Na quarta feira passada cravei um jantar à produção dos telefilmes "Conexão" para assistir às filmagens das duas cenas da noite. Foi o último dia da equipa na região de Lisboa, antes de se mudar de armas e bagagens para o norte, onde será filmado o essencial da história.
"Conexão" são dois telefilmes sobre o tráfico de droga no Minho e Galiza, regiões que nos últimos anos se afirmaram como a principal porta de entrada de estupefacientes na Europa. É uma história clássica de ascenção e queda, de sucesso e corrupção, com dois núcleos dramáticos principais que correm em paralelo e convergem para um final comum. Não posso dizer muito mais, mas "Conexão" tenta dar uma ideia transversal deste "mercado emergente", desde os consumidores aos grandes empresários, passando pelos pequenos comerciantes e operários do tráfico de droga. Tem até os seus JEEP's (Jovens Empresários de Elevado Potencial).
O projecto é produzido pela Stopline Filmes, de Leonel Vieira, com duas produtoras da Galiza e Catalunha, e será exibido na RTP1 e em duas televisões dessas regiões espanholas. O próprio Leonel tomou conta da realização, enquanto espera pela estreia do seu filme mais recente, "A Arte de Roubar". O guião, como já referi noutro artigo, é meu a partir de uma sinopse do jornalista Jorge Almeida, que há uns anos atrás investigou os meandros desta actividade.
Pelo que pude perceber, o investimento de dois milhões de euros que está a ser nestes dois telefilmes, anunciado como o maior já feito para ficção televisiva neste formato, foi muito bem aplicado. O elenco, trilingue, é excelente, embora nas cenas de ontem só tenha podido apreciar o trabalho de Maria d'Aires, Mariana Monteiro e António Cordeiro. Este último, com um papel de grande peso dramático, vai ser uma revelação para quem tenha andado distraído nos últimos anos. É um actor completo, com as características que fazem um verdadeiro character actor: profissionalismo, versatilidade, carisma e gravitas. É pena só o vermos habitualmente em televisão, mas tenho a certeza que depois desta participação os papéis de cinema não vão faltar.
António Cordeiro é Mestre Mário David.
Isto porque "Conexão" está a ser produzido como se o seu destino fossem as salas de cinema e não o pequeno écrã. Não senti qualquer diferença entre este set de filmagens e os das longas metragens onde já estive, quer a nível do trabalho de realização, dos cuidados de produção, dos meios técnicos, ou do tamanho e qualidade da equipa envolvida. Para não falar do guião, que foi tão demorado e trabalhoso como qualquer outro guião de cinema que eu já tenha escrito.
Como curiosidade, deixo aqui o texto da primeira cena da noite, entre o Mestre Mário (interpretado por António Cordeiro) e a sua filha Sara (interpretada por Mariana Monteiro).
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INT. CASA DE MÁRIO DAVID/QUARTO DE SARA – NOITE
O Mestre Mário está sentado ao lado de Sara, que está vestida já com roupa do dia a dia. Tem melhor aspecto do que antes.
MESTRE DAVID
Tenho uma boa notícia para ti, Sara.
(pausa)
O exame da SIDA deu negativo. Tiveste muita sorte, filha.
A miúda agarra na mão do pai e fecha os olhos, aliviada. O pai leva-lhe a mão à boca, beijando-a.
SARA
Obrigada, pai. Obrigado por tudo. Eu… eu fui muito estúpida.
MESTRE DAVID
O que passou, passou. O futuro é que conta, agora.
SARA
Vais sair, esta noite?
MESTRE DAVID
Vamos pescar.
SARA
Quem é que vai contigo?
MESTRE DAVID
O Nelson e o Humberto.
Sara muda de expressão e baixa o olhar.
SARA
Ahhh…
MESTRE DAVID
Sara. Aconteça o que acontecer, lembra-te sempre: tudo o que eu faço; tudo o que fiz; tudo o que vou fazer – é por amor, por ti e pelo teu irmão.
SARA
Eu sei…
Mário faz-lhe uma festa nos cabelos e levanta-se, em direcção à porta.
SARA
Toma cuidado, pai.
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Para já, gostei muito do que vi nas filmagens. E o jantar também não esteve nada mal.
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