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Grandes Diálogos: Homenagem a Bruce Willis – I see dead people

    O mundo reagiu com surpresa e consternação à notícia de que Bruce Willis ia terminar prematuramente a sua carreira de ator, em consequência de problemas neurológicos que afetam as suas capacidades cognitivas.

    É triste, e obriga-nos a refletir sobre a volatilidade da nossa existência.

    Nos anos 80 e 90, Bruce Willis foi um dos atores mais amados em todo o mundo. Em anos mais recentes os projetos em que se envolveu não primaram pela qualidade, mas filmes como Die Hard, Pulp Fiction, O Quinto Elemento e O Sexto Sentido consolidaram-no como um ícone inolvidável do cinema americano.

    Foi em jeito de homenagem que seleccionei um diálogo do guião memorável deste último filme, O Sexto Sentido, escrito por M. Night Shyamalan. É a famosa revelação de “I see dead people” que marca de forma estrondosa o ponto médio do filme.

    Descansa agora, Bruce. Mereces por todas as coisas boas que nos deste, como esta cena.

    INT. QUARTO DE HOSPITAL – NOITE

    Cole está sentado, rígido, na cama de hospital. Cobertas envolvem-no como um escudo protetor. Os seus olhos estão fixados na janela que mostra o exterior. Malcolm entra silenciosamente pela porta entreaberta. Cole apercebe-se e relaxa visivelmente.

    MALCOLM

    Decidi que não devemos marcar mais sessões. Vou simplesmente andar contigo.

    Cole sorri ligeiramente enquanto Malcolm se senta numa cadeira rolante.

    Malcolm repara nas pernas de Cole, que saem da sua bata de hospital. O rapaz usa meias de adulto, que se estendem com dobras até aos joelhos.

    MALCOLM [CONT’D]

    O teu pai conta-te estórias para adormecer?

    COLE

    Sim.

    Malcolm olha para Cole, enquanto toma uma decisão. Desliza na cadeira pelo quarto enquanto pensa. Uma pausa.

    MALCOLM

    Era uma vez um príncipe, que estava a ser conduzido pelo seu reino… Andaram durante muito tempo… Avançando e avançando… Era uma viagem muito longa… Ele adormeceu….

    (pausa)

    Quando acordou, ainda estavam a conduzir… A longa viagem continuou–

    COLE

    Dr. Crowe.

    MALCOLM

    Sim.

    COLE

    Já tinha contado estórias de adormecer antes?

    MALCOLM

    Não.

    COLE

    Tem de acrescentar algumas surpresas, e coisas. Talvez eles fiquem sem gasolina.

    MALCOLM

    Falta a gasolina. Hey, isso é bom…

    Ficam em silêncio. Malcolm prepara uma nova trama na cabeça.

    COLE

    Conte-me uma estória sobre porque é que é tão triste.

    Pausa.

    MALCOLM

    Achas que eu sou triste?

    Cole acena um “Sim.”

    MALCOLM [CONT’D]

    Porque é que pensas isso?

    COLE

    Os seus olhos dizem isso.

    Malcolm é afetado pelas palavras do seu cliente.

    MALCOLM

    (mecanicamente)

    Eu não deveria falar sobre essas coisas.

    Cole sorri suavemente.

    Malcolm encara a criança cansada sentada diante dele no leito hospitalar.

    Rola a cadeira para longe do seu cliente enquanto pensa.

    Pausa. Move lentamente a cadeira de rodinhas para mais perto da cama de Cole.

    MALCOLM [CONT’D]

    … Era uma vez um tipo chamada Malcolm. Ele trabalhava com crianças. Era o que ele mais gostava de fazer na vida.

    (sorri)

    Então, uma noite, percebeu que tinha cometido um erro com uma dessas crianças. Não tinha conseguido ajudá-la em nada. Ficou a pensar muito sobre isso. Não conseguia esquecer.

    (Pausa)

    Desde então, as coisas ficaram diferentes. O Malcolm ficou meio confuso. Nervoso. Já não era a pessoa que costumava ser.

    (Pausa)

    A sua esposa já não gosta da pessoa em que ele se tornou. Os dois já não se falam. São como estranhos.

    Malcolm interrompe os seus pensamentos e olha para Cole, que ouve tudo com uma atenção inabalável. Malcom sorri.

    MALCOLM [CONT’D]

    E então um dia esse tipo, o Malcolm, conhece um menino maravilhoso que lhe recorda aquele outro menino. Lembra-lhe muito dele. E o Malcolm decide tentar ajudar este novo menino. Pensa que, talvez, se conseguir ajudar este miúdo, seria como ajudar o outro também.

    Malcolm se inclina para frente, sussurra com emoção.

    MALCOLM [CONT’D]

    Não sei como a estória termina. Espero que seja um final feliz.

    COLE

    Eu também.

    Cole olha para os olhos carinhosos de Malcolm. Fica fixo em Malcolm por um longo momento.

    TUDO O QUE É DITO A PARTIR DESTE PONTO É SUSSURRADO.

    COLE [CONT’D]

    Eu vou contar-lhe o meu segredo agora.

    Malcolm pisca muito lentamente.

    MALCOLM

    OK.

    Cole faz uma pausa que parece eterna. Uma tensão silenciosa envolve os dois.

    COLE

    …eu vejo pessoas.

    Malcolm limita-se a olhar em silêncio.

    COLE [CONT’D]

    Eu vejo pessoas mortas… Algumas delas assustam-me.

    Pausa.

    MALCOLM

    Nos teus sonhos?

    Cole balança a cabeça, “Não”.

    MALCOLM [CONT’D]

    Quando estás acordado?

    Cole acena, “Sim”.

    MALCOLM [CONT’D]

    Pessoas mortas, como nas sepulturas e caixões?

    COLE

    Não, a andar por aí, como pessoas normais… Não se vêem uns aos outros. Alguns deles nem sabem que estão mortos.

    MALCOLM

    Não sabem que estão mortos?

    Pausa.

    COLE

    Eu vejo fantasmas.

    Malcolm fica completamente imóvel. Esforça-se por esconder o seu choque. Ele e Cole encaram-se por um longo tempo.

    COLE [CONT’D]

    Eles contam-me estórias… Coisas que lhes aconteceram… Coisas que aconteceram a pessoas que eles conhecem.

    Pausa. As palavras de Malcolm são extremamente controladas, para não revelarem nada.

    MALCOLM

    Com que frequência os vês?

    COLE

    A toda a hora. Eles estão em toda parte.

    (pausa)

    Você não vai contar a ninguém o meu segredo, pois não?

    Pausa.

    MALCOLM

    …Não.

    COLE

    Pode ficar aqui até eu adormecer?

    Malcolm acena com a cabeça, “Sim”. Cole puxa as cobertas até o queixo e vira-se para a janela do quarto. Malcolm fica muito quieto, fixando Cole.

    OS OLHOS DE MALCOLM – viram-se lentamente e examinam a sala. Não encontra nada. Malcolm volta a olhar para Cole.

    OS OLHOS DE COLE PERCORREM A SALA COM CAUTELA… NÓS ACOMPANHAMOS O MOVIMENTO — ATÉ QUE OS OLHOS PREENCHEM A TELA.

    Pausa.

    E então vemos o que ele está a ver. Através da janela do quarto de Cole vemos a ala adjacente do prédio do hospital.

    São visíveis filas de janelas de quartos de hospital. Nas janelas vemos os pacientes… ALGUNS VELHOS, ALGUNS JOVENS… ALGUNS ESTÃO VESTIDOS COM BATAS HOSPITALARES MODERNAS… OUTROS COM BATAS DE DÉCADAS PASSADAS.

    PERMANECEM ALI, ANTI-NATURALMENTE PARADOS NAS SUAS JANELAS… OBSERVANDO, ESPERANDO.

    CORTE PARA:

    Um pequeno vídeo sobre o filme e esta cena:

    A cena: https://youtu.be/QUYKSWQmkrg

    E o link para baixar o guião.

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