O método Bullet Journal é um sistema de organização que comecei a usar recentemente e que acredito poder ser muito útil para todos os tipos de criadores, incluindo os guionistas.
Neste artigo vou explicar os princípios gerais do BuJo, como esse método é carinhosamente conhecido pelos seus aficcionados. Na próxima semana darei algumas dicas sobre como o aplicar às nossas necessidades específicas enquanto autores.
Introdução
Já escrevi várias vezes sobre a importância de manter um registo de ideias e de outros tipos de informação necessária aos guionistas e escritores em geral. Por exemplo, neste artigo e também neste.
As ferramentas digitais são úteis e importantes, mas nada substitui um bloco de notas ou caderno em papel.
Pode ser num afamado Moleskine, num tradicional Caderno Azul ou num simples bloco de papel pautado, mas o registo manual da informação tem vantagens que os seus sucedâneos digitais ainda não superaram.
Convicto disto, tenho procurado ao longo dos anos a solução perfeita para manter esse registo escrito, tanto do ponto de vista material – cadernos, canetas, acessórios, etc. – como dos métodos – GTD, Autofocus, GSD, etc.
Como nunca encontrei o método ideal para mim, acabei por resignar-me a encher cadernos e cadernos com notas, listas, ideias soltas, numa espécie de tudo ao molho que lá ia servindo para as necessidades.
Até que, há uns meses atrás, descobri o Bullet Journal.
O sistema Bullet Journal
Na realidade, encontrei o site dedicado ao método do Bullet Journal já há dois ou três anos, quando procurava alternativas ao método Getting Things Done de David Allen, que sempre achei complicado demais.
Nessa altura vi o vídeo de introdução ao Bullet Journal e li algumas páginas de tutoriais. Por alguma razão, que não recordo, não me entusiasmei e segui em frente.
O que me faltou, percebo agora, foi ter aplicado o método de forma prática durante algum tempo. Só dando esse passo se consegue perceber as vantagens que este sistema, criado por um designer com problemas de concentração desde criança, oferece a todos os utilizadores.
O que é o BuJo?
A função do bullet journaling. segundo o seu criador, Ryder Carroll, pode parecer ambiciosa: registar o passado, organizar o presente e desenhar o futuro.
Na prática, é uma metodologia analógica de recolha, organização e processamento de toda a nossa informação pessoal e profissional – ideias, tarefas, listas, compromissos, notas, contas, etc. – que se baseia em meia dúzia de princípios muito simples.
Antes de passar a explicar essa metodologia, tenho de fazer um alerta: não se assustem com o que encontrarem no Instagram.
Se fizermos uma busca de #bulletjournal nessa plataforma vamos encontrar centenas de imagens coloridas, rebuscadas e laboriosamente apresentadas, que nos podem convencer de que o método se destina apenas a adolescentes criativas com demasiado tempo livre nas mãos.
Nada contra essas aplicações do bullet journaling, obviamente, se a nossa criatividade puxar para esse lado.
Mas a principal vantagem do BuJo é a sua praticidade e versatilidade – o caderno de notas de cada pessoa deve ser genuinamente seu, organizado especificamente de acordo com as suas necessidades, hábitos e tendências naturais.
Como funciona o Bullet Journal?
Para começarmos a criar o nosso Bullet Journal podemos usar qualquer caderno e lápis que estejam esquecidos numa gaveta. Mas, dado que esses instrumentos vão passar a fazer parte do nosso dia a dia, a experiência é muito mais agradável se usarmos um bom caderno e uma caneta confortável.
Eu uso atualmente um Caderno Azul, da marca portuguesa Firmo, e uma caneta da Lamy, mas já experimentei muitos outros tipos de blocos e ferramentas de escrita. Encontrar a combinação ideal também faz parte da atração do método.
Depois, o sistema resume-se a uns poucos conceitos fundamentais, que se cruzam e ampliam entre si.
As Colecções
Toda a informação que recolhemos no nosso caderno é organizada por tópicos, que aqui são designados por Colecções.
As notas sobre um projecto, os livros que estamos a ler, os hábitos que queremos manter ou uma lista de compras são alguns exemplos de Colecções possíveis.
Como fazemos para começar a reunir informação sobre um determinado tópico? Simples: vamos à primeira página em branco disponível no nosso caderno, numeramos a página, escrevemos o título do tópico no topo (perdoem-me a aliteração) e, voilá, criámos uma nova Colecção.
Porque é que devemos numerar as páginas? Porque o método Bullet Journal prevê um outro elemento que faz toda a diferença.
O Índice
No início de cada caderno devemos deixar algumas páginas em branco para incluir um Índice das nossas Colecções.
É nesse Índice que vamos registando sequencialmente as Colecções criadas e as respectivas páginas: Projecto X – 24-33; Projecto Y – 34-35; etc.
Esta ideia do Índice é só por si tão útil que a tenho aplicado aos meus cadernos antigos, passando horas a numera-los e a criar os respectivos Índices.
Desta forma esses cadernos tornaram-se verdadeiras ferramentas de produtividade e criatividade. Em vez de andar à procura de uma informação que recordava vagamente estar no meio de um caderno antigo, agora consulto os Índices e vou lá directamente.
Graças ao Índice, também não precisamos de saber antecipadamente quantas páginas vamos dedicar a cada Colecção. Conforme formos acrescentando novas notas, vamos registando no Índice as páginas em que as guardamos: Projecto X – 24-33, 40, 51-52, etc.
Para mim, este duo dinâmico – Colecções e Índice – foi revolucionário. Mas felizmente ainda há mais.
O Registo Mensal
O Bullet Journal prevê alguns tipos específicos de Colecções dedicadas à organização do nosso calendário. O primeiro é o Registo Mensal.
Basicamente, trata-se de uma lauda de duas páginas onde, no fim de cada mês, fazemos um planeamento para o mês seguinte. Os formatos variam mas, na versão mais simples, basta ter de um lado um calendário e no outro uma lista das tarefas que sabemos à partida que vão ocupar a nossa atenção.
Depois de despejarmos nesta lista as tarefas que temos na cabeça, percorremos as páginas do mês anterior para recolher as que ficaram por completar. A esta operação chama-se Migração, e falarei dela mais adiante.
Na página do calendário, anotamos logo os eventos ou compromissos que já tenham data marcada. Depois, durante o mês, vamos registando os eventos e compromissos que forem acontecendo. Dessa forma, no fim do período, essas laudas são um raio-x do que foi a nossa vida.
O Registo Futuro
O Registo Futuro é outra ideia interessante que adotei. Consiste em reservar um par de páginas, divididas em seis áreas, para escrever os eventos, compromissos e atividades que já estão previstos para os meses seguintes.
Serve para anotar coisas que sabemos que vão ser importantes para além do mês corrente: por exemplo, despesas programadas como impostos ou seguros; consultas médicas; períodos de férias; datas importantes, etc.
No início de cada mês, quando criamos o Plano Mensal, começamos por consultar o Plano Futuro para migrar os itens que aí tenhamos registados para esse período.
O Registo Diário
Juntamente com as Colecções e o Índice, o Registo Diário é o núcleo da actividade no Bullet Journal.
É perfeitamente possível gerir o nosso calendário numa agenda à parte, de papel ou electrónica, combinando-a com o BuJo. Muitas pessoas preferem essa solução, especialmente quando têm agendas muito carregadas e dinâmicas.
Mas sem Índice, Colecções e Registo Diário, já estamos a falar de outra coisa e não de bullet journaling.
O Registo Diário funciona assim: no começo de cada dia (ou na véspera, à noite, se preferirmos) criamos um cabeçalho com essa data e dia da semana.
A seguir a esse cabeçalho começamos a anotar as tarefas e compromissos previstos, usando os métodos de anotação de que falarei a seguir. Algumas dessas tarefas e compromissos podem ser novos, outros são migrados de dias anteriores, do Registo Mensal ou de alguma Colecção.
Ao longo do dia vamos consultando este Registo, marcando o que já está feito, e acrescentando novas tarefas e eventos.
Além disso, usamos o Registo Diário para escrever notas diversas sobre tudo o que nos parecer relevante: apontamentos de reuniões, ideias, reflexões, citações, tarefas para o futuro, etc.
Não há problema em estas notas ficarem misturadas com as tarefas e eventos, pois veremos adiante as formas de as distinguir. O objetivo é tirá-las da nossa cabeça e passá-las para o papel o mais rapidamente possível.
Como o já mencionado David Allen diz, “a nossa cabeça é boa para gerar ideias, não para as guardar”.
No fim do dia consultamos estas notas e fazemos a sua migração para onde encaixarem melhor: no Registo Futuro, numa Colecção já existente, numa nova Colecção, ou no Registo do dia seguinte.
Uma nota importante: para poupar espaço, os Registos Diários não são registados no Índice, apenas os Mensais. Se quisermos ver um dia específico procuramos a página do Registo Mensal que marca o começo desse mês e depois temos de procurar manualmente. Se tivermos feito a Migração da informação importante, como descrevo mais à frente, não será necessário fazer isto com muita frequência.
A Anotação Rápida
Outro dos pressupostos do bullet journaling é a economia e rapidez no registo da informação, em listas, através do que Ryder Carroll designa por Rapid Logging, a Anotação Rápida.
Para isso dividimos a informação escrita em três categorias, que cobrem todos os tipos de informação: Tarefas, Eventos e Notas.
Cada uma destas categorias é identificada por um símbolo diferente, marcado no início da linha em que registamos essa informação.
Na página do Bullet Journal são sugeridos alguns símbolos:
• as Tarefas são identificadas com um pequeno ponto;
o os Eventos com um pequeno círculo;
— e as Notas com um travessão.
Em relação às Tarefas, usam-se ainda algumas variações para indicar a sua situação em cada momento:
X quando terminamos uma tarefa desenhamos um X em cima do • inicial;
• quando migramos essa tarefa para outro dia colocamos um > antes dela;
•< se a migrarmos para o Registo Futuro colocamos um < depois do • inicial.
• se a tarefa deixou de ser relevante colocamos um traço por cima de toda a linha.
Além dos símbolos usados para identificar a informação, há outros que servem para lhes dar contexto adicional.
Na página do Bullet Journal são dados dois exemplos:
- • asterisco para indicar prioridade;
!- ponto de exclamação para marcar algo inspirador.
Eu pessoalmente prefiro usar um # para as prioridades, um ! para informação interessante, um ? para assuntos que quero explorar melhor, e uma ? para os meus favoritos.
A escolha dos símbolos é uma questão muito pessoal e que varia grandemente entre os praticantes do sistema. Por exemplo, muitas pessoas preferem usar quadrados para as tarefas, pois estavam habituadas a isso noutros sistemas.
Na realidade não interessa realmente que símbolos cada um de nós adota, apenas que sejamos consistentes no seu uso.
Para isso é sugerido escrever uma legenda no início de cada caderno. Eu escrevi a minha numa folha à parte, que transita de caderno para caderno.
A Migração
O último conceito importante a reter do bullet journaling é a Migração.
Periodicamente devemos revisitar as Tarefas, Eventos e Notas que registamos durante o dia, e migrá-las – ou seja, reescrevê-las – noutros locais relevantes.
É na Migração que, por exemplo, vamos transferir as Tarefas que não concluímos para o dia seguinte ou para uma lista futura; anotar um Evento em que participámos no nosso Registo Mensal; ou desenvolver uma Nota importante numa Colecção existente ou numa nova Colecção.
Esta reescrita pode parecer um trabalho desnecessário, mas há uma razão psicológica para que seja assim: o ato de escrever novamente uma informação convida-nos à reflexão e obriga-nos a ser conscientes sobre o que é importante.
Por exemplo, há alturas em que percebo que já migrei uma certa Tarefa diversas vezes, transferindo-a de dia para dia para dia… Nessas ocasiões o processo de Migração força-me a reflectir, com intencionalidade, sobre essa Tarefa.
Porque é que estou a adiar a sua resolução? Será que preciso de mais informação? Ou é complexa demais e deve ser dividida em sub-tarefas? Será que outra pessoa a poderia fazer melhor? Deveria ser adiada para outra ocasião futura? Ou simplesmente deixou de ser relevante e deve ser riscada das minhas preocupações?
Esta filtragem regular a que o processo de Migração obriga tem sido fundamental para mim. Noutros períodos da minha vida acumulava listas de tarefas que ocupavam inúmeras páginas e me levavam ao desespero. Não mais.
Conclusão da 1ª parte do artigo
O Bullet Journal tem-me sido muito útil tanto a nível pessoal como profissional. Na segunda parte deste artigo, a publicar na próxima semana, irei mostrar como o método pode ser adotado pelos guionistas e autores em geral.
Entretanto, se quiser ler uma entrevista com o autor do método, Ryder Carroll, em português, pode encontrá-la aqui.
Gostei do artigo, já usei algo parecido, até hoje ainda recorro as anotações quando me lembro de algo que tenha escrito na minha juventude, para mim funcionava como um bloco de notas onde eu rabiscava algumas citações, ou algo relevante.
Passei as anotações todas ao meu filho achando que não seria mais importante.
Com certeza este é mais prático. Vou praticá-lo , a ver vamos se me habituo.
Já agora vou fazer migração das anotações da adolescência, talvez encontre algo bastante inspirador.
Valeu professor.
Viva Edgar. Experimenta durante algumas semanas, acho que vais gostar.