João de Mancelos é professor de Guionismo na Universidade da Beira Interior, e de Escrita Criativa na Universidade de Aveiro. É autor de vários livros de poesia, conto e ensaio e, agora, de um Manual de Guionismo.
Em Portugal há uma enorme carência de livros didácticos sobre escrita, em geral, e sobre o guionismo em particular. Um lançamento como este deve, pois, ser sempre saudado.
Ainda não tive oportunidade para o ler, mas pelos elementos a que tive acesso, e que partilho a seguir, parece-me uma obra bem conseguida e que, com certeza, encontrará muitos leitores entre os que se interessam por esta arte/técnica de escrever guiões.
Passo a divulgar os elementos informativos que recebi sobre o Manual de Guionismo de João de Mancelos, incluindo um excerto de um dos capítulos.
Sinopse
Manual de Guionismo é um livro indispensável para quem desejar escrever um argumento para curta ou longa-metragem, televisão ou cinema. Inclui técnicas que levam o escrito desde a ideia à leitura final, passando pela construção das personagens e da intriga. Inclui numerosos exemplos, recorrendo a clássicos do cinema e a filmes recentes, a películas norte-americanas ou europeias. Propõe ainda exercícios divertidos, que podem ser feitos individualmente ou em grupo, dentro ou fora da sala de aula.
Índice
- A arte de bem mentir
- Um guião é um manual de instruções
- Talento, técnica e trabalho
- Pensar visualmente
- Mostrar vs. contar
- Como tirar um génio da lâmpada
- As ideias também têm género
- E se…?
- Do papel à celuloide
- Brincar aos deuses
- Converse com o seu amigo imaginário
- Fale como deve ser
- Para amar um grande herói
- A mão, o braço e o ombro
- O mau da fita
- Que sarilhada!
- Como fazer a vida negra ao protagonista
- Da caverna para as estrelas
- O paradigma de Syd Field
- Um caso do outro mundo
- Solte o animal simbólico que há em si
- Seja senhor do tempo
- O seu palco é o mundo
- Atar as pontas
- Ttulo e tag line
- O segredo da sinopse
- Como ser um bom reescritor
- Em boa forma
- Cenas extra
- O making of deste manual
Excerto do livro Manual de Guionismo (Lisboa: Edições Colibri, 2013).
3 – Talento, técnica e trabalho
O que é necessário para escrever um bom argumento? No início de cada ano letivo, na primeira aula, costumo escrever no quadro estas palavras: talento, técnica, trabalho. São os três “tês”, como lhe chamo. Alguns alunos olham para estes termos interrogativamente, enquanto outros percebem, de imediato, que falo das qualidades essenciais a um bom escritor ou guionista.
O talento (seja ele para a poesia ou romance, para o guião ou texto teatral) nasce com cada um de nós e encontra-se gravado no código genético. É muito mais do que o jeito ou inclinação para as letras: trata-se dessa vontade irreprimível de escrever, que apenas se sacia ao pôr mãos à obra.
O talento, claro está, não se pode transmitir em curso algum, nem se aprende com a mera leitura de manuais. Se o leitor destas linhas não o possuir, sugiro-lhe que devolva de imediato este livro e recupere o dinheiro desperdiçado. Se, pelo contrário, sentir que foi feito para a escrita, que as ninfas e os faunos o escolheram, então, prossiga a leitura.
Outra qualidade fundamental reside no conhecimento da técnica. Imagine-a como um meio de transporte (uma bicicleta, por exemplo) que lhe permite viajar desde o ponto de partida de um projeto (ou seja, a ideia) até à obra de arte. Não basta desejar escrever um guião; é necessário saber como redigi-lo.
Ao longo deste manual, aprenderá técnicas para gerar personagens memoráveis; estruturar enredos cativantes; criar situações de suspense, que deixam o espetador com o coração nas mãos; manipular o tempo de uma história, de forma a torná-la irresistível.
No entanto, para escrever um guião de qualidade, não basta possuir o talento e a técnica. Ao longo dos anos, conheci numerosos aspirantes a escritores e a guionistas com vocação e até conhecimento dos métodos essenciais ao ofício das letras. Muitos começaram por se devotar, com entusiasmo, a um projeto. Depois, como corredores que perdem o fôlego nos primeiros quilómetros de uma maratona, desistiram. Nunca mais vi os seus nomes nas capas dos livros, nem nos créditos finais dos filmes.
Careciam de uma terceira qualidade, sem a qual nunca ninguém concretizará o seu projeto: o trabalho. Ou seja, o esforço, a disciplina, a capacidade de pôr mãos à obra — mesmo depois de um dia exaustivo no emprego, quando tanta gente prefere abrir uma lata de cerveja e sentar-se em frente à televisão ou ler uma revista.
A propósito do labor, recordo-me sempre da série Fame/Fama (1982-1987), que seguia, episódio após episódio, na minha adolescência. No genérico, a professora Lydia Grant, que não tinha papas na língua, advertia os alunos: “Têm grandes sonhos? Querem fama? Bem, a fama tem um preço. E é aqui mesmo que começam a pagá-lo: em suor”. Duas décadas depois, este conselho continua a ressoar na minha mente.
Um caso exemplar de esforço e persistência é o de Creighton Rothenberger, autor do argumento de Olympus Has Fallen/Assalto à Casa Branca (2013), um filme de ação. Numa entrevista à revista Script, Rothenberger explica o segredo do seu sucesso. Decidido a ser guionista, todos os dias se levantava às quatro horas da manhã, encontrando assim algum tempo para escrever, antes de ir para o emprego. Em 2002, obteve uma bolsa, Academy Nicholl Fellowship e, em breve, começou a laborar no guião com a esposa, Katrin Benedikt. De início, o casal tentou vender o argumento, sem êxito e, por isso, foi labutando noutros projetos. Até que, por fim, transcorridos nove anos, a Millennium Films comprou Olympus Has Fallen/Assalto à Casa Branca (2013), um sucesso de bilheteira.
Neste ponto, você pode perguntar: se possuir talento, vontade de aprender a arte da escrita e estiver disposto a sacrificar muito tempo livre, conseguirei singrar como guionista?
Infelizmente, não possuo uma bola de cristal, pelo que é impossível dar-lhe uma resposta afirmativa. Contudo, posso garantir-lhe que um escritor devidamente preparado está em melhores condições de enfrentar as exigências de uma produtora do que um que confia, ingenuamente, só no talento.
O mercado é competitivo e a procura de guionistas é escassa, sobretudo no nosso país, onde apenas existem alguns canais de televisão, e rareiam os apoios à sétima arte. Como explica Charles Deemer, no manual Screenwright: The Craft of Screenwriting (1998), mesmo nos EUA, uma nação vocacionada para o cinema, são submetidos a apreciação mais de cem mil argumentos por ano, mas apenas algumas centenas recebem luz verde (pág. 16). Outras estatísticas referem que só um em cada cem ou mesmo um em cada cento e trinta guiões é aceite.
Como no filme Matrix/Mesmo título em português (1999), dos manos Wachowski, você pode escolher o comprimido azul e rejeitar o desafio do guionismo. No entanto, se optar pelo comprimido vermelho, a sua missão será criar e partilhar sonhos com os espetadores do mundo inteiro. As histórias que inventar ficarão fixadas em celuloide e em memória digital, para poderem ser apreciados agora e para sempre.
Mancelos, João de. Manual de Guionismo. Lisboa: Edições Colibri, 2013.
O Manual de Guionismo de João de Mancelos pode ser adquirido aqui
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