O anúncio de que o XIX Governo constitucional não teria um Ministério da Cultura, mas sim uma Secretaria de Estado, desagradou à maior parte dos agentes culturais portugueses. E isso apesar do respeito mais ou menos unânime que recebeu o nome escolhido para Secretário de Estado, o escritor, editor e cronista Francisco José Viegas.
Com a divulgação do programa do novo governo é agora possível avaliar os objetivos que Francisco José Viegas se propõe alcançar. O mínimo que se pode dizer é que são ambiciosos.
Destaco, por serem muito importantes para o setor do cinema, em que me enquadro prioritariamente, os seguintes compromissos do programa:
- Promulgar uma nova Lei do Cinema em seis meses. Recordo que o executivo anterior andou às voltas com este objetivo durante mandato e meio sem resultados concretos. Deixou uma nova lei quase pronta que, apesar de um pouco manca, tinha algumas boas ideias. Espero que o novo governo aproveite as melhores partes dessa lei, a estenda até onde ela não teve coragem de ir (mecenato, novas fontes de receitas, respeito pelas audiências, etc.), e cumpra o prazo prometido.
- Reavaliar a execução e gestão do FICA – Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual. O FICA foi uma boa ideia mal executada. Espero que a análise independente da sua atividade permita aproveitar o que ele tinha de melhor, removendo todos os impedimentos e complicações que impediram maior utilidade.
- Tomar em conta audiências e resultados de bilheteira na concessão de novos apoios à produção. É escandaloso que haja em Portugal um fosso tão grande entre os filmes portugueses e o público, como se alcançar uma boa audiência fosse uma mácula para o pedigree de um cineasta. No resto da Europa o panorama é completamente diferente, e não me parece que isso seja motivo de preocupação para os profissionais. Já estava na altura de um responsável pela Cultura assumir que esta situação tem de ser alterada, por muito que isso desagrade a alguns lobbies.
- Reservar parte do investimento do ICA para novos talentos e filmes não comerciais. É fundamental assegurar a renovação dos criadores nacionais, abrindo portas a novos talentos. Numa indústria "cara" como o cinema isso implica apoios públicos. O mesmo se aplica aos filmes comercialmente "difíceis" – documentários, animação, filmes mais experimentais ou autorais, etc. Uma indústria saudável também precisa desses filmes para evoluir artisticamente. E se o nosso mercado, por ser muito pequeno, não os consegue suportar, então há razão para o Estado suprir essa falha. A única condição, do meu ponto de vista, é que filmes como esses não podem ser a regra, como na prática o são agora.
- Promulgar uma nova Lei reguladora da gestão dos direitos de autor. É essencial que a nova lei equipare os direitos dos autores audiovisuais e literários aos autores musicais. Em Espanha, por exemplo, o audiovisual já representa mais de 50% das receitas das sociedades gestoras de direitos de autor. Em Portugal o panorama deveria ser muito semelhante, se a lei refletisse a realidade. Esperemos que a nova lei o venha a fazer.
O que fica de fora? Por um lado, um reconhecimento mais explícito da importância dos autores/argumentistas, e da necessidade de apoiar o seu trabalho para conseguir dar a reviravolta de que o setor necessita. Mas admito que isto seja excesso de zelo da minha parte, como argumentista.
Por outro, uma tomada de consciência de que as novas tecnologias criarão novas formas de relacionamento entre autores e audiências. Uma nova geração de criadores já está aí, filmando com qualidade HD em telemóveis, editando nos computadores portáteis, publicando os seus vídeos diretamente na internet. O Estado também pode e deve incentivar estes novos criadores.
Dou desde já os parabéns ao novo secretário de Estado, e desejo-lhe um longo período de graça. Espero sinceramente que consiga dar andamento a todas estas iniciativas, provando que o que importa não é a orgânica do governo, mas sim a capacidade de execução dos governantes. O setor agradece.