Não há uma forma única de ser argumentista em Portugal; por isso, é preciso ouvir mais do que um testemunho para começar a perceber a realidade da profissão. Foi isso que a Comunidade Cultura e Arte fez, numa excelente reportagem de Lís Barros, em que cinco autores com percursos distintos partilham a sua visão sobre o que é escrever ficção para cinema e televisão, no nosso país, hoje.
Os depoimentos de Miguel Simal, Helena Amaral, André Guerra dos Santos, João Lacerda de Matos e António Ferreira não desenham uma radiografia muito otimista da nossa atividade. Mas são um banho de realidade que pode ajudar quem esteja a pensar lançar-se nesta profissão a avaliar os prós e os contras com mais conhecimento de causa.
Publicado recentemente no site da Comunidade Cultura e Arte, o texto aborda as características do mercado audiovisual em Portugal, as dificuldades que os guionistas enfrentam e as oportunidades (ou falta delas), e ainda o pouco respeito que, de forma geral, os autores recebem. Mas explora também outros temas como prémios, legislação europeia, organização profissional, e até a Inteligência Artificial. Como tal, a reportagem merece ser lida por extenso, mas deixo algumas citações diretas dos entrevistados para aguçar o apetite.
Miguel Simal, guionista e presidente da APAD – Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos:
“Currículo não paga contas”.
“A grande dificuldade em ser argumentista em Portugal tem a ver com a cultura audiovisual, as questões políticas e a manutenção da precariedade dos trabalhadores do setor que não são unidos o suficiente para verem a sua profissão como algo profissionalizado, ao mesmo tempo que vivem num país de grandes injustiças e acabam por ter de se deixar extorquir. Faço um projeto, ganho um prémio, mas isso não me dá a garantia de ter mais trabalho. No final de cada projeto volto sempre à estaca zero, aos concursos do ICA e à incerteza de não saber se vou ou não ganhar, e por ir outra vez às produtoras”.
”A vida de guionista em Portugal resume-se à altura do concurso de consulta de conteúdos da RTP, ao concurso do ICA de apoio à escrita ou ao desenvolvimento de séries: tens a sorte de ter algum currículo e vai nalgum pacote. Raramente tem a ver com a melhor história, tem a ver com sorte, o júri engraçar-se contigo ou não, estares numa produtora reconhecida e já teres também algum currículo”.
Helena Amaral, guionista e docente:
“As produtoras preferem pessoas menos qualificadas que aceitam ordens mais facilmente, do que o contrário. A democratização do acesso à profissão é útil mas trouxe uma competição ainda maior”.
António Ferreira, guionista, realizador e produtor:
“Na minha opinião, como produtor que também sou, não faz sentido gastar fortunas em arte, elenco ou imagem, se não temos uma boa história que está na base de um bom filme. Não se pode ter um bom argumento, se não valorizarmos o trabalho do argumentista”.
“É inadmissível que um argumentista que demora meses ou anos a desenvolver um guião de um filme receba, no final, menos do que um ator, um diretor de fotografia ou até do que um chefe eletricista”.
João Lacerda de Matos, guionista e professor de escrita:
”Em Portugal não é que seja difícil ser argumentista mas, antes, trabalhar numa indústria que não é muito diversificada e que ainda precisa de ter mais apoio que não pode ser só o ICA”.
A visão mais otimista de todos os entrevistados, com a qual termino, vem daquele que está há menos tempo na profissão.
André Guerra dos Santos, guionista:
“A criatividade é uma doença que se cura a escrever. Acho que nos devemos considerar artesões e logo os outros dirão se somos artistas ou não.”
É também curioso (e bastante triste) verificar que muitas das queixas dos autores atuais são as mesmas, ou semelhantes aquelas que partilhei numa entrevista de 2007 ao Correio da Manhã, quando ainda tinha algum cabelo e fui pela primeira vez presidente da APAD.
Leia a reportagem completa da Comunidade Cultura e Arte aqui =>