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Ferramentas dos Guionistas: o que é um MacGuffin?

    Quem se interessa por cinema e ficção em geral, mais tarde ou mais cedo vai cruzar-se com uma palavra estranha: MacGuffin. Neste artigo vamos defini-la, falar da sua origem e dar alguns exemplos do que é (e não é) um MacGuffin.

    Definição

    “MacGuffin” é uma expressão utilizada para designar um objeto ou elemento de uma estória que serve para fazer avançar o enredo mas não tem outros propósitos relevantes na narrativa.

    O MacGuffin pode assumir as mais diversas formas: um mapa, uns planos secretos, uma pen drive, uma arma, um artefacto misterioso ou uma mala com alguma coisa dentro, entre muitas outras possibilidades. De igual forma, pode ser o objetivo principal dos protagonistas durante toda a narrativa, ou pode ser apenas um objetivo temporário de uma sequência particular.

    O que é comum a todos os MacGuffins é que protagonistas e antagonistas andam obsessivamente atrás deles, o que cria intriga e conflito, mas o seu impacto na estória fica-se geralmente por aí.

    Como surgiu a expressão

    A popularização do termo MacGuffin (por vezes também escrito como “McGuffin” ou “maguffin”) e do conceito associado deve-se ao realizador Alfred Hitchcock, que não só o utilizou frequentemente em muitos dos seus filmes mais conhecidos, como também o explicou em diversas entrevistas.

    Para o realizador, o MacGuffin era “a coisa que preocupa os personagens no ecrã mas a que a audiência não dá grande importância” ou, ainda, “a coisa de que os espiões andam sempre atrás“.

    Hitchcock explica o que é um MacGuffin.

    No entanto, tudo parece indicar que quem baptizou esta ferramenta dramática como MacGuffin foi um dos colaboradores regulares de Hitchcock, o guionista Angus Macphail, que para tal terá partido do significado da palavra inglesa guff – uma trivialidade ou disparate sem sentido.

    O conceito, no entanto, é muito mais antigo. Podemos argumentar que o Velo Dourado que Jasão e os argonautas buscavam na mitologia grega, ou o Santo Graal das lendas arturianas eram, na sua essência, MacGuffins.

    Mesmo na história do cinema as aparições dos MacGuffins já eram frequentes antes de Hitchcock. Por exemplo, numa série de filmes mudos protagonizados pela actriz Pearl White a ferramenta era tão prevalecente que ela designava os objetos perseguidos em cada episódio como “weenies”, dando-lhe exactamente o mesmo significado que os nossos maguffins.

    Tipos de MacGuffins

    Como se percebeu, os MacGuffins podem assumir as mais diversas e variadas formas. A imaginação dos guionistas é o limite, mas podemos tentar identificar algumas categorias predominantes:

    Objetos físicos

    É talvez a categoria mais comum e, como vimos com o exemplo do Velo Dourado que Jasão procura, uma das mais antigas.

    Encontramos MacGuffins físicos em vários filmes do próprio Hitchcock, como o microfilme de Intriga Internacional (North by Northwest) ou os diamantes de Ladrão de Casaca (To Catch a Thief), mas também numa imensidade de outras obras de várias épocas.

    Em O Falcão Maltês, por exemplo, o MacGuffin dá o nome ao próprio filme, assim como acontece em quase todos os filmes da série Harry Potter (Harry Potter e O Cálice de Fogo, etc.).

    Em Avatar é o Unobtainium, o valiosíssimo mineral que só existe em Pandora, elemento esse que, na sequela Avatar: O Caminho das Águas é substituído pela ainda mais valiosa e exclusiva substância medicinal Amrita. Ambos cumprem o mesmo papel da especiaria em Dune – uma substância muito valiosa e cobiçada que põe a narrativa em marcha mas é apenas uma desculpa para o que realmente interessa aos espectadores – a descoberta de um mundo e civilização novos e originais.

     Seria imperdoável não mencionar também um dos mais famosos e populares MacGuffins do cinema moderno: a misteriosa mala cheia de qualquer coisa que brilha que os assassinos Vincent e Jules têm de recuperar em Pulp Fiction.

    Bens imateriais

    Tomando outro filme de Hitchcock como exemplo, a intriga de Os 39 Degraus roda à volta de um segredo memorizado por um artista. Segredos e informações secretas são, aliás, excelentes MacGuffins, como acontece na primeira temporada da série televisiva Slow Horses.

    Já num dos filmes mais reverenciados da história do cinema, O Mundo a Seus Pés (Citizen Kane), é o significado da palavra “Rosebud”, murmurada pelo milionário Charles Foster Kane no leito de morte, que conduz a investigação jornalística que estrutura a narrativa fragmentada. Um significado que só é revelado, e apenas aos espectadores, no final do filme.

    Poderíamos referir ainda, por exemplo, a misteriosa “Pata de Coelho” que o agente Ethan Hunt tem de recuperar em Missão Impossível III – um MacGuffin tão MacGuffin que no início nem os heróis sabem exactamente o que é, mas que nem por isso desistirão de perseguir.

    Pessoas e entidades

    Curiosamente, muitos dos MacGuffins mais celebrados são pessoas ou entidades vivas.

    Em todos os filmes da série Taken, por exemplo, o herói Bryan Mills (aquele que tem um particular conjunto de habilidades) procura implacavelmente uma pessoa diferente: primeiro a filha, depois a mulher e, finalmente, o verdadeiro culpado de um crime de que está acusado.

    Também em dois filmes da série A Ressaca, o MacGuffin é o infortunado Doug que os ainda mais infortunados amigos têm de encontrar após o seu desaparecimento inesperado.

    Subindo alguns degraus no nível de qualidade, toda a intriga de O Resgate do Soldado Ryan centra-se na busca do militar que dá o nome ao filme. Se fosse um soldado Philips, um soldado Stevens ou um soldado Peters a estória continuaria basicamente a mesma.

    E pode ainda argumentar-se que Leeloo, a bela extraterrestre que o herói de O 5º Elemento tem de proteger, é também um MacGuffin (mas mais no sentido que George Lucas lhe confere, como veremos adiante).

    Termino com um exemplo não-humano, recuando a 1938 e a As Duas Feras (Bringing Up Baby), o clássico de comédia tresloucada que colocou Cary Grant e Katharine Hepburn atrás de um leopardo de estimação, o Baby do título.

    Prémios e recompensas

    Finalmente, sugiro uma quarta categoria de MacGuffins: os prémios e recompensas que os personagens obtém depois de participar em algum tipo de competição.

    Podem ser, por exemplo, concursos de dança, como em Billy Elliot ou no final do excelente Guia para um Final Feliz (Silver Linings Playbook), concursos de beleza como em Miss Simpatia ou em Little Miss Sunshine, ou até um jogo de ténis, como aquele cujos três sets estruturam o recente Challengers.

    Todas estes prémios e recompensas são, obviamente, muito importantes para os protagonistas, mas do ponto de vista dos espectadores interessam sobretudo pelas portas que abrem para universos especiais e personagens fascinantes. Ou seja, à sua maneira, são verdadeiros MacGuffins.

    Como identificar um MacGuffin

    Devemos adotar dois critérios para avaliar se um elemento dramático é um verdadeiro MacGuffin, de acordo com a definição acima proposta.

    Em primeiro lugar, podemos avaliar se a natureza do elemento narrativo em causa é intercambiável. Se pudermos substituir o objeto ou entidade em causa por outro, sem que isso mude significativamente a natureza da estória, estaremos provavelmente face a um MacGuffin.

    Por exemplo, num filme de espiões a trama pode andar à volta de conseguir uma determinada informação, mas é um pouco irrelevante se essa informação está contida numa pen drive, num disco rígido, num microfilme ou num bloco de notas. Trocar estes elementos poderia ter algum impacto em algumas cenas e momentos da estória (ver o conteúdo de uma pen é diferente de ver o conteúdo de um caderno) mas a estória em si não precisaria sofrer grandes alterações.

    É o que se passa, por exemplo, na primeira temporada da excelente série de espionagem britânica Slow Horses. Os primeiros episódios centram-se na tentativa de obter uma informação que está na posse de um jornalista. Para isso seguem-no, arranjam um subterfúgio para gravar uma pen, tentam entrar nos seus emails, e planeiam roubar o seu computador. A informação, neste caso, é o MacGuffin, e qualquer um destes formatos é, chamemos-lhe assim, um “sub-MacGuffin” que faz avançar a estória parcialmente.

    O segundo critério nasce automaticamente do primeiro. Por ser facilmente intercambiável, um verdadeiro MacGuffin não deve ter um impacto significativo no desenrolar do enredo, e muito menos na sua conclusão.

    A primeira temporada de Slow Horses serve uma vez mais de exemplo. Depois de passarem dois episódios atrás da informação contida num computador… este arde a meio do 3º episódio e os protagonistas (e espectadores) descobrem a informação por outra via. Puro território MacGuffin.

    Contudo, esta definição estrita leva-nos a uma discussão em curso: o debate entre os MacGuffins “clássicos” de Hitchcock e os “modernos” de outro grande cineasta, George Lucas.

    Hitchcock vs Lucas

    Como vimos antes, para Alfred Hitchcock e muitos outros cineastas o MacGuffin é apenas um pretexto para pôr em marcha uma estória, que depois terá de agarrar os espectadores por outros meios.

    Pelo contrário, George Lucas, o criador das sagas Star Wars e Indiana Jones, defendeu por diversas vezes uma perspectiva diferente.  Numa entrevista à revista Vanity Fair, por exemplo, ele destacava que “a audiência deve interessar-se pelo MacGuffin quase tanto quanto os heróis e vilões em confronto na tela“. Ou seja, o MacGuffin, mesmo não sendo o núcleo central de uma estória, terá tanto mais impacto quanto mais importância os próprios espectadores lhe atribuirem.

    Como exemplo, George Lucas apanta uma das suas mais memoráveis criações, o pequeno robot R2D2 do filme inicial da Guerra das Estrelas, que guardava na memória os planos de construção da temível Estrela da Morte e por isso era perseguido pelos rebeldes e pelo Império.

    Este MacGuffin é tudo menos intercambiável e irrelevante. Por um lado, o próprio R2D2 é uma criatura adorável, que conquistou a simpatia e preocupação dos espectadores desde o primeiro minuto na tela. Por outro lado, é a posse desses planos que dá aos rebeldes a possibilidade de, no clímax do filme, destruírem a Death Star (numa cena, note-se bem, em que o próprio R2D2 tem um papel crucial como co-piloto do herói Luke Skywalker).

    Outro dos exemplos apontado por Lucas é a Arca da Aliança, que Indiana Jones e os nazis perseguem ao longo de Indiana Jones e os Salteadores da Arca Perdida. Uma vez mais, a Arca é importante ao longo de todo a narrativa e desempenha uma função crucial no memorável final do filme, destruindo com o seu poder todos os nazis.

    Pessoalmente, a definição de Hitchcock para um MacGuffin parece-me mais adequada (e divertida) do que a de Lucas.

    A forma como o cineasta norte-americano encara os MacGuffins torna-os demasiado parecidos com os objetivos dramáticos mais comuns em todos os filmes, retirando-lhes a muito específica irrelevância e trivialidade que justificou o seu batismo pelo guionista Angus Macphail.

    De qualquer forma, e como não me canso de referir aqui no site, guionismo não é matemática nem nenhum destes conceitos e “regras” está escrito nas Tábuas da Lei.

    Se um MacGuffin, seja na versão “hitchcockiana” seja na forma “lucasiana”, for o ingrediente secreto de que o seu guião está a precisar para agarrar o interesse dos leitores e espectadores, não hesite em usá-lo. Vai juntar-se nisso a uma longa e prestigiosa lista de autores de cinema e televisão.

    Se ainda tem dúvidas quanto ao seu uso, então veja este excelente pequeno vídeo do site StudioBinder.

    O que é um MacGuffin, com muitos exemplos.

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