Acho que, às vezes, as pessoas realmente precisam da satisfação de encerrar um assunto. — Diablo Cody
Os últimos minutos de um filme são geralmente os mais importantes e os que perduram na memória dos espectadores – pelas boas e pelas más razões. A maior parte dos espectadores está disposto a esquecer e perdoar as falhas e tropeções no decurso da estória desde que a sua conclusão seja emocionalmente satisfatória.
É por isso que muitos decisores – produtores, realizadores, atores – avaliam um guião lendo apenas as primeiras e as últimas páginas. Só no caso destas os convencerem plenamente é que se dão ao trabalho de ler tudo o resto.

O 3º ato é o clímax da estória
No final do 2º ato encontramos muitas vezes o protagonista no seu pior momento. É frequente haver nessa fase derrotas, mortes de aliados e outros contratempos. Os obstáculos que surgem são aparentemente inultrapassáveis.
Em Juno, o filme que temos vindo a usar como exemplo, o momento mais negro é o anúncio de que os futuros pais adotivos iniciam um processo de divórcio. Destroem dessa forma o sonho que Juno acalenta de dar uma família perfeita ao seu bebé.
O 3º ato passa assim a ser a narrativa da forma que a protagonista encontra para se reerguer da sua desilusão e fazer uma última tentativa para cumprir a sua missão.
Isso implica, normalmente, um confronto final com o seu antagonista, no qual é revelada a resposta à questão dramática levantada no início do filme.
A esse confronto final, a esse momento decisivo e conclusivo da estória, chamamos o clímax.
O 3º ato é consequência dos anteriores
O cineasta Billy Wilder disse uma vez que “se temos um problema no 3º ato, o verdadeiro problema está no 1º ato”. É uma maneira muito clara de nos recordar que o 3º ato é a conclusão lógica e inevitável de todo o envolvimento dramático construído nos dois atos anteriores.
Tudo o que surge ou acontece no 3º ato deve ter sido pressagiado e dado a entender no decurso da estória, e deve ser uma consequência natural de tudo o que aconteceu antes.
Como tal devemos ter construído uma ideia geral da direção para onde a narrativa está a ser conduzida. Mas devemos ao mesmo tempo ter mantido em segredo os detalhes dessa conclusão.
O desfecho de uma estória deve ser lógico e inevitável mas também surpreendente. Não podemos limitar-nos a ligar os pontos e dar ao espectador exatamente o que ele estava a prever. O ideal é este ser surpreendido pela conclusão que encontrámos para a estória, mas simultaneamente sentir que o final é não só lógico mas inevitável.
O 3º ato encerra todas as pontas soltas
Um filme pode terminar com um chamado “final fechado”, em que o espectador sabe exactamente o ponto em que o protagonista e os restantes personagens ficam. É o que acontece normalmente nos filmes de modelo clássico que temos vindo a analisar neste curso.
Este final pode ser positivo, quando o protagonista consegue o que queria ; negativo, quando não consegue; ou ambíguo – consegue ou não consegue, mas o resultado não é o que esperava.
Uma narrativa pode também ter o chamado “final aberto”, em que a conclusão da estória fica a cargo da imaginação do espectador, mas essa deve ser uma decisão consciente e intencional do autor para provocar um determinado tipo de reação emocional.
O que não pode acontecer, nunca, é, por descuido do autor, ficarem tramas abertas, sem um encerramento satisfatório.
Assim, além de fechar a estória central, respondendo à questão dramática principal, o 3º ato encerra também todas as linhas secundárias de enredo do filme que ainda estejam penduradas.
Isso acontece normalmente antes do clímax, para que a atenão do espectador se foque na resposta à questão dramática central. Mas alguns enredos secundários podem fechar-se apenas depois deste. É o caso das tramas amorosas, que muitas vezes só se concluem depois da trama central ser encerrada.
O 3º ato conclui o arco de transformação
O 3º ato não se limita a encerrar as várias tramas da estória. Quando o protagonista da nossa estória tem um arco de transformação, é muitas vezes necessário que este seja concluído no 3º ato, como parte da preparação para o clímax. Só mudando algum aspeto ou superando alguma fraqueza da sua personalidade é que o herói fica preparado para enfrentar e superar o desafio final.
Isto é válido tanto pela positiva como pela negativa. Em O Silêncio dos Inocentes Clarice termina a sua transformação de insegura estagiária do FBI numa agente capaz de salvar sozinha a vítima do psicopata Bufallo Bill. Em O Padrinho Michael Corleone deixa de ser o filho honesto e idealista para se transformar num poderoso chefão, frio e implacável, e assim salvar a sua família.
O 3º ato conclui o Tema da estória
O Tema é um daqueles aspectos da escrita que mais confusão causam.
No meu livro de guião dedico-lhe um capítulo. Digo aí que “o Tema é a razão verdadeira e profunda porque um autor se interessa por uma determinada estória e não por outras. É a projeção da mundivisão do autor na sua estória.
Neste sentido o Tema é sempre uma opção inconsciente que tomamos no momento em que nos apaixonamos por uma certa premissa de estória, um personagem ou uma ideia de enredo, e decidimos desenvolvê-la num guião. O processo de escrita vai limitar-se a revelá-lo, pouco a pouco, em camadas sucessivas.”
Nesta perspectiva, o Tema da nossa estória vai-se revelando, de preferência com subtileza, ao logo de toda a narrativa. Mas é frequente que no 3º ato assistamos também a uma espécie de conclusão temática da estória. É aqui que percebemos melhor o significado real, o impacto emocional de todo o arco narrativo.
Características do 3º ato
O 3º ato de um filme é geralmente mais curto, correspondendo apenas a 15 a 20% do total da estória. É claro que há excepções, e muitos exemplos contrários, mas são mais frequentes os casos em que assim acontece.
Nas cenas que antecedem a 2ª viragem assistimos muitas vezes ao momento mais negro do protagonista, aquele em que ele tem direito (embora por pouco tempo…) a duvidar do sucesso da sua empreitada.
Esta depressão temporária serve para dar um valor acrescido ao seu último esforço em que, apesar de todas as dúvidas e dificuldades, se reergue para uma derradeira e desesperada tentativa.
Esta tentativa é muitas vezes acompanhada por uma nova tática, normalmente apenas possível porque ele cumpriu o seu processo de transformação, enfrentando e vencendo os seus próprios medos e obstáculos internos.
Acontece também muitas vezes que, nesta última investida, se assiste ao regresso de aliados que tínhamos pensado perdidos. Quem não se recorda do regresso triunfal de Han Solo no final de A Guerra das Estrelas?
Não devemos confundir este regresso de aliados com um dos erros mais temidos pelos bons dramaturgos: os deus ex machina.
Esta expressão latina aplica-se a todas as soluções dramáticas que são implantadas numa estória apenas para resolver um problema, sem que nada as fizesse indicar ou possa justificar.
Um exemplo bem humorado de deus ex machina surge no filme The Expendables 2, numa sequência em que os heróis estão cercados por um grupo mais numeroso e bem armado e a sua derrota parece inevitável. É nesse momento que surge do nada Chuck Norris e, sozinho, elimina todo o bando inimigo. Uma solução tão improvável e gratuita só é aceitável porque é o filme que é – e se trata de Chuck Norris.
Se os deus ex machina, tais como as coincidências, são geralmente de evitar, são ainda mais temíveis quando surgem no clímax e ajudam a definir a conclusão da estória. É o que acontece, por exemplo, em O Turista, uma comédia ligeira de ação completamente destruída por um final assente num descarado deus ex machina.
A investida final do protagonista, munido de uma nova tática, com novos aliados e de forças retemperadas, termina quando este enfrenta o antagonista principal no clímax da estória. Esta sequência pode ser um grande confronto épico ou uma cena de forte impacto, mas pode também assumir contornos mais intimistas.
Se em Os Vingadores, por exemplo, o clímax é uma espetacular batalha nas ruas, e em O Padrinho é a memorável sequência do batizado intercalado com os homicídios dos inimigos da família Corleone, em O Silêncio dos Inocentes é a cena do confronto direto entre Clarice e o monstro no seu labirinto.
O clímax responde assim à questão dramática lançada no 1º ato. É só neste momento que ficamos a saber se o protagonista alcança ou não os seus objetivos.
Há quatro resultados possíveis, dois simples e dois complexos:
- A vitória clara e objetiva do protagonista, como em O Silêncio dos Inocentes ou Juno.
- A derrota pura e simples do protagonista, mais rara, como em Rosemary’s Baby e muitos filmes de terror.
- A vitória com sabor a derrota, como em O Padrinho ou Haverá Sangue.
- E, finalmente, a derrota que realmente é uma vitória, como em I Am Legend ou (parcialmente) Inglorious Basterds, ou tantos outros filmes em que um protagonista se sacrifica pelo bem coletivo.
Depois do clímax uma estória pode ter ainda uma fase mais curta a que chamaremos de conclusão ou, usando um termo francês, “dénouement”.
É aqui que se fecham as últimas pontas soltas e se dá ao espectador algum tempo para saborear as emoções do clímax da estória. Em alguns casos, é o tempo necessário para secar as lágrimas depois de uma boa catarse emocional.
A conclusão de Juno é a sequência final em que a protagonista toca viola com o namorado. Em O Silêncio dos Inocentes é a festa em que Clarice celebra a sua graduação, interrompida pelo telefonema de Hannibal Lecter, que se prepara para consumar a sua vingança contra o detestável doutor Chilton. Em O Padrinho é o beija-mão final, em que Kay percebe que Michael já não é o homem com quem casou.
Este período de conclusão, de catarse emocional, deve ser geralmente curto, mas pode haver excepções – algumas mais bem sucedidas do que outras.
Em Os Condenados de Shawshank a conclusão após o clímax do filme – a fuga de Andy – é tão longa que se converte, na prática, num 4º ato, com o seu clímax próprio. A estória só termina quando se resolve a questão pendente da sobrevivência de Red no mundo exterior e a sua relação de amizade com Andy.
Já no 3º filme da saga O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei a fase de “dénouement” prolonga-se muito mais do que o necessário, arrastando-se desnecessariamente num filme já de si muito longo.
O 3º Ato de Juno
- 74.30 – Juno interroga o pai sobre o amor e a felicidade.
- Juno faz uma operação noturna para entregar alguma coisa que não identificamos.
- Bleeker encontra um monte de guloseimas à porta de casa.
- Juno procura Bleeker na pista de corrida e beija-o.
- As águas de Juno rebentam.
- Contrações fortes fazem Juno sofrer.
- 81.30 – CLÍMAX – o parto.
- Bleeker corre.
- Juno com o pai no hospital depois do parto.
- Bleeker aparece e deita-se na cama de hospital ao lado de Juno.
- Vanessa aparece para ver o bebé.
- Flashback para a nota que Juno deixou: “Se ainda estás interessada eu alinho”.
- Juno vai ter com Bleeker de bicicleta, já no verão.
- 86.30 – Juno e Bleeker tocam viola juntos. Voltam a ser adolescentes normais.
Análise do 3º ato de Juno
Como podemos ver o 3º ato de Juno é muito curto, com pouco mais de 12 minutos.
Juno, depois do momento mais negro que marca o fim do 2º ato, adota novas táticas para lidar com os problemas da sua vida.
No que respeita à sua relação com Bleeker – o enredo secundário do filme – a jovem decide tomar a iniciativa nas suas mãos e fazer-lhe uma marcação cerrada – e bem sucedida.
Em relação ao enredo principal também adota uma nova tática mas só vimos a sabê-lo no fim, quando descobrimos o conteúdo da mensagem deixada a Vanessa: “Se ainda estás interessada eu alinho”.
Esta nova tática só é possível porque Juno termina um pequeno arco de transformação: perde parte da sua inocência e deixa de acreditar em soluções ideais para aprender a viver satisfeita com a felicidade possível num mundo imperfeito.
O clímax da estória, obviamente, é o parto – tratado com humor e realismo – e a subsequente entrega do bebé à nova mãe. É aqui que fica respondida a questão dramática inicial: “O que vai ser feito desta criança?”.
Depois do clímax vem uma curta sequência de conclusão, de “dénouement”, em que vemos que o equilíbrio original do mundo de Juno foi reposto e está inclusive melhor, já que ela resolveu a sua relação com Bleeker.
Como tudo em Juno, este é um 3º ato exemplar.
Conclusão
Com este artigo terminamos a análise mais detalhada dos elementos que compõem os três atos de uma estória construída de acordo com o modelo de estrutura clássico.
Há outros modelos estruturais, mas a estrutura em três atos – o chamado paradigma – é o mais importante de dominar e compreender completamente. É preciso conhecer as regras para as poder transcender.
Não posso terminar sem reforçar uma ideia muito importante: estas “regras” que refiro não são imutáveis nem garantem, só por si, a qualidade de uma estória.
Há um número incontável de maus filmes que respeitam este modelo estrutural, assim como há muitos filmes maravilhosos que o desrespeitam, no todo ou em parte.
O importante é a estória funcionar bem, ter o poder de nos agarrar e prender do princípio ao fim, de nos surpreender, de libertar todo o tipo de emoções e nos deixar com uma sensação de satisfação e catarse quando chega ao fim.
A estrutura em três atos é apenas um bom ponto de partida para alcançar este objetivo.
Atualizado em 2025-02-27
Olá João. Acompanho-o há já algum tempo e procuro ir retirando de si alguns ensinamentos. Hoje gostaria de lhe colocar uma questão: No seguimento desta entrada o João diz algures que “o desfecho de uma história deve ser lógico, mas também surpreendente”. Não sei se era apreciador da série de TV Lost. Se sim, e se a acompanhou, gostava de saber a sua opinião sobre o desfecho que, sendo surpreendente, não me parece nada lógico. Obrigado Manuel Morgado
Olá Manuel, não era fã da série mas já escrevi alguns artigos sobre ela. Veja aqui:
https://joaonunes.com/2010/media/r-i-p-lost/
https://joaonunes.com/2009/media/fas-de-lost-nao-desanimem-nem-tudo-esta-perdido/
https://joaonunes.com/2010/media/tudo-o-que-sempre-quis-saber-sobre-lost-excepto-como-acaba/
https://joaonunes.com/2011/guionismo/o-que-e-a-biblia-de-uma-serie-de-tv/
https://joaonunes.com/2010/guionismo/as-dez-perguntas-a-que-lost-nao-respondeu/
Espero que respondam à sua questão.
Gostei muito do artigo. Muito completo e claro.
Achei ainda particularmente interessante a abordagem ao tal 4º acto e o facto de ter usado como exemplo “os condenados de shawshank”. É um dos meus filmes favoritos e, de cada vez que o revejo, são precisamente esses momentos finais que aguardo com deleite. Creio que também há outro aspecto interessante nessa última etapa do filme.
Não sei se o João está de acordo, mas parece-me que nesta altura há uma troca de protagonistas do filme: deixa de ser Andy Dufresne (Tim Robbins) quem move a história para a frente, passando a ser Red (Morgan Freeman) o agente mais activo. Algum comentário?
obrigado,
Berni
p.s.: será que podemos esperar também um artigo sobre o 4º acto? Ou já é pedir demais? ;)
Mais que perfeito esse post! Apesar de já conhecer essa estrutura, ler suas explicações para tal (comentando o final de Juno, por exemplo), foi uma aula sem igual! Muito obrigado!
Obrigado! Ainda bem que achou útil. Mais dois artigos e termino este curso… ufa…
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