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A arte no limite – lições de Fátima Toledo

    O artigo de hoje é escrito pelo guionista brasileiro Pedro Santos. Trata-se de uma resenha de um livro sobre o trabalho da preparadora de atores Fátima Toledo.

    Pedro Santos é roteirista no Brasil. Escreveu e dirigiu o documentário “Paredes Pintadas” (Brasil, 2010), sobre mulheres que combateram a ditadura militar. Cursou o Conservatory Screenwriting na New York Film Academy (Nyfa), em Los Angeles, e atualmente, trabalha como roteirista freelancer.

    No que a arte de preparação de atores se parece com a escrita de um roteiro?

    À primeira vista, essas duas áreas são bem diferentes. Se o roteiro é geralmente criado como um trabalho solitário entre o escritor e suas ideias, a preparação de atores é feita em colaboração de equipe geralmente muito tempo depois que o roteiro foi finalizado. Mas no livro Fátima Toledo, interpretar a vida, viver o cinema, a preparadora Fátima Toledo mostra muitos aspectos da preparação de elenco que podem contribuir, e muito, para a confecção do filme desde a fase do roteiro.

    Desde que começou a trabalhar nessa área, em 1981 com o filme Pixote, de Hector Babenco, Fátima passou a desenvolver e aprimorar um modo de trabalho que fizesse os atores viverem seus personagens de uma forma visceral e de certa forma naturalista. O chamado Método, que Fátima desenvolve até hoje, propõe colocar os atores em contato com as situações do roteiro sempre voltando a atenção para contradições e sentimentos reprimidos.

    No livro, que surgiu a partir de depoimentos de Fátima ao professor Maurício Cardoso, a preparadora de elenco relembra sua trajetória pelos filmes em que trabalhou. Não à toa, todos eles tiveram grande destaque e chamaram a atenção justamente pelas atuações fora do comum.

    “Compreendi que não existe personagem mesmo, mas situações a serem vividas pelo ator. A verdade do ator deve estar presente na cena, senão ele se torna refém de uma construção artificial que costumamos chamar de personagem.”

    Em depoimento no livro, o diretor Karim Ainouz, que trabalhou com Fátima em O Céu de Suely, ressalta a importância do Método na Retomada do Cinema Brasileiro.
    “É como se o trabalho dela viesse a contribuir para tirarmos a poeira de um cinema que se colocava perto demais da televisão, da fala e da ausência de corpo, para um cinema mais próximo da dinâmica, do movimento do cinema em si, do coração.”

    Em outro trecho, Wagner Moura, que trabalhou com a preparadora em Cidade Baixa e Tropa de Elite, afirma: “Fátima não trabalha com a ideia de personagem. Para ela, o personagem é você mesmo posto em contato com as situações dadas no roteiro”.

    Isso chama a atenção para uma das controvérsias que envolvem o Método. Há quem afirme que Fátima destrua os atores, revelando aspectos até então não conhecidos (o lado Sombra, como ela diz)  ou mesmo resgatando lembranças pessoais dolorosas do passado. Tanto é que muitos atores que trabalham com ela relatam situações de grande instabilidade física e emocional por conta da rotina rigorosa dos treinamentos.
    O resultado costuma ser atuações no limite, cuja verdade dos personagens é transmitidas nas situações propostas no roteiro. Já os críticos do Método afirmam que o ator não é preservado durante o processo doloroso de criação do personagem. Trata-se do embate antigo entre pessoa e personagem e os limites (ou a falta deles) na hora da gravação.

    Fátima, que pessoalmente também se envolve muito com cada projeto, afirma:
    “Hoje faço um exercício para separar minha energia das situações vividas no filme e das pessoas que participam dele. É um exercício interno que me libera dos sofrimentos experimentados durante os ensaios.”

    No ponto de vista da produção de roteiros, as lições de Fátima ensinam a encontrar a diferença entre a individualidade do roteirista e o universo particular dos personagens. Ela defende que o objetivo final da prática do método deve ser experimentar os focos nas diferentes relações entre as personagens, nos afastando das aparências imediatas de cada cena.

    Com as lições de Fátima Toledo, é possível ressaltar um dos elementos mais complicados na hora de escrever uma estória: o subtexto. O não dito, os gestos, as reações, as contradições e mesmo os pensamentos reprimidos desempenham uma função capaz de adicionar uma série de dimensões à estória como um todo. É dessa forma que o conhecimento do Método de Fátima Toledo pode contribuir para a criação de obras mais completas, duradouras e interessantes.

    Referência: CARDOSO, Maurício “Fátima Toledo, interpretar a vida, viver o cinema”, editora LiberArs, São Paulo, SP, 2014

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