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António-Pedro Vasconcelos deixou-nos cedo demais

    O dia 5 de Março de 2024 trouxe uma notícia que me chocou profundamente: a poucos dias de celebrar 85 anos, António-Pedro Vasconcelos, o realizador de Perdido por Cem, O Lugar do Morto, Jaime, Os Imortais, Call Girl, entre tantos outros filmes inesquecíveis do Cinema português, viu a legenda “FIM” ser escrita no guião da sua vida.

    Tive o privilégio de trabalhar com o António-Pedro Vasconcelos num filme que, por motivos que não vêm agora ao caso, nunca passou do guião: uma adaptação para cinema do conhecido disco de Rui Veloso e Carlos Tê, Mingos & Os Samurais.

    No decurso dos meses em que desenvolvemos esse projeto consolidou-se uma amizade que se manteve ao longo dos anos mas que eu, nos últimos tempos e para meu prejuízo, não soube cuidar devidamente.

    O António-Pedro era um homem de causas: o Cinema, obviamente e em primeiro lugar, em que foi um dos nomes mais importantes no nosso país e pelo qual pugnou durante toda a vida. Inicialmente, ainda na ditadura, para ajudar a impor o Cinema Novo Português, com o filme Perdido por Cem. Mais tarde, para o conciliar com as audiências e arrancar das mãos elitistas dos autores (ele, que era um AUTOR como poucos se podem arrogar) através de filmes como O Lugar do Morto, Os Imortais ou o mais recente, Parque Mayer.

    Poucas coisas incomodavam mais o A-PV do que a separação entre o público português frequentador dos cinemas e os filmes nacionais pensados apenas para Festivais. Ouvi-o discorrer sobre esse tema vezes sem conta.

    Mas também o ouvi falar de muitas outras causas, desde os mecanismos de apoio do ICA ao serviço público da RTP, do Acordo Ortográfico (que odiava) aos direitos dos argumentistas (que sempre defendeu). Recorri a ele muitas vezes, aliás, para conselhos ou uma opinião, nas duas ocasiões em que fui Presidente da APAD, a associação dos argumentistas portugueses.

    © Ana Catarina Araújo

    Falámos pela última vez, há alguns meses, sobre assuntos relacionados com os guionistas, tema que o apaixonava como tudo o que se relaciona com esta linda atividade de contar estórias através da imagem e do som. Depois disso fui adiando a marcação de um almoço, que estava prometido mas que o ramerrame do dia a dia fez com que nunca acontecesse.

    Agora, só nos poderemos voltar a sentar e conversar sobre cinema e literatura, sobre a vida, política e o Benfica, quando nos encontrarmos lá em cima, junto às estrelas.

    Estrelas que, suspeito, desde anteontem brilham com uma chama um pouco mais intensa.


    Foto de capa: © Gonçalo Rosa da Silva

    Foto no corpo do artigo: © Ana Catarina Araújo

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