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Perguntas & Respostas: E se a nossa ideia afinal não é original

    Vai sair um filme muito semelhante à ideia que estava a desenvolver. O que é que faço agora? A minha vontade é de não escrever mais nada. Esta era mesmo a oportunidade. – Estela

    Estela, desculpe contrariá-la, mas isso não existe; não há essa coisa de um determinado guião ou ideia ser “A OPORTUNIDADE”.

    Ideias há muitas, em todo o lado.

    Leia um jornal com atenção e veja quantas notícias poderiam dar bons filmes. A morte do Bin Laden, por exemplo – quantas pessoas devem ter pensado que daria uma grande estória? Muitas, com certeza. Mas só uma chegou ao fim 1.

    As ideias, paradoxalmente, são o elemento mais importante e menos importante de um filme.

    É claro que se a ideia for má, ou gasta, ou inviável, o projeto nunca será bom.

    Mas uma boa ideia não é garante de um bom resultado. Até porque é praticamente impossível ter uma ideia cem por cento original.

    O que conta principalmente é desenvolvê-las, escrevê-las, terminá-las; a maneira como o fazemos, o jeito que lhes damos, a forma como nos apropriamos delas e as tornamos nossas.

    Por isso mesmo não é possível registar uma ideia; apenas a sua execução. Enquanto não passarmos à escrita, à concretização, é como se as ideias não existissem.

    E isso tem de ser feito uma vez, e outra, e outra. Uma carreira de guionista, ou autor, faz-se de perseverança, empenho, trabalho – todos os dias.

    Umas vezes com melhores resultados, outras piores, mas sempre com continuidade. Um guionista, ou escritor, que ache que a sua carreira depende de uma única ideia, não tem realmente futuro. O mais provável, aliás, é que não chegue nunca a concretizar essa sua única ideia.

    Desculpe-me se pareço um pouco duro, mas espero que isto sirva de estímulo para si. Também já tive ideias que depois apareceram em outros filmes. A diferença é que eles as escreveram, e eu não.

    Temos é de ficar satisfeitos, porque isso é a prova que era uma boa ideia. E quem teve uma boa ideia pode ter muitas mais.

    Por isso, comece por ver se há alguma maneira de dar a volta à sua ideia para a diferenciar do filme americano que refere. Não me parece difícil; os orçamentos devem ser tão desproporcionadamente diferentes que poucas semelhanças os guiões poderiam ter.

    Mas se mesmo assim acha que isso não é possível, então respire fundo e siga em frente. Faça o luto necessário pela falecida ideia, e comece a trabalhar na próxima. O importante é continuar a escrever e a acreditar em si.

    Notas de Rodapé

    1. E o filme, *Dark Zero Thirty*, é fantástico, por sinal

    6 comentários em “Perguntas & Respostas: E se a nossa ideia afinal não é original”

    1. Concordo plenamente com o que foi dito sobretudo porque também já me aconteceu, como possivelmente já aconteceu a todos os argumentistas. Lembro-me a primeira vez que aconteceu tinha desenvolvido uma premissa que achava ser original e comecei a trabalhar nela, passado algum tempo saiu um filme norte americano com uma premissa muito semelhante. A primeira vez é a que custa mais, porque tal como a Estela senti-me desmotivado e um pouco ”furioso” e parei de escrever deixando o guião nos confins da minha gaveta e passei energicamente para um outro projecto, a decepção tornou-se em combustível para dar seguimento a um guião que se tornou consideravelmente melhor do que aquele que tinha começado a trabalhar. A vida de argumentista tem destas coisas e como o Sr. João Nunes o importante é continuar-mos a escrever e a acreditar-mos em nós, porque passado um bom tempo é que percebi que a minha ideia afinal não era assim tão igual à do filme americano e que poderia contornar todas a parecenças e torna-la numa estória melhor seguindo um caminho diferente do que tinha planeado ao inicio, é tudo uma questão de adaptação.

      1. O que destaco do seu comentário é a frase “passei energicamente para um outro projecto”. O espírito deve ser exactamente esse.

      2. Muito obrigada pelos vossos comentários. A minha primeira reação foi mesmo essa: uma desilusão, seguida de uma fúria tremenda. Mas passada a tempestade, a estória continuava viva na minha cabeça, as ideias e os arranjos (que a tornam mais interessante) continuaram a fluir e eu continuei a escrever e a corrigir, como tenho feito. Consigo ver as diferenças entre o filme e a minha estória. Vou continuar a escrever e terminar o meu trabalho.

        Muito obrigada a ambos.

        Estela

    2. Eu tinha uma esquete teatral que pretendia transformar num roteiro de longa. Mas foi ficando dentro da gaveta dormitando por 2 anos. Um belo dia, tchan,tchan,tchan…não é que lançam um filme com a mesma ideia? Até os personagens principais eram iguais! Eu comecei a rir. Sabe quando se ri de nervoso? Pois é. E para completar, o filme se tornou o de maior público no Brasil e assim permaneceu por uns 3 ou quatro anos. Teve até sequência….Lógico, encostei a tal ideia de novo na gaveta e ali permanecerá até o dia em que eu achar que mereça ser novamente trabalhada, sem que me acusem de copiar a ideia dos outros, embora eu possa provar que ela é anterior ao tal filme, e já que a tal esquete foi registrada e encenada por um grupo amador……….Enquanto isto, vou trabalhando outras ideias que, graças a Deus, não param de surgir.

      Meu abraço a todos e em especial ao João Nunes.

      1. É como o Felipe diz: as ideias não param de surgir e quanto mais nós confiamos nisso mais surgem ainda.

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