Tenho uma dúvida e gostava que me desse uma ajuda: quando estamos a escrever um guião e sabemos onde situar uma determinada cena, que conhecemos, sabemos onde fica etc, devemos descrever o local ou podemos colocar uma foto da rua numa espécie de anexo? — Pedro
Caro Pedro,
Num guião não há lugar a mais nada senão palavras, escritas em Courier tamanho 12. Nada de fotografias, de esquemas, de mapas, de ficheiros mp3, ou de aplicações interativas.
Desde o início do cinema já foram escritos milhares e milhares de guiões (milhões?) sem necessidade de mais nada senão a palavra impressa, e não há nenhuma razão para começar agora a abrir exceções. Colocar imagens, notas de rodapé, apartes, citações, referências académicas, etc. num guião só serve para o qualificar como amador e garantir que não vai ser levado a sério.
Se quer situar a cena que está a escrever num local específico deve simplesmente indicá-lo no cabeçalho e colocar na descrição da cena os elementos necessários e suficientes para que se entenda o ambiente e a acção que lá vai decorrer. Isto é válido quer se trate de uma rua de Lisboa contemporânea, de Évora do século XII ou de Coimbra no ano 2300.
Tem de descrever o local da ação sempre partindo do pressuposto que o leitor não conhece o local descrito, mas também sem exagerar na quantidade de detalhe. Parágrafos extensos de descrição só servem para tornar mais difícil a leitura do guião, quebrando o ritmo e dificultando a 'entrada' na estória. E por muito detalhe que coloque, nunca vai ser suficiente na fase de produção. Assim, é melhor privilegiar a fluidez da leitura e o ritmo da narrativa, e deixar o leitor preencher os detalhes com a sua imaginação.
Em projetos televisivos é costume acompanhar os guiões dos episódios pilotos com um documento explicativo a que se chama a 'bíblia' da série. Nesse documento, juntamente com as descrições dos personagens, o resumo do enredo geral da série, e outras informações úteis, é possível e comum colocar fotografias. Mas só na 'bíblia'; nunca nos guiões.
Hum. Percebo a importância de explanar o máximo possível através das palavras, mas a verdade é que essa tendência começa a mudar. Exemplo será o guião de Sideways.
Sugiro este artigo- http://www.intellectbooks.co.uk/journals/view-Article,id=8442/
(clicar na revista para download gratuito do pdf do artigo)
O link que enviou é muito interessante e vou ler os artigos sugeridos. Tudo o que convide à reflexão crítica é importante e bem vindo.
Já em relação à referência que faz ao guião do filme “Sideways”, confesso que não entendi o seu exemplo.
Em que é que esse guião contradiz o que eu escrevi no artigo, ou mostra alguma nova tendência?
“Sideways” é um dos meus filmes favoritos dos últimos anos, e o seu guião é dos melhores que já li. Quebra algumas ‘regras’ dramáticas com ousadia e talento, sem que isso diminua o interesse ou a qualidade do filme.
Mas o guião de “Sideways” é perfeitamente convencional na forma como está escrito. E ‘convencional’, aqui, não tem demérito; quer dizer apenas que, em termos de forma, respeita perfeitamente as convenções vigentes e aceites no mercado. É talvez um pouco maior do que a média, com 140 páginas (e muitas cenas omitidas, que indiciam que a primeira versão devia ser ainda maior) mas fora isso é um guião perfeitamente normal.
O que queria dizer com o seu comentário?.
Sim, na altura não referi que o exemplo do Sideways vem no artigo :) A versão que terá lido, provavelmente a mesma que folheei, é a versão final para publicação, mas o processo de criação da mesma e rascunho final eram diferentes.
Depois diga o que achou do artigo, não defendo que agora se deva encher os manuscritos com desenhos e fotos, mas as coisas poderiam ser um pouco mais flexíveis. Afinal, o objectivo final é contar uma história, não ser excelso na prosa..