O foreshadowing é uma das técnicas narrativas mais utilizadas na escrita audiovisual. Como tal, é fundamental conhecê-la e dominá-la, especialmente para quem está a escrever filmes ou séries televisivas em géneros de alta tensão dramática.
O que é O Foreshadowing
Designamos por foreshadowing, ou prenúncio, todos os elementos narrativos que são introduzidos na estória com a intenção de antecipar eventos futuros, dando indícios de que alguma coisa importante, normalmente grave, vai acontecer mais à frente.
Ao sugerir o que pode acontecer mais tarde na estória, o foreshadowing mantém o interesse do espectador e dá uma sensação de coesão e inevitabilidade ao enredo.
É uma ferramenta muito utilizada para criar ou ampliar o clima de tensão emocional de um filme. Como tal é muito utilizada em filmes de terror ou em thrillers, mas pode ser adaptada e usada em qualquer tipo de narrativa.
Usado desde há muito na literatura, o foreshadowing transitou naturalmente para a linguagem audiovisual.
Muitos prenúncios resultam de elementos cinematográficos que não dependem do guionista – música, enquadramentos e movimentos de câmara, ambientes e direção de arte, fotografia, etc. – mas outros há que podem e devem estar já presentes no guião.
Tipos de foreshadowing
De uma forma muito geral, podemos distinguir dois grandes tipos de foreshadowing: o direto e o indireto.
No primeiro caso, as referências ao que vai acontecer são relativamente explícitos e óbvias, confundindo-se por vezes com outras ferramentas dramáticas como o plantar e colher, ou a “arma de Tcheckov”. É o que acontece, por exemplo, em Psycho, o filme de Hitchcock, quando o simpático Norman Bates comenta com a protagonista Marion que “Toda a gente enlouquece um pouco de vez em quando“, minutos antes de a esfaquear na famosa cena do chuveiro.
No segundo caso, os indícios introduzidos são bastante mais subtis e escondidos, e por vezes só são percebidos numa segunda visualização da obra. Filmes como O 5º Sentido ou Os Suspeitos do Costume estão cheios de indícios deste género, o que torna tão agradável revê-los mesmo depois de conhecermos os seus surpreendentes finais.
A lista de possibilidades de criação de prenúncios é infinita, mas podemos organizá-los em algumas grandes categorias:
- Características dos personagens – certos personagens têm características tão marcadas, ou tão contraditórias com as do protagonista, que nós não temos dúvidas de que eles vão tornar-se mais cedo ou mais tarde um problema. É o caso do Coronel Quaritch, em Avatar. Logo que ele surge com o seu discurso militarista instala-se em nós a certeza de que ele vai ser o principal antagonista do herói Jake Sully, apesar de nesse momento os dois estarem ainda na mesma equipa.
- Elementos materiais – são objetos, lugares ou outros elementos físicos que indiciam a existência de problemas. Quando, no mesmo Avatar, Jake Sully desembarca em Pandora e assiste à passagem de um imponente trator com os enormes pneus cravados de setas gigantes, fica claro o tipo e a inevitabilidade do conflito em que ele se vai envolver.
- Elementos simbólicos – figuras, cores, elementos gráficos, padrões ou outros elementos visuais que de uma forma muito subtil geram percepções quase inconscientes. Um exemplo famoso encontra-se no filme The Departed, em que todos os personagens que vão morrer aparecem pelo menos uma vez em situações em que há um X em destaque na imagem, seja pintado, numa tela de computador, marcado numa parede, etc. Já em O Padrinho, outro filme de Scorcese, é a presença de laranjas que marca os personagens que vão morrer. Nestes casos os elementos simbólicos não estavam previstos no guião, mas nada nos impede de sugerir outros símbolos nas nossas páginas.
- Comportamentos – certas ações e atitudes dos personagens indiciam a presença de ameaças potenciais. No início de Drácula: O Despertar do Mal (The Last Voyage of the Demeter) um marinheiro foge do navio Demeter quando vê uma marca gravada nos caixotes de madeira que estão a ser carregadas para bordo. Noutra cena, um pouco mais adiante, o chefe da caravana que transportou esses caixotes para o porto benze-se ao ver o navio a afastar-se, já no mar.
- Diálogos – as palavras proferidas por um personagem, intencional ou involuntariamente, podem fazer disparar os radares dos espectadores. Por exemplo, em Jurassic Park, quando o cientista cético Ian Malcolm cruza pela primeira vez as vedações gigantes do parque, pergunta aos companheiros de visita: “O que é que eles guardam aqui, o King Kong?”, recordando aos espectadores um filme conhecido onde animais gigantes se revoltam contra os humanos incautos. Pelo contrário, no início de O Padrinho (Godfather) Michael Corleone diz à sua namorada que nunca será como o pai, rejeitando o mundo da máfia. O resto dessa obra prima encarrega-se de o desmentir.
- Dificuldades no horizonte – quando mostramos ou damos a entender ao espectador a existência de obstáculos ou dificuldades de que os personagens ainda não têm consciência, contribuímos de forma garantida para aumentar a tensão emocional. Em O Senhor dos Anéis vemos em primeira mão todos os preparativos que estão a ser feitos em Isengard para a criação de um exército das trevas. Em True Lies vemos que a ponte em que o carro de uma das personagens segue a grande velocidade está interrompida mais à frente, e sabemos antes dela que se não travar rapidamente vai tombar no abismo.
Veja neste vídeo mais uma série de exemplos famosos retirados do cinema moderno.
Como utilizar o foreshadowing
Para utilizar os prenúncios de forma eficaz, devemos considerar os seguintes aspectos:
- Subtileza: devemos evitar ser demasiado óbvios nas dicas que deixamos aos espectadores. O foreshadowing mais eficaz deixa pistas pequenas que o público pode não perceber imediatamente, mas que farão sentido em retrospetiva.
- Consistência: as pistas devem estar alinhadas com o enredo e os personagens. Detalhes aleatórios que não se encaixam na história podem confundir em vez de antecipar eventos.
- Variedade de técnicas: devemos procurar diversificar os tipos de indícios, combinando diálogos, objetos simbólicos, ações dos personagens e elementos visuais para criar um foreshadowing rico e variado.
- Equilíbrio: já referi várias vezes a importância da gestão de informação como responsabilidade primordial dos guionistas. Isso também se aplica nos prenúncios: não devemos revelar os perigos e ameaças demasiado cedo, mas também não podemos deixar o público totalmente no escuro. O ideal é encontrar um equilíbrio que mantenha o suspense e o interesse.
Ao dominar a técnica do foreshadowing, podemos elevar a qualidade das nossas estórias, mantendo o público envolvido e oferecendo experiências narrativas mais ricas e satisfatórias.
Para explorar um pouco mais este assunto, veja este excelente vídeo (cheio de spoilers) de StudioBinder.