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Bullet Journal para escritores – 2ª parte

    Introdução

    Na semana passada escrevi uma pequena introdução ao método de organização conhecido como Bullet Journal Hoje vou mostrar como aplicá-lo na prática e torná-lo particularmente útil para os escritores e guionistas.

    Na prática

    Se leu o artigo anterior, pode ter ficado assustado com a quantidade de informação que, aparentemente, é preciso dominar para o bullet journaling. Mas é uma falsa impressão; na prática é muito mais simples do que parece.

    Se já tem o seu caderno e caneta, vamos lá.

    1 — Defina a sua Chave

    Deve escolher desde o início a sua  Chave : quais os símbolos que vai usar para organizar a sua informação.

    Eu uso os seguintes: • para as Tarefas; — para as Notas; e o para os Eventos. Quando uma Tarefa é delegada para outra pessoa, coloco-a dentro de um [ ]. É muito simples, mas chega para começar.

    Use um X para marcar as Tarefas completadas; um > para as migradas para outro dia; um < para as agendadas no Registo Futuro; e risque as que se tornaram irrelevantes.

    Escolha ainda alguns símbolos para dar informação adicional sobre cada anotação: por exemplo, # para as prioridades; ! para denotar importância; ? quando precisar de mais informação; e uma estrela ou coração para as suas favoritas.

    A minha recomendação é que mantenha a sua Chave bem simples no início e, se sentir necessidade, a vá enriquecendo conforme necessário.
    Escreva esta Chave em algum lado onde seja fácil consultar: por exemplo, na contracapa do caderno, ou numa folha que possa saltar de caderno para caderno, como eu fiz.

    2 – Crie o Índice

    Reserve as primeiras 2 a 4 páginas para o Índice, e agradeça-me depois.

    3 – Crie o seu Registo Futuro

    Numere as páginas seguintes, escreva o tópico Registo Futuro e divida cada página em três áreas.

    Escreva em cada área o nome de um mês para além do corrente. Desta forma, com 2 páginas terá uma vista geral de 6 meses; com 4 páginas, de um ano.

    Faça uma lista de coisas que sabe que vão acontecer no futuro, e comece a registá-las aqui. Por exemplo, períodos de férias ou viagens; datas que não quer esquecer; obrigações fiscais e outras; consultas e exames médicos; etc.

    Inclua o seu Registo Futuro no Índice, com as respectivas páginas.

    4 – Crie o Registo Mensal do mês corrente

    Numere as duas páginas seguintes e escreva o tópico  Registo Mensal  no cimo. Marque-as logo no Índice.

    Há muitas formas de fazer este registo mas comece com a mais simples: na página da esquerda faça uma lista com os dias do mês. Em frente de cada dia escreva os compromissos que já tem definidos.

    Ao longo do mês vá registando aqui novos compromissos e os Eventos importantes que foram acontecendo.

    Na página da direita, faça uma  descarga mental  de todas as tarefas e objetivos que quer alcançar neste mês.

    Ao longo do mês irá migrando (transferindo) tarefas daqui para os seus Registos Diários. Quando o fizer, não se esqueça de as marcar com um >, para saber que já tratou delas.

    5 – Comece a usar no dia a dia

    A maneira mais óbvia de o fazer é começar um  Registo Diário  para o dia em curso.

    Vá para a página em branco seguinte, escreva no topo a data e dia da semana, numere a página, e comece a escrever as Tarefas e Eventos do dia. Eu não escrevo os Registos Diários no Índice, porque ocupariam espaço demais, mas isso fica ao seu critério.

    Ao longo do dia vá actualizando o seu Registo Diário: marque as Tarefas completadas com um X, acrescente novas Tarefas ou Eventos (uma reunião de última hora, por exemplo) e tome Notas de tudo o que seja importante: apontamentos de reuniões, ideias, observações, etc.

    Pode misturar tudo na mesma lista: Tarefas seguidas de Notas, Eventos seguidos de mais Tarefas; etc. Os símbolos que coloca no início de cada linha servem precisamente para identificar os tipos de informação, o que é útil durante o processo de Migração.

    6 – Migre a informação necessária

    Ao fim do dia, ou no início do dia seguinte, escreva uma nova data para iniciar um novo Registo Diário. Não precisa ir para uma página em branco; pode continuar na sequência do registo anterior.

    Faça a Migração da informação do dia anterior: transfira as tarefas que não conseguiu completar para o novo Registo Diário, refletindo sobre o motivo de não as ter completado: foi excesso de trabalho; procrastinação; não são importantes; são para fazer no futuro? Aja em conformidade.

    Reveja também as Notas do dia. Se forem importantes, decida o que fazer com elas: é necessário criar novas Tarefas; transferi-las para uma Colecção existente; criar uma nova Colecção? Aja em conformidade.

    No fim do mês, quando criar o Registo Mensal seguinte, faça uma revisão de todos os Registos Diários do mês anterior, para migrar o que for necessário e riscar o que já não é importante.

    Essa é também a altura certa para ir ao Registo Futuro ver o que tem já agendado para esse novo mês.

    7 – Crie as Colecções necessárias

    Por exemplo, imaginemos que uma das Notas que escreveu no seu Registo Diário é uma ideia para uma estória. O passo seguinte pode ser migrá-la para uma Colecção de ideias de estórias, ou criar uma nova Colecção dedicada exclusivamente a ela.

    No primeiro caso, consulte o Índice para saber em que páginas está a sua Colecção de ideias. Vá até essa Colecção e acrescente uma Nota com a nova ideia, eventualmente desenvolvendo-a um pouco mais.

    No segundo caso, vá para a página em branco imediatamente a seguir, numere-a, e escreva no cimo um tópico que identifique a sua ideia. Não se esqueça de registar esta nova Colecção no Índice.

    Para cada núcleo de informações relacionadas, crie uma nova Colecção seguindo estes passos.

    Pode ter Colecções com os mais variados tipos de informação: listas de Tarefas para projetos complexos; planeamento semanal das refeições; listas de compras; os livros que está a ler ou o seu consumo de media; etc.

    As coleções de Registos de Hábitos são muito populares: quantas palavras escreve em cada sessão de escrita; quantas vezes faz exercício por semana; quantos dias seguidos faz meditação; etc.

    A imaginação e as suas necessidades são o limite para a informação que regista no seu BuJo. A grande vantagem do método é que cada caderno acaba por tornar-se um reflexo do seu dono, evoluindo e adaptando-se às suas características específicas.

    Todos estes processos são muito simples e, com um pouco de prática, tornam-se automáticos. Ao pouco as peças ajustam-se e tudo começa a fazer sentido. O importante é manter a consistência e transformar o uso do seu Bullet Journal num hábito diário.

    “Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um ato mas sim um hábito.” – Aristóteles

    Para os escritores e guionistas

    Quem se dedica à escrita, seja de forma profissional ou amadora, tem necessidades especiais que com certeza vão moldar o seu uso do Bullet Journal. Segue uma lista de sugestões de ideias que podem ser úteis.

    Uma nota importante: é uma boa prática só criar uma Colecção quando temos algo para colocar lá dentro. Não queremos encher o nosso caderno de páginas vazias, apenas com tópicos fantasmas.

    Projetos em curso

    Cada escritor tem normalmente um ou mais projetos em curso em cada momento. Pode ser uma boa ideia criar algumas Colecções para registar informação importante que lhes concerne.

    Sinopses e escaletas

    Para quem planeia as estórias antes de escrever, pode usar o seu Bullet Journal para escrever storylines, sinopses, etc.

    Eu começo sempre por tirar notas copiosas antes de começar a escrever. Encho páginas e páginas com ensaios de escaletas, riscando, acrescentando, trocando a ordem das cenas, até estarem ilegíveis e ter de começar de novo. Isso ajuda-me bastante a clarificar as ideias.

    Só quando já avancei um bom bocado aqui é que mudo para os programas de escrita. Mesmo assim, quando preciso refazer o plano de alguma sequência que não está a funcionar, prefiro começar por fazê-lo no papel.

    Pesquisa

    É muitas vezes necessário fazer pesquisa específica para os nossos projectos de escrita. Dependendo do volume de pesquisa necessário, esta pode ocupar cadernos próprios ou estar baseada em aplicativos como o Evernote.

    Mas em alguns casos em que o volume de pesquisa é mais pequeno, podemos criar uma Colecção no nosso Bullet Journal só para esse efeito.

    Ideias para cenas/diálogos

    Se tiver uma ideia para uma cena, evento ou diálogo interessante para o seu guião, registe-a logo, mesmo que não saiba ainda o que irá fazer com ela.

    Vá revendo estas listas com regularidade, nomeadamente nos momentos em que está com dúvidas sobre os passos seguintes da sua estória.

    Linhas temporais

    Pode ser útil desenhar uma linha temporal da sua estória, especialmente se a estrutura que adotou não for de tempo contínuo.

    É muito fácil, quando saltamos para trás e para a frente no tempo, baralhar a ordem de alguns eventos. E não quer matar um personagem antes da sua cena mais importante, pois não?

    Personagens ou locais

    Tome notas de aspectos da biografia dos seus personagens, mesmo que não entrem directamente na estória.

    Entreviste-os. Escreva listas dos seus medos e sonhos. Desenhe os mapas das suas relações. Recorte e cole fotografias dos atores que gostaria de ver a interpretá-los.

    Faça o mesmo para os locais onde a sua estória decorre.

    Se os visitar, anote sensações, imagens, cheiros e sons. Cole as fotografias que tirou, ou capturas de ecrã do Google Street View.

    Títulos

    O título final de um livro ou guião raramente é o mesmo com que começou. Mantenha uma lista de alternativas, acrescentando novas opções conforme for escrevendo.

    Notas para revisão

    Se durante a escrita se aperceber que há coisas que quer mudar, não caia na tentação de o fazer logo. Anote-as numa nova Colecção e continue a escrever.

    Quando chegar a importante etapa da reescrita, use esta lista para se guiar.

    Diário do projecto

    Pode ser interessante ir mantendo um diário da escrita do seu guião.

    Tome nota do que está a sentir em cada momento, das dificuldades que sente, das pequenas vitórias que for alcançando. Mais tarde vai gostar de rever a evolução das suas obras.

    Esse diário pode também ser muito útil para registar os contactos que for fazendo com os outros intervenientes no projeto como, por exemplo, o produtor e realizador.

    O diário pode ainda servir para registar o progresso da sua escrita. Quantas palavras, ou páginas, escreve em cada sessão? Quantas vezes sofreu de bloqueio? O que foi mais fácil de escrever, e o mais difícil?

    Contabilidade/planos de pagamentos

    Os trabalhos de escrita raramente são pagos de uma só vez. Se tiver um calendário de pagamentos combinado, pode usar o seu BuJo para não se esquecer de passar os seus recibos, ou cobrar as respectivas prestações.

    Novos projetos

    Além dos projectos em curso, é bom estar sempre a lançar as sementes de projectos futuros. O seu Bullet Journal também pode ser um precioso aliado nesse campo.

    Ideias

    É fundamental manter uma Colecção com uma lista de ideias para escrever no futuro. Sempre que se lembrar de uma, registe-a de imediato.

    Não confie na sua memória; não há nada pior do que sabermos que tivemos uma boa ideia e a deixamos escapar porque não a anotámos logo.

    Se quiser, até pode tentar ganhar o hábito de, todos os dias, acrescentar uma nova ideia a essa lista. A maior parte será muito má, mas com a acumulação é natural que algumas pepitas comecem a brilhar no meio da lama.

    Fontes

    Se ler uma notícia interessante, ou um amigo lhe contar uma estória divertida, anote-as. Quem sabe ainda podem dar origem a uma nova ideia.

    Faça o mesmo com artigos que por alguma razão despertaram o seu interesse; com profissões ou locais fora do comum; com personagens ou cenas de que gostou noutros livros e filmes.

    Como Austin Kleon diz, “roube como um artista”. E isso começa sempre por tomar nota do que o inspira.

    Contactos e pitches

    Se lhe apresentarem alguém que trabalha no audiovisual ou edição, registe-o.

    Se num jantar um produtor ou realizador lhe falar num livro que gostaria de adaptar, registe-o (e compre-o).

    Se trocar mensagens ou telefonemas sobre algum projeto futuro, registe-os.

    Se ficar fechado no elevador com o Martin Scorcese e ele lhe perguntar o que é que faz na vida, registe-o (e acenda uma velinha na igreja).

    O networking faz parte da vida dos autores e é importante manter algum tipo de registo dos contactos feitos nesse âmbito, pois nunca se sabe quando podem abrir portas ou dar início a novos projetos.

    Mais vale ter um método para o fazer do que confiar apenas no charme e na memória.

    Observações

    Todos os dias ouvimos expressões e diálogos interessantes, ou encontramos personagens carismáticos. Tomando nota deles de forma consistente estamos a criar um caldo criativo onde novas ideias poderão germinar.

    Mesmo que isso não aconteça, é divertido.

    O mesmo para locais invulgares que visita ou de que toma conhecimento. Um dos desafios que temos como autores é encontrar os sítios mais interessantes para as cenas que escrevemos. Ter uma base rica de opções é um bom ponto de partida, mesmo que não saibamos ainda onde as poderemos usar.

    Conclusão

    O bullet journaling torna-se cada vez mais útil conforme o usamos com mais regularidade e consistência. Como o autor James Clear diz, “A maior parte das pessoas só trabalha a sério de vez em quando. Você pode ultrapassá-las simplesmente comparecendo todos os dias.”

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