Bom dia, tenho duas dúvidas: o FADE IN surge apenas após o genérico, ou ainda antes? E como nos referimos ao genérico no guião? Colocamo-lo como uma cena? — Fernando
Olá Fernando, normalmente coloca-se o FADE IN: apenas no início, e mais por tradição do que por qualquer outra razão. Na realidade não faz lá falta nenhuma. Aliás, como já referi outras vezes, a tendência atual é colocar o mínimo possível de indicações de TRANSIÇÕES.
Mas o FADE IN: pode aparecer também noutras situações.
Se numa determinada cena, por alguma razão, a imagem passar ao negro absoluto (CORTA PARA NEGRO ou FADE A NEGRO), o FADE IN: pode ser a forma certa de voltarmos a ter imagem.
Veja este exemplo concreto retirado do meu guião ”Assalto ao Santa Maria”.
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…
Zé olha para a camisa ensanguentada, e depois para Ilda.
Zé
Ilda…
ILDA
Não fales, meu amor. Não fales agora…
Ilda beija Zé nos lábios.
Zé sorri e olha uma última vez para Ilda, debruçada sobre ele, em contraluz. Num delírio ouve, em off, as palavras que Galvão lhe dissera antes, na cave em Caracas.
HENRIQUE GALVÃO (OFF)
Para ter um “ninguém” na vida, que seja assim bonita.
ILDA
Zé!
FADE A NEGRO.
FADE IN:
- INT. SANTA MARIA / CAPELA – NOITE
O olhar sério de Henrique Galvão.
O capitão está fardado a rigor, de pé, à porta da capela do Santa Maria.
…
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O FADE IN surge apenas após o genérico, ou ainda antes? E como nos referimos ao genérico no guião?
No mesmo guião, por acaso, encontra-se também um exemplo de resposta à sua segunda questão.
O GENÉRICO é aí indicado como uma cena independente, a primeira do filme. Nesse caso havia uma razão específica, a técnica de animação proposta para o genérico.
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FADE IN:
- GENÉRICO
Montagem de postais ilustrados e fotografias de cruzeiros nas Caraíbas nas décadas de 50 e 60, com destaque para as imagens dos paquetes portugueses Vera Cruz e Santa Maria.
Vemos imagens de destinos paradisíacos; de famílias felizes e turistas animados, gozando os serviços e opções oferecidos pelos grandes navios; de tripulações aprumadas e satisfeitas, ao seu serviço.
Depois deste início colorido e optimista, o tom da montagem começa subtilmente a mudar, conforme se vão introduzindo no meio das imagens idílicas outras fotografias, a preto e branco, de Portugal e das colónias africanas.
São cenas da vida sombria na metrópole e da exploração colonial: repressão policial sobre operários e estudantes; imagens de trabalhadores negros enfileirados; paradas militares; o ditador Salazar a discursar; crianças com fardas da Mocidade Portuguesa e militares a embarcar para as colónias; trabalhadores rurais de ar miserável e emigrantes portugueses pobres, etc.
A música, que começa alegre e jovial – um calipso, talvez? – acompanha esta transformação, ganhando tons progressivamente mais sombrios, até todas as imagens felizes serem substituídas por um retrato mais fiel do Portugal da ditadura.
FADE OUT:
FADE IN:
…
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Há muitos outros casos em que o GENÉRICO decorre ao longo de uma ou mais cenas do filme. Nessas situações pode, por exemplo, incluir duas linhas no meio da descrição, onde julgar conveniente. Por exemplo:
COMEÇA O GENÉRICO
e
TERMINA O GENÉRICO.
Mais frequente, e provavelmente mais recomendável, é não dar indicação nenhuma quanto ao genérico.
Em primeiro lugar porque o genérico normalmente não é uma componente específica e essencial da estória ou do desenvolvimento dos personagens, logo sai um pouco do âmbito do trabalho do guionista. É cada vez mais frequente, por exemplo, ver filmes sem genérico inicial.
Em segundo lugar, porque o seu estilo e localização é muitas vezes uma decisão estilística do realizador, em conjunto com o seu editor e outros técnicos. Compare, por exemplo, os genéricos ultra-clássicos do Woody Allen com os do David Fincher. São completamente diferentes, e reflectem bem os seus estilos e gostos pessoais.
Em resumo, se não tem uma razão específica para referir o GENÉRICO no seu guião, é melhor deixa-lo de fora. Alguém se preocupará com isso a seu devido tempo.