No primeiro ato faz o teu protagonista subir a uma árvore; no segundo ato, atira-lhe pedras; no terceiro, desce-o com elegância. – Autor anónimo
Na estrutura narrativa clássica todas as estórias têm um princípio, um meio e um fim. Esta é a base do que se convencionou chamar o modelo em três atos, de que temos falado abundantemente em artigos anteriores.
No artigo precedente analisámos com algum detalhe os passos e componentes essenciais para a escrita do primeiro ato. Vamos agora fazer o mesmo em relação à etapa seguinte, o segundo ato; uma etapa com os seus desafios próprios, em que, mais tarde ou mais cedo, quase todos os guionistas encalham.
Por alguma razão um dos nomes pelos quais este ato intermédio é conhecido é “complicação” 1.
O segundo ato carateriza-se, essencialmente, pelo aumento progressivo da tensão dramática, obtido através da escalada constante do conflito e da introdução de surpresas.
Como já vimos antes, drama é conflito, e em lado nenhum isso é mais verdade do que nesta fase. Decidido a alcançar um determinado objetivo, o protagonista enfrenta forças antagónicas, obstáculos e complicações cada vez mais sérias, intensificando as nossas dúvidas quanto à sua capacidade de sucesso.
O Mundo Especial
Estes obstáculos e complicações decorrem, muitas vezes, naquilo que se convencionou chamar o Mundo Especial, por oposição ao Mundo Normal onde geralmente encontramos o protagonista no início da estória.
Esse Mundo Especial pode ser um território físico e geográfico diferente, como as estradas americanas de Little Miss Sunshine, a zona vinhateira de Sideways, ou a Middle Earth d’O Senhor dos Anéis, ou pode ser um território simbólico, emocional ou psicológico, como a entrada na equipa de investigação em O Silêncio dos Inocentes, a realidade de uma adolescente grávida em Juno, ou a decisão de prosseguir com o tratamento da gaguez n’O Discurso do Rei.
É muito comum que a entrada no Mundo Especial – o início da “viagem do herói”- seja marcada pela travessia de alguma espécie de portal, real ou simbólico. Quando isso acontece, essa passagem do Mundo Normal para o Mundo Especial define o 1º ponto de viragem da estória, marcando o início do segundo ato.
Por exemplo, em True Grit a protagonista Mattie tem de atravessar a cavalo um rio de águas caudalosas, quase sendo arrastada pela corrente; em Little Miss Sunshine a família embarca, com dificuldade, na carrinha que os vai conduzir durante todo o segundo ato; em Matrix Neo toma a pílula e acorda no mundo real; n’O Fugitivo o dr. Kimble mergulha nas águas da barragem, num “batismo” de que renasce para o segundo ato.
É também frequente que neste portal haja um guardião, um personagem que convida, alerta ou tenta impedir o protagonista.
Em True Grit é o barqueiro, um personagem secundário, que recebe instruções para impedir Mattie de atravessar o rio; Gerrard, o antagonista d’O Fugitivo, desempenha na cena da barragem a mesma função. Já em Matrix é Morpheus, o mentor de Neo, que tem o papel precisamente oposto – é ele quem convida o protagonista a fazer a travessia, mas dando-lhe a opção de fugir.
Há um terceiro elemento que também se encontra muitas vezes neste tipo de cenas — um objeto ou símbolo que funciona como chave para abrir o portal.
Em alguns casos é algo óbvio como a pílula que Neo toma, ou o disco gravado que Lionel entrega a Bertie, n’O Discurso do Rei. Mas pode ser mais subtil, como o cão que é entregue a Melvin Udall em Melhor é Impossível, obrigando-o a iniciar a sua viagem de regresso à humanidade.
Finalmente, esta travessia do portal é geralmente uma cena ou sequência de maior nível emocional – mais grandiosa, com mais ação; mais espetacular, com mais conflito; de maior tensão psicológica, ou mais divertida, dependendo do género do filme.
Em Juno, por exemplo, é a primeira reunião com o casal de pais adotivos, Mark e Vanessa (com a advogada destes a fazer de guardiã do portal); já n’ A Ressaca é a cena em que reencontramos os protagonistas no quarto de hotel completamente abandalhado – e com um tigre à solta.
Mattie atravessando o portal
Complicações, tantas complicações…
No segundo ato o protagonista começa a tomar decisões de acordo com um plano, que podemos conhecer ou não. Mas conforme as coisas evoluem e se complicam, e há novas surpresas, viragens e revelações, ele poderá precisar de rever, ampliar ou trocar de plano.
Os obstáculos e as contrariedades, nomeadamente as causadas pelas forças antagónicas, que têm os seus planos próprios, começam a fazer-se sentir em toda a sua dimensão.
Recordo que o mecanismo de progressão dramática depende das escolhas do protagonista. Para cada escolha, e consequente ação, do herói há uma reação oposta das forças antagónicas.
Esta reação frustra normalmente as intenções do protagonista, obrigando-o a tomar novas decisões e empreender novas ações, numa cadeia de eventos que conduz a estória até ao seu desenlace. Este choque permanente entre o plano do protagonista e os planos dos antagonistas é a espinha dorsal do 2.º ato.
A estória é tanto mais emocionante quanto mais acentuado for o movimento centrípeto de aproximação entre o protagonista e os seus antagonistas. Isto é mais fácil de conseguir quando um e outros têm o mesmo objetivo; para um alcançar o sucesso, o outro tem de falhar. Indiana Jones quer a Arca Perdida, tal como os nazis; Jackie Brown, no filme com o mesmo nome, quer o dinheiro de Ordell; em A Rede Social, Mark Zuckerberg quer o controle do Facebook, exatamente como os irmãos Winklevoss.
Outra estratégia para aumentar o conflito é fazer exatamente o oposto: o que protagonistas e antagonistas querem, nesse caso, é contraditório entre si.
Se os vilões querem fazer explodir uma bomba, compete aos heróis impedi-lo; se o Terminator quer matar Sarah Connor cabe a Kyle Reese travá-lo; se Erin Brockovich quer condenar uma grande empresa a pagar indemnizações, os advogados da companhia querem ilibá-la das suas responsabilidades.
No exemplo que temos vindo a seguir mais de perto, Juno, o primeiro antagonista é a própria gravidez. Se Juno quer ter uma vida normal de adolescente, a gravidez vai fazer tudo para a impedir.
Também neste caso se mantém a lógica de ações e reações já referidas. A cada movimento de uma das partes segue-se a resposta contrária, criando uma nova situação, que leva a novos movimentos, sempre num crescendo de tensão e conflito.
Atualizado em 25/01/03
ola bom dia, olha meu nome é Cristiano moro em lisboa ja a 10 anos e sou apaixonado no cinema, e sempre quis estudar cinema mas aqui encontrei um pouco de dificuldade financeira ja 1 ano e tal que não trabalho, e fico sem condiçoes pra isso, vou embora em maio deste ano e pretendo estudar cinema na minha cidade Goiania….quero, alias se tu puder me dar uma dica, quero fazer uma longa-metragem comédia romantica. ja tem alguma coisa em mente ja fiz minha plataforma que todo realizador faz..a agora é preciso uns acertos mais tecnicos.obrigado mano.
A dica que dou é que veja o maior número possível de comédias românticas, incluindo todos os clássicos do género, para tentar perceber o que funciona bem. E depois tente arranjar uma maneira nova de contar essa velha estória do “garoto conhece garota, garoto perde garota, garoto recupera garota” (ou vice-versa), abordando por um ângulo que nunca tenha sido explorado. O que, devo confessar, está cada vez mais difícil. Boa sorte em Goiania, e boas escritas.
Caro João Nunes, sentei em frente a este PC do qual o escrevo por volta das 10h (da manhã) e agora às 19:23 (noite) acabei de ler todos os posts referente ao “curso de roteiros”. E tenho muito a lhe agradecer pela disponibilidade, compreensão, dedicação e compartilhamento de tanta informação dessa área. Realmente muito grato e que o tempo seja genoroso contigo e lhe conceda extras para finalizar este curso. Abraços!!! P.S: To fazendo uma lista de dúvidas. Risos!!
Obrigado. Estou a tentar publicar mais uns artigos em breve. O próximo já está quase terminado. Vamos ver…
Quanto às dúvidas, venham elas. Cada pergunta interessante que me fazem poupa-me tempo a pensar em temas de novos artigos ;-)
Olá, João! Este seu blog é incrível. Não sou roteirista, apenas uma observadora da sétima arte, mas as informações que você passa fazem com que vejamos o cinema com olhos bem críticos. Sempre fiquei intrigada com aqueles filmes que deixam uma impressão estranha, de que terminaram apenas porque a verba acabou e tiveram que encerrar o projeto. Agora tenho muitos elementos com que entender o processo de construção dos filmes. Obrigada e um abraço!
Ainda bem que o blogue é útil também para os amantes de cinema, mesmo que não escrevam. Neste caso, boas sessões!
Pingback: João Nunes | 2º ato | Curso #22: escrever o 2º ato - continuação | argumento, Curso de guião, curso de guión, curso de roteiro, escrita, guião, guion, roteiro, técnica |
Pingback: João Nunes | steve jobs | Aaron Sorkin inova na biografia de Steve Jobs | Aaron Sorkin, Apple, cinema, guião, Mac, roteiro, Steve Jobs |