Avançar para o conteúdo

Curso #4: Ideias procuram-se

    No mundo alucinante dos filmes, não nos devemos alhear de um conceito fundamental: a ideia reina.

    Jeffrey Katzenberg

    Um guião começa sempre com uma ideia.

    Esta pode surgir das formas mais variadas: uma linha de diálogo que ouvimos, um personagem curioso que imaginamos, uma notícia que lemos ou uma situação que nos parece interessante. Mas é fundamental que essa ideia exista, e seja adequada para o meio para o qual estamos a escrever.

    Como é óbvio, não há receitas infalíveis para achar uma ideia e, muito menos ainda, para achar uma boa ideia.

    Felizmente há maneiras de pôr o motor em marcha, pistas que podemos seguir para tornar mais fácil o processo, e maneiras de avaliar se as ideias que temos são ou não adequadas para um guião de cinema ou televisão.

    Toda a gente tem ideias

    O paradoxo das ideias é que elas são simultaneamente fáceis e difíceis de achar.

    É incrível a quantidade de pessoas que já me disseram que tinham uma ideia óptima para um filme. O conselho que eu lhes dou é sempre o mesmo: Então senta-te e escreve-o.

    Isso costuma ser um balde de água fria – elas prefeririam que eu pegasse na ideia que me estão a oferecer e só a largasse quando o guião estivesse pronto.

    O que essas pessoas, por muito bem intencionadas que sejam, parecem esquecer, é que escrever é difícil e demorado.

    Não basta ter uma ideia, mesmo que seja uma boa ideia.

    É preciso ter uma ideia que queiramos passar à escrita.

    Uma ideia que seja relevante para nós, que tenha a ver com as nossas preocupações, interesses, motivações, anseios. Com os nossos sonhos e medos.

    Uma ideia que seja suficientemente cativante para nos levar a passar vários meses sentados à frente de um computador, ocupando todas as horas livres de outras ocupações, em detrimento de estar com a família ou com os amigos.

    Essa ideia é difícil de encontrar.

    O que faz uma boa ideia

    Eu tenho ideias espalhadas por todo o lado: em caixas, em caderninhos, em documentos no meu computador.

    Sei que vou escrever algumas dessas ideias, quando for a altura certa; outras, desconfio que nunca passarão disso mesmo – ideias numa gaveta.

    O que é que distingue umas das outras? Por outras palavras, o que é que define uma boa ideia para um guião de cinema ou de televisão?

    Em primeiro lugar tem de ser uma ideia que eu tenha mesmo vontade de escrever.

    Se não for assim, a única coisa que essa ideia me vai trazer é sacrifício, noites mal dormidas, e desculpas para fugir da escrita. Provavelmente nunca chegará a ser terminada 1.

    E isto mesmo que seja uma ideia genial. Escrever um guião já é suficientemente difícil quando se faz por gosto, quanto mais por obrigação.

    Em segundo lugar, tem de ser uma ideia que outras pessoas queiram ver.

    A tradição narrativa em que o cinema se insere implica que haja um narrador e uma audiência. Esta pode ser de milhões, como num filme comercial, ou mais reduzida, como num filme de autor destinado a passar em festivais.

    Mas não tem sentido escrever para cinema se não pensarmos que, potencialmente, alguma pessoa além de nós vai achar o resultado interessante.

    Em terceiro lugar, a ideia tem de ser original.

    Isso não quer dizer que ela seja 100% inédita. Alguns milhares de anos de estórias contadas e escritas tornam a originalidade absoluta uma meta inatingível.

    Mas a ideia tem de ter alguma coisa de especial, de diferente, de inovador.

    Pode ser um personagem, uma relação, o tom escolhido ou o ponto de vista adoptado.

    Pode ser a situação de partida, o universo em que decorre, ou uma volta inesperada no enredo.

    Idealmente será uma combinação de várias destas coisas.

    Ninguém quer escrever uma história igual a tantas outras. E até mesmo o espectador menos exigente exige alguma novidade em troca do tempo que está a dispensar.

    Em quarto lugar, tem de ser uma ideia eminentemente cinematográfica ou televisiva, ou seja, que aproveite bem as características específicas do meio de difusão para o qual estamos a escrever.

    Uma boa ideia para televisão pode não ser a mais adequada para um filme; uma maravilhosa peça de teatro pode não ter as características certas para uma série de televisão; e aí por diante.

    Usar ideias que sejam adequadas para cada meio é uma forma de tornar mais fácil o nosso trabalho ao desenvolvê-la .

    Por último, a ideia deve poder ser explicada em poucas palavras.

    À falta de melhor palavra, podemos chamar a isso o isco – o resumo daquilo que torna a ideia original e atractiva para outras pessoas.

    Esta condição é essencialmente prática.

    Quando escrevemos um guião temos uma razoável esperança de vir a convencer alguém de que ele dará um bom filme ou série de televisão.

    Mas as pessoas que têm esse poder nem sempre têm tempo para ler o guião completo, ou ouvir as nossas explicações detalhadas. Poder resumir-lhes em poucas palavras o que torna a nossa ideia tão especial é um trunfo importante.

    Conclusão

    Resumindo, uma boa ideia para um guião/roteiro tem de ser:

    • Relevante para nós
    • Relevante para outras pessoas
    • Original
    • Adaptada ao meio
    • Fácil de explicar

    Exercício

    Tem alguma ideia que gostasse de tentar desenvolver num guião? Quantos destes critérios ela respeita?

    Artigo atualizado em 20022023

    Notas de Rodapé

    1. A não ser que um contrato nos obrigue a terminá-la num determinado prazo. Nesse caso temos mesmo de fazer das tripas coração e seguir até ao fim.

    15 comentários em “Curso #4: Ideias procuram-se”

    1. Pingback: joaonunes.com | Curso rápido: encontrar a ideia

    2. Tenho acompanhado o seu ” curso” de guionismo no se blogue. Tem despertado em mim um interesse incrível, pois, fazer guionismo é sem dúvida uma ambição minha. Escrevi à pouco tempo uma peça de teatro ” Chega-te pra lá que cabe mais uma”. Tata-se de uma comédia adolescente. Pelo que percebi, os guiões de teatro são um pouco diferentes dos de televisão e cinema … mas por outro lado há muito em comum. Gostava de falar um pouco mais consigo acerca do tema.
      Sem mais assunto, Marlene Barreto

    3. jose manuel mira santos militao

      é um assunto interessante mesmo eu não tendo nenhuma experiência nesta área,mas como já trabalhei na área das artes gráficas o assunto apela a minha atenção,gostaria caso fosse possivel saber um pouco mais sobre o assunto mais a fundo.

    4. Pingback: Curso #19: do storyline ao guião

    5. Bem, é muito interessante o seu jeitto de mostras as informações sobre como escrever roteiros. O fato é que estou querendo escrever um “guião”, e até tenho boas ideias, mas não sei coloca-las em praticas;e esse curso esta me ajudando …

      1. A minha ideia “suicida” foi exatamente essa: colocar à disposição dos leitores deste site as ferramentas para poderem ser melhores argumentistas, e encher o mercado de concorrentes para me roubarem todos os trabalhos.
        Estou a brincar ;-)
        A concorrência é saudável e o pior que pode acontecer é os argumentistas atuais serem obrigados a esforçar-me ainda mais, para fazer cada vez melhor trabalho. Se isso significar uma melhoria do nível geral das estórias, é bom para todos, e para o cinema em primeiro lugar.

    6. Estou aqui no Brasil, no estado do Ceará fazendo inclusão social com oficinasa de roteiro, bebendo dessa fonte fantástica que é sabedoria desse grande roteirista.
      João Nunes. MUITO OBRIGADO!!!!

    7. Boa tarde, João, primeiramente gostaria de agradecer por tua generosidade em compratilhar tuas experiência conosco.

      Depois, agradecê-lo em prticular, por me dar esta chance de aprender contigo algo tão grandioso. Escrevo desde sempre e tenho um livro publicado em 2005, pela universidade de Letras do estado Paraná – BR.

      Tenho milhares de leitores pela internet, e te confesso que adoro cinema, e que também, escrevi algumas coisas para o teatro amador, sem grandes relevâncias.

      Ví, através de tuas aulas, tutoriais etc. que tenho muito que aprender, tenho duas ideias amadurecidas na cabeça para um roteiro, até comecei, pelo word, mas baixei o Celtx e me enrolei todo com ele, ai, quando buscava coisas relacionadas, tive esta imensa satisfação em encontrar teu blog e aqui fiquei a tarde toda. agradeço-te muito, foi maravilhoso!

      Que Deus o recompense com mais talento ainda – grande abraço.
      João, estamos no Facebook, no Twitter, blog orkut e outras paginas.
      ZéReys – poeta do profundo.
      Estamos aqui nas terras descoberta por Cabral, hoje, um país maravilhoso!

    8. João,

      Muito grato pelas excelentes orientações que nos proporciona neste site.

      Sucesso sempre!

      Josias Brasil
      Salvador – Bahia – Brasil

    9. Meu caro João

      Tenho um filho de 16 anos, que se chama João também. Ele aspira ser um escritor de roteiros de Cinema. Só há cursos nessa área para quem já tem mais de 18 anos. Conheces algum grupo que se reúna para dividir ideias ou mesmo para falar de Cinema?

      Agradeço se puderes ajudar esse miúdo que não existe para os cursos tradicionais.

      Obrigada

      1. Viva Elizabeth, se tiver possibilidades para isso, a minha sugestão é ir alimentando esse interesse do seu filho com outras fontes, enquanto espera pelos 18 anos.
        Por exemplo, com workshops e cursos curtos, como os da Act ou da EscreverEscrever (entre outras escolas nacionais); com cursos online, como os da Domestika, Masterclass ou BBC, entre muitas opções; e com livros, alguns dos quais refiro na página de Recursos.
        Também há sites, como este e outros que poderá encontrar com facilidade.
        Muitas destas fontes são em inglês, mas isso normalmente não é problema para os nossos filhos e será essencial para o seu futuro.
        Crie-lhe também condições para escrever, porque é através da prática da escrita que se evolui. Se ele tem mesmo essa vocação e vontade, o mais importante é não atrapalhar mas também não ter pressa demais. Ele encontrará naturalmente as formas e os caminhos, ao seu ritmo.

    10. Mas, eis que a Escrever Escrever exige a idade mínima de 18 anos para suas oficinas e workshops, restando apenas os cursos de verão para os menores. Só queria entender a razão dessa exigência, já que é impossível contorná-la.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

    Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.