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As merdosas primeiras versões

    Noutro artigo aqui publicado um guionista conhecido exortava-nos a deitar fora os primeiros ‘maus guiões‘. O objetivo era expurgar de dentro de nós as ideias mais básicas e ao mesmo tempo ganhar a rodagem necessária para escrever bons guiões.

    Agora é a vez da escritora americana Anne Lamott nos incitar a deitar cá para fora, sem medo, as versões ‘merdosas‘ do que queremos escrever. ‘Escrever é reescrever‘, como tem sido aqui dito e repetido muitas vezes. A versão incial de qualquer texto, aquilo a que alguns argumentistas chamam o ‘vomit draft‘, serve para explorar territórios desconhecidos. Às versões subsequentes competirá restabelecer a ordem.

    Mas passemos à citação, porque as palavras dela são bem mais eloquentes do que as minhas:

    “Para mim, e para a maior parte dos escritores que conheço, a escrita não é coisa que nos deixe em êxtase. Na verdade, a única maneira que encontrei para conseguir escrever seja o que for é escrever primeiras versões realmente merdosas.

    A primeira versão é a versão da criança, aquela em que deixamos sair tudo cá para fora, e vamos a todo o lado, sabendo que ninguém vai ver o que estamos a escrever e que podemos sempre dar-lhe forma mais tarde.

    Devemos deixar a criança dentro de nós tomar o controle e decidir quais as vozes e visões que vão vir à superfície e aparecer na página. Se um dos nossos personagens quer dizer “E então, Sr. Calças Borradas?“, nós deixamo-lo. Ninguém mais vai ler essas palavras. Se a criança quiser aventurar-se por territórios sentimentais, lamechas, emocionais, deixamo-la ir lá. Devemos pôr tudo no papel, porque pode haver algo de excecional nessa meia dúzia de páginas alucinadas, algo a que não chegaríamos nunca pelos nossos meios racionais, de crescido. Pode haver algo na derradeira linha do derradeiro parágrafo da página seis que nos vai encantar, algo tão maravilhoso ou selvagem que nos mostra sobre o que estamos realmente a escrever, ou em que direção devemos ir – mas não há como chegar lá se não tivermos passado primeiro pelas outras cinco páginas e meia.” – Anne Lamott

    Todas estas citações de escrita que tenho vindo agora a reunir destinam-se a sevir de inspiração a quem tenha decidido aceitar o desafio que lancei há uns dias: escrever um guião neste ano. Lembre-se – são apenas duas páginas por semana. Mesmo contando com as ‘versões merdosas‘, tem muito tempo para chegar ao fim do ano com uma versão boa dessa estória que tem vindo a adiar escrever.

    Foto original aqui

    2 comentários em “As merdosas primeiras versões”

    1. Ola. Gostaria de dizer que achei fantástico o seu site. Há um material muito rico aqui, e o mlhor, é em português. Sou brasileiro, de uma cidade chamada Itapira, que fica próxima a São Paulo. Sou um entusiasta do mundo dos roteiros mais do que um roteirista profissional. E sei o quanto é difícil achar material em nossa língua. Parabémns pelo site e continue com a iniciativa, porque o seu site é realmente muito bom.
      Abraços e saudações
      Emílio Poletto

    2. Obrigado Emílio. Não lhe respondi em 2010, do que me penitencio, mas respondo agora. Treze anos depois, como me sugeriu, tenho continuado a publicar mais alguns materiais no site; ultrapassei há poucos dias os 1700 artigos.
      Talvez já seja roteirista profissional hoje, talvez continue um amador apaixonado; seja qual for a sua situação, espero que estas peças tenham contribuído, de alguma forma, para a sua “Viagem do Escritor”. Boa sorte, boas escritas e votos de muito sucesso.

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