imaginem o filme sobre o 25 de abril com o capitão Maia fardado de alferes e a dizer alarvidades sobre tanques…

      1. Caro Nuno, num filme de ficção a “estória” tem sempre prioridade sobre a “história”. O rigor fica para os documentários, e mesmo assim não é fácil. Se se der ao trabalho de ler os diferentes livros sobre o assalto, escritos pelos seus participantes, vai encontrar discrepâncias incríveis, inclusive sobre os supostos “factos”. Face a isso, como é possível ser rigoroso?
        Não me entenda mal – eu também acho que, sendo possível, devemos tentar ser historicamente fidedignos. Mas quando isso não é possível, ou não acontece, não devemos deixar que essas pequenas incongruências ou erros nos afastem da fruição do filme. Temos que ter a noção da importância das coisas – acha mesmo que para 99% dos espectadores esses pormenores das fardas e divisas são mais importantes do que a estória que está a ser contada? Acha que os escoceses antigos falavam como no “Braveheart”? E que os romanos eram iguaizinhos ao Russel Crowe do “Gladiador”?
        Finalmente, sugiro-lhe que guarde termos como “miséria” e “alarvidades” para outros contextos. São tão deselegantes…

        1. O filme é um filme e chama-se Assalto ao Santa Maria, não é uma peça de teatro amador chamada Capitão Galvão e seus Muchachos, por isso, apesar de ser uma obra de ficção, mas baseada num evento real, entendo que o mínimo de rigor não faria mal, especialmente tratando-se de factos que aconteceram em 1961 no navio almirante da frota mercante nacional, pelo que a sua analogia ao tempo dos romanos não faz nenhum sentido… apesar de correr o risco de ser deselegante contínuo a achar que o “objecto” em torno do qual roda o filme foi tratado de forma miserável em sem o mínimo de rigor, por puro desleixo, pois bastaria que alguém tivesse feito o trabalho de casa para não acontecerem as alarvidades que menciono. Quanto à sua pergunta estatistica dos 99%, respondo-lhe com outra pergunta, então porque fizeram um filme? As pessoas liam o livro e imaginavam o resto…Apesar das criticas, entendo que foi uma excelente idéia fazer este filme, apenas tenho pena que o mesmo apresente estas falhas, que sem fazer aumentar o orçamento do filme poderiam ser fácilmente colmatadas…

    11. Prezado João Nunes,

      Domingo passado dia 24/04, tive a oportunidade de assistir aqui no BRASIL, pela internet através do Cana da RTP1, o Filme Assalto ao Santa Maria. Tenho observado diversas críticas construtivas e outras apenas pelo simples fato de criticar. Aos críticos pergunto porque não fizeram antes um filme como todos esperavam? Ao Sr João apenas parabenizo pela iniciativa que gerou a discução sobre o TRATAMENTO dado aos fatos historicos de PORTUGAL. Quem sabe agora, assuntos destas importância possam ser tratados de forma diferenciada. Temos ainda a oportunidade de Registra-la pois muitos dos envolvidos estão vivos. Portanto são historias VIVAS, assim como tantas outras. Sem críticas e sem iniciativas não existe sucesso!

    12. Depois de ter perdido a oportunidade de ver o filme no cinema, finalmente consegui dar uma vista de olhos (infelizmente só consegui apanhar o filme a meio),a esta grande produção portuguesa. Gostaria mais uma vez de dar os parabens ao João e a todos os envolvidos neste projecto, pois bem merecem, nem que seja pelo “sangue” e suor derramados para o verem realizado, algo que todos sabemos ser dificil neste pequeno pais.
      Respeitado todos os comentários, queria apenas dizer para terem cuidado, pois é sempre muito fácil cair no caminho da critica e mal dizer, principalmente quando não se está envolvido no projecto e não se sabe o quanto é dificil construir algo desta envergadura, afinal não somos a grande maquina bem oleada de Hollywood.

      1. Penso que sim, mas não tenho informação de datas. Também estou à espera para comprar uma cópia ;-)

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