Como calcula, e se não já vai ficar a calcular, sou mais um da vaga de guionistas sem emprego. Sou daqueles que julgam que são e ainda não são porque fizemos o curso há pouco e ainda não fizemos nada. O que mais me chateia em toda a minha escolha é o facto de ter escolhido a função mais ingrata em todo o processo de produção audiovisual. É o facto de o ICA, aquando da avaliação de uma proposta de financiamento, dar mais ou menos pontos pelo realizador escolhido, pelo produtor, pela idoneidade da empresa proponente e só no fim é que vê se a história é interessante. Um guionista, por si só, não tem qualquer expressão. Um gajo que escreva, por mais arrogância profissional que tenha, leva-se ao ridículo se não for bem cunhado por uma equipa com renome. — João
Olá João, é verdade que os guionistas são, muitas vezes, o elo esquecido em todo o processo de produção audiovisual, como se pode ver pelo caso do Prémio Autores SPA/RTP, que tanta polémica tem dado. Mas essa situação só se conseguirá ultrapassar através da qualidade do trabalho, da nossa união enquanto classe, e da sensibilização da sociedade. O desânimo e o negativismo, nisto como em tudo na vida, não levam a lado nenhum.
Não entendi muito bem o tom da sua questão, por isso não vou contestá-lo, a não ser num ponto: a sua afirmação de que esta é a função mais ingrata em todo o processo.
Recordo-lhe apenas uma coisa – contrariamente a um produtor, que precisa de financiamentos para concretizar um projecto; contrariamente a um realizador, que sem produtor e sem uma enorme equipa não trabalha; contrariamente aos actores, que não são nada enquanto não têm um texto nas mãos (e um produtor, e um realizador…); contrariamente a todos eles, nós, guionistas, a única coisa de que precisamos é de uma ideia, um bloco e uma esferográfica. Nem precisa de ser daquelas de gel; Bic já está muito bem…
Eu não acho isto ingrato. Antes pelo contrário, acho um privilégio.
Por isso, aproveite esse privilégio e escreva. Se não tem nada agora, quando escrever um guião já terá qualquer coisa. E terá ainda a satisfação de ter feito essa coisa a partir do nada, sozinho, sem subsídios do ICA nem apoios do FICA.
Se não sentir satisfação com isso então tem é de ficar chateado consigo mesmo porque escolheu a profissão errada. Mas, como suspeito que ainda é muito novo, tem imenso tempo para procurar outra. Eu, por exemplo, era criativo publicitário e só escrevi e vendi o meu primeiro guião aos 38 anos. Sem estar cunhado por nenhuma equipa, com renome ou sem ele.
Sabe, isso me soou mais como uma desculpa por não conseguir emprego. Como você bem disse, João, os roteiristas/guionistas só precisam de papel, caneta e uma idéia para começar.
Será que já passou pela cabeça dessa pessoa que lhe escreveu, que ele pode muito CRIAR o seu próprio emprego? Não sei em qual área do roteiro em que ele quer trabalhar (pode ser muito bem em programas de TV, onde o trabalho não começa exatamente com o roteirista), mas quando digo criar, ele pode muito bem escrever um filme, uma série de TV e ir buscar alguma produtora que produza sua idéia, ou até mesmo um programa de variedades para TV ou outro gênero.
Diferente dele, eu não tenho curso! Estudei pela internet e totalmente sozinho, e estou aqui desempregado, fazendo um curso de design gráfico, algo que descobrir não gostar nem um pouco, mas por preconceito da minha família não posso fazer um curso de roteiro. Mas estou aqui, desenvolvendo uma série na qual espero trabalhar com ela.
Essa pessoa tem é que se considerar uma sortuda por fazer algo que gosta e não precisar viver na “clandestinidade” para desenvolver seus projetos. Não reclamar da profissão porque não lhe da emprego só porque ele é iniciante. Todos tiveram que começar de algum lugar, lembre-se disso.
Esse relato me pareceu como um arrependimento. Alguém que achou que gostava da profissão, achou que teria retorno rápido e garantido e se arrependeu. Assim como eu e o design gráfico.