O FrenesiDeEscrita 2013 terminou mais uma semana, e com isso divulgo mais cinco dicas de escrita que enviei diariamente aos participantes.
DICA #11
Conflito, conflito, conflito…
"— Hoje à tarde, saí de casa e fui à padaria.
Silêncio.
— E…?
— Mais nada. Foi isso. Saí de casa e fui à padaria."
Esta é, possivelmente, a estória mais chata do mundo.
A não ser que…
…o protagonista sofra de agorafobia, doença psicológica que o mantém preso em casa há anos, como Sigourney Weaver em Copycat. Nesse caso sair de casa e ir à padaria pode ter sido uma luta titânica – contra si mesmo e os seus medos.
E é de lutas, titânicas ou não, de conflitos, que se contrói o drama.
Um personagem tem um objetivo. Consegue-o sem luta. Ninguém liga.
O mesmo personagem tem o mesmo objetivo. Mas, desta vez, tem obstáculos no caminho. Conflito. Surpresas. Aqui, sim, as coisas aquecem.
Quais são os tipos de conflito que o seu protagonista pode encontrar? Com ele mesmo? Com um opositor ou uma força antagónica? Com a sua família ou vizinhos? Com a sociedade? Com espíritos superiores?
Qualquer uma dessas forças – ou todas elas – podem ser antagonistas à altura do seu protagonista. Certifique-se apenas de que ele as encontra no caminho.
DICA #12
Surpresas, surpresas, surpresas…
O outro grande elemento do drama, além do conflito, são as surpresas.
Como David Mamet diz, a única obrigação do guionista é manter os espectadores curiosos sobre o que vai acontecer a seguir. Se não houver surpresas, se tudo for plano e previsível, isso será impossível. Filme sem surpresas não consegue prender o espectador.
Os nossos amigos gregos, a quem tanto devemos em termos de dramaturgia, já falavam nas peripateia – as peripécias. Segundo eles, tratavam-se dos eventos que, mantendo-se dentro do verossímil, imprimiam um rumo diferente e inesperado ao curso da narrativa. As nossas surpresas, portanto.
Alfred Hitchcock, nas entrevistas que deu a Truffaut, diz preferir o suspense à surpresa, como refiro no artigo 17 do curso de guião.
De acordo com a sua teoria, é mais eficaz saber que há uma bomba que pode explodir a qualquer momento, do que vê-la simplesmente explodir. Concordo com ele, mas…
…a apresentação da bomba, e da possibilidade da sua explosão, já foi só por si uma surpresa. Ao acrescentar o elemento de suspense estamos simplesmente a espremer todo o potencial dramático dessa surpresa.
E no seu guião, que surpresas existem que implicam uma mudança do rumo da estória? Se não houver nenhuma, onde poderia incluí-las? Faça isso e terá seguramente uma estória mais interessante.
DICA #13
Escolhas, escolhas, escolhas…
No cinema, ao contrário da literatura, temos acesso muito limitado à introspeção dos nossos personagens. A única maneira de os conhecer é ver como se comportam – o que dizem e o que fazem na sua realidade ficcional.
Para isso, para podermos revelar os seus comportamentos, temos de criar situações que os obriguem a agir. Mas, melhor ainda, é criar situações em que os obriguemos a fazer escolhas, pois é através dessas escolhas que mostramos quem eles realmente são.
Se lançarmos um carro contra o nosso protagonista, forçamo-lo a agir, desviando-se do carro.
Se enviarmos um carro contra ele e a sua mulher, forçamo-lo a escolher entre dois cursos de acção: desviar-se sozinho, ou salvar a mulher primeiro, com risco da própria vida.
Mas se enviarmos dois carros, um contra a sua mulher e outro contra a sua mãe, criamos um dilema – uma escolha sem solução ótima. Essa escolha difícil revelará ainda mais sobre ele.
Crie cenas que obriguem os seus personagens a fazer escolhas. Quanto mais difíceis forem, mais reveladoras de caráter serão, e o seu guião ganhará com isso.
DICA #14
Como escrever uma boa cena
O guionista John August escreveu em tempos um artigo sobre como escrever uma cena. Ryan Rivard, um outro guionista, fez um infografismo inspirado nesse artigo que teve bastante divulgação no Twitter:
Em suma, para escrever um guião cheio de boas cenas, deverá dar estes passos para cada uma delas:
- O que tem de acontecer nesta cena?
- Qual a pior coisa que aconteceria se esta cena fosse omitida?
- Quem tem de estar nesta cena?
- Onde é que esta cena pode ter lugar?
- Qual a coisa mais surpreendente que poderia acontecer nesta cena?
- É uma cena longa ou uma cena curta?
- De que três formas diferentes esta cena poderia começar?
- Imaginar esta cena a correr na nossa mente.
- Escrever uma versão resumida.
- Escrever a versão longa.
- Repetir 200 vezes (uma para cada cena do guião).
Pessoalmente, acho que falta um aspeto muito importante: o que muda na estória com esta cena? Se nada mudar, a nível do curso da trama ou da evolução emocional – mesmo que seja uma mudança muito pequena – então possivelmente a cena não faz falta e deve ser cortada.
A maior parte dos pontos referidos por John August são óbvios e não exigem grande explicação, mas chamo a atenção para o 4 e o 5.
Ponto 4 – Qual é o local mais interessante em que a cena pode desenrolar-se? O que é que esse local pode acrescentar ao drama, ao interesse, à emoção da cena?
Em televisão temos normalmente de usar os mesmos decores repetidamente. No cinema, pelo contrário, tentamos – dentro dos limites do razoável – reduzir ao mínimo as repetições dos cenários.
Quanto ao ponto 5 – Este é um exercício para fazer sempre, mas para aplicar apenas de vez em quando.
Como o próprio John August explica: "Dê a si próprio a oportunidade de fugir à escaleta e considerar algumas possibilidades loucas. E se um carro rebentasse a parede? E se o herói se engasgasse e morresse? E se um miúdo vomitasse um dedo?"
Não é para usar estas possibilidades loucas em todas as cenas, obviamente. Mas se em algumas cenas do seu guião introduzir algum elemento completamente inesperado, vai ganhar vivacidade e energia com isso.
Siga estes passos na escrita das suas cenas (ao fim de algum tempo eles tornam-se praticamente instintivos) e o seu guião só terá a ganhar.
DICA #15
Elipses e ritmo narrativo.
Uma das principais regras na escrita de uma cena é "entrar tarde, sair cedo". Ou seja, começar a cena o mais perto possível do seu núcleo dramático e sair dela logo que a sua razão de ser esteja cumprida.
Para o fazermos recorremos normalmente à elipse narrativa, uma das principais ferramentas do guionista.
Segundo a definição da Wikipedia, suficiente para o nosso âmbito, "Em narrativa, elipse é a exclusão, pelo narrador, de determinados acontecimentos diegéticos, dando origem a vazios narrativos, mais ou menos extensos. A elipse é um processo fundamental da técnica narrativa, pois nenhum narrador pode relatar com estrita fidelidade todos os pormenores da diegese".
A diegese, se está a interrogar-se, é a realidade ficcional que criamos para os nossos personagens, o mundo em que eles habitam e se movem.
O que é que a definição acima quer então dizer?
Se o nosso protagonista vai visitar a namorada – uma cena possível no seu mundo ficcional – nós não precisamos de mostrá-lo a pegar na chave do carro, sair de casa, descer as escadas, atravessar a rua, entrar no carro, ligar o carro, fazer uma trajetória tipo Google Street View, estacionar o carro, sair do carro, tocar à campainha, etc, etc. Com o trânsito que há normalmente, teríamos gasto metade do filme só nessa cena.
Em vez disso, podemos simplesmente passar dele a agarrar na chave do carro para ele a tocar a campainha. Ou, melhor ainda, cortar simplesmente para o nosso personagem a fazer um café, já na cozinha da namorada.
No entanto, se a visita dele se destinasse a discutir um assunto delicado, poderíamos querer introduzir alguns planos do seu trajeto. Dessa forma introduziríamos um atraso artificial na estória, reduzindo o seu ritmo.
A elipse é, pois, uma espécie de potenciómetro que nos permite aumentar ou diminuir o ritmo de uma narrativa, acelerando ou atrasando a passagem de uma situação para outra.
O ritmo final de um filme será resultado das decisões do realizador e editor do filme na fase de montagem, manuseando cenas, aparando diálogos, cortando planos. Mas a definição desse ritmo começará sempre no guião que estamos a escrever.
Que cenas ou momentos do seu guião pode cortar ou prolongar? Como é que isso afecta o ritmo narrativo da sua estória? Tenha consciência disso e dominará melhor a experiência dramática dos seus leitores/espectadores.