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Grandes Diálogos: Os Intocáveis

    A semana passada terminou com uma notícia triste: a morte de Sean Connery, um dos mais carismáticos e conhecidos atores anglófonos. Entre o seu primeiro filme como estrela internacional, Dr. No, que inaugurou a série James Bond, e o último, o malogrado Liga de Cavalheiros Extraordinários, Sean Connery teve uma carreira longa e profícua que ultrapassou em muito os limites estabelecidos pela sua interpretação icónica do agente 007.

    Basta recordar, por exemplo, obras como O Homem que Queria Ser Rei, Highlander, O Nome da Rosa, A Rocha, Descobrir Forrester, ou o filme que escolhi para o homenagear neste artigo: Os Intocáveis, de 1987.

    Selecionei uma grande cena desse filme, o único que lhe valeu um Oscar: o famoso diálogo “That’s the Chicago Way“, entre o seu personagem, o polícia veterano Jim Malone, e o imberbe mas decidido agente federal Elliot Ness, interpretado por Kevin Costner.

    Escrita pelo fantástico David Mamet, é uma cena em que Connery brilha ao apresentar de forma clara o tema central do filme: quanto Mal estamos dispostos a fazer para que o Bem prevaleça?

    Duas notas:

    • No guião de Mamet, esta cena, a 85, é maior e desenrola-se no escritório de Eliot Ness. O realizador do filme, Brian de Palma, preferiu dividi-la em duas partes, encenando o diálogo final com Malone numa catedral. Para o artigo de hoje vou manter a descrição como está no guião, mas suprimindo o início.
    • A tradução, com todos os seus defeitos e limitações, é minha. Para apreciar melhor o sabor inconfundível dos textos de David Mamet recomendo a leitura do guião, que pode ser encontrado no artigo que partilho mais abaixo.
    Malone: “É assim que se faz em Chicago.”

    INT. ESCRITÓRIO DE NESS – DIA

    (…)

    Ness sai do escritório para o átrio, acende um cigarro, esfrega os olhos. Olha para cima e vê algo.

    ÂNGULO PONTO DE VISTA

    Malone, em trajos civis, no outro lado do átrio.

    ÂNGULO

    Ness caminha até Malone. Malone aproxima-se dele. Fala em voz baixa mas intensamente.

    MALONE

    Você disse que queria saber como apanhar o Capone. Quer mesmo apanhá-lo?

    (pausa)

    Percebe o que estou a dizer? O que é que está preparado para fazer?

    NESS

    Tudo o que estiver dentro da lei.

    MALONE

    E depois, o que é que está preparado para fazer…?

    (pausa)

    Se você quer dançar com estes tipos, Sr. Ness, tem de estar preparado para ir até ao fim.

    (pausa)

    Porque eles não vão parar até que um dos dois esteja morto.

    Pausa.

    NESS

    Eu quero apanhar o Capone. Mas não sei como o apanhar.

    MALONE

    Se quer apanhar o Capone, é assim que vai fazer: Ele puxa de uma faca, você saca uma pistola; ele manda um dos seus para o hospital, você manda um dos dele para a morgue. É assim que se faz em Chicago. É assim que apanham o Capone. Então: quer fazer isso, está preparado para fazer isso…? Estou a propor-lhe um acordo. Quer esse acordo?

    NESS

    Eu jurei. Pôr esse homem atrás das grades, por todos os meios legais à minha disposição. E vou cumprir.

    MALONE

    (suspira)

    Aahh, Deus odeia os cobardes.

    Malone, cerimoniosamente, estende a mão. Ness aperta-a.

    MALONE

    (continuando)

    Sabe o que é um “Pacto de Sangue”?

    NESS

    Sim.

    MALONE

    Acabou de assinar um. Vá, venha comigo…

    NESS

    Onde é que vamos?

    MALONE

    Até lá fora, meu amigo, porque as paredes têm ouvidos.

    Os dois homens saem do edifício.

    O curto monólogo de Malone é um exemplo excelente da escrita de Mamet, mas a interpretação de Connery confere-lhe ainda mais impacto e pujança. Esta é a cena, tal como apareceu no filme.

    Leia o guião, da autoria de David Mamet, neste artigo do excelente site Cinephilia & Beyond.

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