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Perguntas & Respostas: o que é a “bíblia” de uma série de televisão

    Quando se cria uma série, envia-se a caraterização das personagens principais e secundárias junto do guião que mandamos para a produtora analisar? E em cada episódio, como é feita a caraterização das personagens que só aparecem naquele capítulo, tipo os pacientes de Grey's Anatomy? — Gonçalo

    Gonçalo, o documento a que se refere chama-se a "bíblia" da série e contém todos os elementos necessários para que os potenciais compradores da série a entendam em profundidade. Esta "bíblia" deve incluir, além das descrições dos personagens, a explicação do conceito da série, as principais opções estílisticas, descrições de décores, o resumo do enredo geral, sinopses  de alguns dos episódios (senão de todos), entre outros elementos que se julguem necessários para a melhor compreensão da série. Podem juntar-se imagens, diagramas, cronologias, listas, etc.

    Nas "bíblias" de algumas séries que criei incluí até entrevistas fictícias com os personagens principais, que ajudavam a caraterizá-los e davam uma amostra da sua personalidade e maneira de falar.

    Com o decorrer do tempo a "bíblia" de uma série pode – e deve – ser revista e atualizada com detalhes reunidos a partir dos guiões finalmente escritos e produzidos. A "bíblia" funciona assim como um repositório de tudo o que os guionistas sabem sobre o universo da série e os seus personagens. Dessa forma ajuda a evitar erros, contradições, repetições, e facilita a integração de novos elementos na equipa de escrita.

    Em algumas séries mais complexas, como o Lost, trabalham até profissionais – os script coordinators, ou coordenadores de guião – cuja função principal é manter a "bíblia" atualizada e saber tudo sobre os meandros da série. Já falei sobre esse tema num artigo anterior.

    Obviamente, a "bíblia" deve incluir também o episódio-piloto da série, que é o elemento mais importante de todos. É no episódio-piloto – o primeiro episódio da série – que se revelam realmente os personagens, se percebe o estilo e tom da série, e se conhece o universo que a série vem apresentar. Nenhuma "bíblia", por mais completa que seja, substitui um bom episódio-piloto, embora o inverso possa ser verdade – um excelente episódio-piloto pode dispensar a respetiva "bíblia".

    Indo mais diretamente à sua questão: só os personagens principais e recorrentes de uma série devem ter direito a uma biografia. Isto faz com que as "bíblias" raramente incluam a descrição de mais do que uma dúzia de personagens. As novelas, que têm elencos fixos muito mais extensos, são naturalmente uma excepção.

    Os personagens secundários e pontuais são apenas descritos no texto dos guiões, conforme vão surgindo em cena. Parte da arte de um guionista é escrever descrições curtas mas vívidas destes personagens. Note que se um personagem secundário ou pontual tiver sucesso e se quiser utilizá-lo mais vezes, pode ser útil incluí-lo na tal "bíblia" atualizada.

    Não esqueça, contudo, que o que melhor caracteriza os personagens (sejam principais ou secundários) não são as suas descrições mas sim os seus comportamentos e atitudes, as suas escolhas, o que dizem e o que fazem. Coloque-os perante dilemas, em situações de conflito que os obriguem a tomar decisões; descreva com coerência e rigor as opções que tomam, e terá personagens interessantes e bem caraterizados.

    Já escrevi vários artigos sobre a criação e descrição dos personagens, que talvez valha a pena ler:

    Se fizer uma pesquisa no blogue com certeza encontrará ainda mais artigos sobre o tema.

    5 comentários em “Perguntas & Respostas: o que é a “bíblia” de uma série de televisão”

    1. Ola Joao,

      Tenho uma duvida que talvez ajude muitos outros jovens guionistas. Trata-se de como proceder no registo de series de TV, junto do IGAC. Deve-se registar a Biblia, contendo o maior numero de guioes de episodios, ou somos obrigados a registar cada guiao de episodio individualmente?

      Obrigado
      Pedro

      PS: Peco desculpa pela ausencia de acentos e cedilhas.

      1. Se quiser poupar dinheiro penso que pode juntar a bíblia e todos os guiões num único documento e regista-lo assim. Desde que entregue apenas um .pdf no momento do registo parece-me que fica tudo em ordem, e com o mesmo nível de proteção que teria se os registasse individualmente.

    2. Pingback: A pesquisa como recurso narrativo | Ficção em Tópicos

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