Encontrei recentemente um ideia original sobre a aplicação de um conceito oriundo da psicologia, a pirâmide de Maslow, na avaliação do potencial comercial de uma estória. Foi no livro Screenwriting Unchained, de Emmanuel Oberg, uma obra bastante desequilibrada mas com uma abordagem interessante a alguns aspectos da dramaturgia.
Como já vimos antes a essência do drama é a luta por um objetivo: alguém quer algo relevante e encontra resistência para o conseguir. Sem estes três elementos – o protagonista; o objectivo; e a resistência – não há conflito, e sem conflito não há drama. A pirâmide de Maslow oferece-nos uma nova lente para avaliar a influência do tipo de objetivo no sucesso de uma obra.
A Pirâmide de Maslow
A Pirâmide de Maslow, também designada por Hierarquia das Necessidades de Maslow, é um conceito originalmente apresentado pelo psicólogo norte-americano Abraham H. Maslow. Segundo ele, existe uma ordem hierárquica que define as condições necessárias para que uma pessoa atinja a satisfação plena.
A Pirâmide de Maslow divide-se em cinco níveis hierárquicos, que correspondem a diferentes tipos de necessidades. Na base da pirâmide estão as necessidades mais prioritárias para a sobrevivência, seguindo-se progressivamente outro tipo de necessidades, cada vez mais complexas.
Os cinco níveis da Pirâmide de Maslow são:
- Necessidades fisiológicas como a fome, a sede e a respiração; a excreção; o sexo; a roupa; etc.
- Necessidades de segurança, como a protecção da vida; o abrigo; o trabalho; a saúde, etc.
- Necessidades sociais, como a de se sentir parte de um grupo social; o amor; a amizade; a família, etc.
- Necessidades de estima, como a auto-estima; o reconhecimento dos pares; o status social; o poder, etc.
- E, finalmente, Necessidades de auto-realização, em que a pessoa tenta maximizar o seu potencial; desenvolver a criatividade; procurar o desenvolvimento espiritual e moral; encontrar um sentido para a vida, etc.
Obviamente não há limites estanques entre estes níveis, mas Maslow argumentava que só depois de satisfazermos, pelo menos parcialmente, os níveis mais básicos da hierarquia de necessidades é que passamos a preocupar-nos com os seguintes.
Resumindo: quando não conseguimos respirar, não nos preocupamos com o sentido da vida; apenas com o seu fim eminente.
Aplicação da Pirâmide de Maslow à dramaturgia
A originalidade da ideia de Emmanuel Oberg está em associar os sucessivos níveis da pirâmide de Maslow a diferentes tipos de audiências de cinema.
Os níveis mais baixos da hierarquia das necessidades são universais, e podem ser entendidos por pessoas de todas as culturas e níveis sociais; inversamente, os níveis mais elevados elevados são mais dependentes da cultura, educação, língua, etc. e portanto alcançam um número mais restrito de pessoas. Dado que o potencial comercial de um filme está intimamente relacionado com o número de pessoas a quem ele pode interessar, haveria então uma relação direta entre a pirâmide e o sucesso de audiências.
Segundo esta ideia, teríamos cinco níveis sucessivos de públicos de cinema, desde os mais básicos (no origianl, lowbrow) até à dos críticos e festivais de cinema. Esta graduação corresponderia também às diferenças entre quem procura no cinema uma resposta mais emocional e quem prefere a satisfação mais intelectual.
Quanto mais alto a questão dramática de um filme se encontra na pirâmide de Maslow, mais se sobe nesta hierarquia de audiências, e portanto menos pessoas estarão potencialmente interessadas na estória.
Pelo contrário, quanto mais abaixo na pirâmide de Maslow se coloca o problema dramático do filme, mais a sua audiência potencial cresce. De forma geral, há mais pessoas a gostar de filmes básicos de acção, sexo e comédia crassa, do que a procurar épicos dramáticos, e ainda menos a selecionar filmes experimentais e de autor.
Como aplicar esta ideia
A recomendação de Oberg é que, se a questão dramática da nossa estória está nos níveis de topo da pirâmide, devemos tentar introduzir na estória ou execução alguns elementos de níveis mais baixos, para alargar o seu alcance. Por outro lado, se a questão dramática é mais básica, a introdução de elementos dos níveis mais altos da pirâmide pode ajudar a chegar a públicos mais sofisticados, conferindo-lhe credibilidade.
Por exemplo, a Marvel e a DC Comics têm tentado introduzir nas suas aventuras de super-heróis alguns elementos dos níveis mais elevados da hierarquia (sociais e de auto-realização) como forma de alargar o interesse dos seus filmes a audiências mais sofisticadas. Nascem assim personagens mais ricos, atormentados, com necessidades emocionais mais complexas, como o Batman atual, que acrescentam uma camada adicional a filmes que, na sua essência, são muito básicos.
No sentido contrário seguiram clássicos como Lawrence da Arabia, cujos autores partiram de uma questão claramente no topo da pirâmide – a procura de um sentido na vida – mas conseguiram acrescentar-lhe elementos mais básicos, como a luta pela sobrevivência física, que alargaram imensamente a sua audiência potencial, juntando o sucesso comercial ao aplauso crítico.
Se está neste momento a desenvolver ou escrever um guião, considere a possibilidade de analisá-lo à luz da pirâmide de Maslow.
O seu protagonista, ou protagonistas, devem ter algum objetivo, que responde a um determinado tipo de necessidade. Em que nível da pirâmide de Maslow colocaria essa necessidade? É mais simples e emocional, como a luta pela sobrevivência material? Ou é mais complexa e intelectual, como a necessidade de auto-realização?
Depois de fazer este primeiro exercício, considere que tipo de elementos poderá introduzir na sua narrativa para alargar o seu alcance a outros níveis da pirâmide, mais acima ou mais abaixo. Se a sua estória está perto do topo, haverá algum tipo de sub-objetivos ou narrativas paralelas que nasçam nas hierarquias inferiores e possam ser introduzidos sem diluir as suas intenções? Pelo contrário, se a estória responde a necessidades mais básicas e emocionais, haverá um ou mais elementos de nível superior que possam acrescentar-lhe complexidade e interesse intelectual?
Conclusão
Como é óbvio, neste aspecto como em todos os outros aspectos da dramaturgia, não há regras universais nem atalhos para o sucesso. Até porque a definição de sucesso varia de autor para autor.
Mas a aplicação da pirâmide de Maslow na avaliação de uma estória é mais uma ferramenta que podemos guardar no cinto. Os escultores andam à volta das suas obras para as ver de diversos ângulos e perspectivas, com diferentes iluminações e contrastes. Os guionistas só têm a ganhar se souberem fazer o mesmo, com as ferramentas que estão ao seu dispor.